* Ligeiramente baseado na vida real.
A frase perturbadora ainda martelava na mente dele e
foi quando se deu conta de que não era a
frase que o perturbara, mas a forma como fora pronunciada:
- Sei fazer coisas que o senhor nem imagina!, numa
voz suave, quase insinuante.
Talvez fosse o efeito da máscara, só que a
perturbação era real. Foi outra frase de Alexia que devolveu ele ao ambiente do
supermercado:
- A mamis gostou muito do senhor.
E já emendou: “Ela quer que o senhor vá mais vezes lá em casa.”
Adalbertinho vislumbrou no convite duas
oportunidades prazerosas a serem bem aproveitadas: repetir as caronas a moça e
rever os seios bem firmes de Suellen, a
mamis. Ao lembrar dos seios, lembrou também da tatuagem que os encimava: Rapaki, paixão em grego, que Alexia também
tinha tatuada, quase na mesma região peitoral.
A lembrança levou o professor e se consumir em
dúvidas: qual a motivação para transpor aquela palavra para as macias peles
femininas de mãe e filha? Seriam paixões do passado eternizadas dessa forma? Um
grego na vida delas? Radicalizou nas suas elucubrações, até ser chamado
novamente a realidade pela moça:
- Vou sair em meia hora, Se o senhor tiver paciência
e for pras nossas bandas, aceito a carona,- ela sugeriu, sem parecer oferecida.
Por essa ele não esperava, tanto assim que demorou
alguns segundos para responder, titubeante:
- Cla-ro, cla-ro. Na parada de sempre?
A caminho da casa dela, ele não resistiu e tratou de
desfazer as dúvidas em relação a tatuagem e o fez cheio de cuidados.
- Não me leve a mal, mas observei que tu e tua mãe
tem a mesma tatuagem, a mesma palavra e na mesma parte do corpo (ficou constrangido em falar em seios). Sabe o que
significa essa palavra?
- Parece que é
uma palavra turca,- explicou ela.
- Desculpe, mas Rapakli é grega,- corrigiu ele,
- Ah, pode ser. Mamis e eu fizemos a tatuagem no mesmo dia e achamos a palavra bonita e umas letras legal.
Ao desfazer o
mistério, Alexia provocou inesperada decepção no veterano, que imaginava uma
explicação que remetesse a algo mais épico, mais romanceado, como nos livros que gostava de ler e recomendava
aos seus alunos.
- Rapaki significa paixão, garota.
- Não sabia, muito legal isso.
O professor
tentou avançar no diálogo, conduzindo a conversa para um lado mais
intimista, mas logo percebeu que isso
não ia prosperar por falta de argumentos e conhecimentos da outra parte.
Em seguida chegaram à casa dela, onde havia um
inesperado receptivo: um carrão preto.
- Olha, é o carro do seu Armando,- avisou a moça.
Pelo lado do carona saiu um sessentão vestido à
antiga, calça social ajustada bem acima da cintura, casaco quadriculado, uma
camisa social tendendo para o amarelo e abotoada até o pescoço.
O cabelo visivelmente recebera uma tintura extra, assim como o
bigodinho ralo. Se houvesse uma figura icônica para representar um
bicheiro decadente, seu Armando era o próprio e isso ficou mais evidente
quando, num sorriso forçado, mostrou os
dentes, entre eles um incisivo central reluzente de dourado que fazia concorrência em brilho com o medalhão que
ornava a barriga proeminente do homem.
- Precisamos ter uma conversinha, cidadão.- avisou o
bicheiro.
Ato continuo, abriu um lado do casaco, revelando uma
arma no coldre preso à cintura. Como se fosse uma ação sincronizada, do lado do motorista do carrão,
surgiu um mulato alto e bombado, cujos olhos faiscaram quando o patrão começou
a falar.
- Cidadão, quais são suas intenções com a Su e a
menina?
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