segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Nostalgia cervejeira

*Publicado nesta data em coletiva.net

Nas idas aos supermercados  sou atraído por alguma força superior  para as gôndolas das cervejas e dos vinhos, normalmente lindeiras. Sempre que o orçamento permite me entrego ao impulso consumista e carrego um e outro produto de graduação alcoólica,  junto com os gêneros de primeira necessidade. Na verdade, não resisto a infinidade de ofertas à disposição, eu que sou do tempo da limitação de produtos, em que cerveja era Brahma Chopp, refrigerante era Pepsi e vinho era o da garrafão, produzido com uva Isabel.

Devemos aos descendentes das principais correntes migratórias para o Rio Grande do Sul o legado dos dois produtos que hoje me levam os trocados nos mercados: dos italianos, o vinho e dos alemães, a cerveja. Mais do que comprador, sou um apreciador devotado  de ambos, consumindo com a moderação apregoada nos anúncios.. Um tinto vai bem nos meses mais frios, como agora, e nos mais quentes viro cervejeiro, com espaço também para os vinhos brancos e os espumantes,

É nos dias mais quentes, entre um gole e outro, que relembro dos tempos em que Brahma era sinônimo de cerveja. Os mais antigos contam que o centroavante colorado Claudiomiro, bom de artilharia, mas atrapalhado no vernáculo, agradeceu  às “brahminhas da Polar” que recebeu de uma emissora por ter sido escolhido o craque do jogo. Acredito, porém, que isso não passa de lenda urbana.

A expansão da Brahma como principal produto da Ambev acabou incorporando à empresa uma série de rivais no mercado, a começar pela  fusão com a Antarctica,  concorrente de peso e  tradicional representante paulista na produção cervejeira. O Rio Grande do Sul, que se orgulhava de sua diversificada ofertas de cervejas, com marcas representativas de  cada região, foi um dos alvos da sanha expansionista da Antarctica e depois da  Ambev. Apelo aos de boa memória para ajudar a lembrar as marcas aqui produzidas, a maioria agora sob a bandeira ambeviana: a Polar, da cidade de Estrela, que originalmente era a Casco Escuros e hoje é o carro chefe do marketing cervejeiro da multinacional para os gaúchos; a Serramalte, originária de Getúlio Vargas que ainda resiste nas gôndolas dos supermercados, assim como a Original, criada em Ponta Grossa-PR, mas desconheço o que foi feito da Pérola, fabricada em Caxias do Sul até os anos 90 pela cervejaria Leonardelli. e da Polka, de Feliz.  

Os mais antigos lembram a Cervejaria Continental (fusão das firmas Bopp, Sassen e Ritter), na Cristovão Colombo, em Porto Alegre, que depois foi adquirida pela Brahma. Foi lá, nas cubas instaladas naqueles porões, onde saboreei , numa recepção da empresa,  o chope mais cremoso de toda a minha jornada dedicada ao deus Baco. Hoje, os belos prédios em estilo eclético e sua monumental chaminé integram o Shopping Total.

A vocação cervejeira dos gaúchos foi retomada com a Dado Bier, seguida de outras marcas consideradas de excelência como a Coruja e  a Tupiniquim, das que conheço por consumir. Essa tradição cervejeira herdada dos imigrantes alemães fez proliferarem as chamadas cervejas artesanais, levando o RS ao pódio na segunda posição, com 258 cervejarias, perdendo apenas para São Paulo com 285. Porto Alegre, com 40 produtores  está entre os municípios brasileiros com maior numero de cervejarias. O informe é do Anuário da Cerveja de 2020, o mais recente divulgado.

Bem antes da Dado Bier e seguidores, acredito que meu pai, o mítico Coronel Dastro (faria 107 anos no último dia 28), na época tenente da BM, foi um pioneiro na produção de cervejas artesanais. Lá pelos anos 1950 se aventurou a produzir cervejas em casa.  Depois de o liquido engarrafado, os vasilhames eram deixados sob as camas da filharada, oito no total. A escolha dos depósitos, suponho, era  porque os locais ficavam mais frescos (a modernidade do refrigerador ainda não tinha chegado aos Dutras). O problema é que volta e meia éramos despertados na madrugada pelo barulho  de  tampas das garrafas  que não resistiam à fermentação e estouravam. O quarto ficava tomado com o forte cheiro da bebida. Acho que vem daí minha afeição à cerveja. A vocação de cervejeiro passou de avô pra neta, pois tempos atrás minha filha Mariana montou uma microcervejaria no apartamento e produziu algumas garrafas de uma cerveja muito gasosa, mas nada desprezível. Só que a experiência durou pouco e logo voltamos às bebidas industrializadas.

Com o anúncio de que preço do precioso liquido vai aumentar nas gôndolas dos supermercados, fico pensando se não vale uma nova investida familiar nesse segmento.  Além do charme natural de ser produtor de uma bebida de grande aceitação, sinônimo de boa convivência,  uma cerveja de marca própria   vai evitar a disputa, pau a pau, com o seu antagônico, o leite, para saber qual deles  onera mais o bolso deste pobre consumidor.  Quem sabe uma pilsen leve chamada Caldável ou uma ceva mais encorpada, uma Lager ou Ipa com  ViaDutra no rótulo?  Aceito sócios financiadores no negócio e já antecipo o brinde: prost!

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