sexta-feira, 14 de maio de 2021

Folhetim: A moça do supermercado - Capítulo 10

 * Ligeiramente baseado na vida real.

A frase perturbadora ainda martelava na mente dele e foi quando se deu conta de que  não era a frase que o perturbara, mas a forma como fora pronunciada:

- Sei fazer coisas que o senhor nem imagina!, numa voz suave, quase insinuante.

Talvez fosse o efeito da máscara, só que a perturbação era real. Foi outra frase de Alexia que devolveu ele ao ambiente do supermercado:

- A mamis gostou muito do senhor.

E já emendou: “Ela quer que o  senhor vá mais vezes lá em casa.”

Adalbertinho vislumbrou no convite duas oportunidades prazerosas a serem bem aproveitadas: repetir as caronas a moça e rever os seios bem firmes de  Suellen, a mamis. Ao lembrar dos seios, lembrou também da tatuagem que os encimava:  Rapaki, paixão em grego, que Alexia também tinha tatuada, quase na mesma região peitoral.  

A lembrança levou o professor e se consumir em dúvidas: qual a motivação para transpor aquela palavra para as macias peles femininas de mãe e filha? Seriam paixões do passado eternizadas dessa forma? Um grego na vida delas? Radicalizou nas suas elucubrações, até ser chamado novamente a realidade pela moça:

- Vou sair em meia hora, Se o senhor tiver paciência e for pras nossas bandas, aceito a carona,-  ela sugeriu, sem parecer oferecida.

Por essa ele não esperava, tanto assim que demorou alguns segundos para responder, titubeante:

- Cla-ro, cla-ro.  Na parada de sempre?

A caminho da casa dela, ele não resistiu e tratou de desfazer as dúvidas em relação a tatuagem e o fez cheio de cuidados.

- Não me leve a mal, mas observei que tu e tua mãe tem a mesma tatuagem, a mesma palavra e na mesma parte do corpo (ficou  constrangido em falar em seios). Sabe o que significa essa palavra?

- Parece que é  uma palavra turca,- explicou ela.

- Desculpe, mas Rapakli é grega,- corrigiu ele,

- Ah, pode ser. Mamis e eu fizemos a  tatuagem no mesmo dia e  achamos a palavra bonita e umas letras legal.

Ao  desfazer o mistério, Alexia provocou inesperada decepção no veterano, que imaginava uma explicação que remetesse a algo mais épico, mais romanceado, como nos  livros que gostava de ler e recomendava aos  seus alunos.

- Rapaki significa paixão, garota. 

- Não sabia, muito legal isso.

O professor  tentou avançar no diálogo, conduzindo a conversa para um lado mais intimista, mas  logo percebeu que isso não ia prosperar por falta de argumentos e conhecimentos da outra parte.

Em seguida chegaram à casa dela, onde havia um inesperado receptivo: um carrão preto.

- Olha, é o carro do seu Armando,- avisou a moça.

Pelo lado do carona saiu um sessentão vestido à antiga, calça social ajustada bem acima da cintura, casaco quadriculado, uma camisa social tendendo para o amarelo e abotoada até o  pescoço.  O cabelo visivelmente recebera uma tintura extra, assim como o bigodinho  ralo. Se houvesse  uma figura icônica para representar um bicheiro decadente, seu Armando era o próprio e isso ficou mais evidente quando, num sorriso forçado,  mostrou os dentes, entre eles um incisivo central reluzente de dourado que fazia  concorrência em brilho com o medalhão que ornava a barriga proeminente do homem.

- Precisamos ter uma conversinha, cidadão.- avisou o bicheiro.

Ato continuo, abriu um lado do casaco, revelando uma arma no coldre preso à cintura. Como se fosse uma ação  sincronizada, do lado do motorista do carrão, surgiu um mulato alto e bombado, cujos olhos faiscaram quando o patrão começou a falar.

- Cidadão, quais são suas intenções com a Su e a menina?

(continua)

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