* Publicado nesta data em coletiva.net
Se as séries sobre
política, eleições e poder, exibidas nos canais de streaming, refletem a
realidade dos países onde foram produzidas, aqui vai um consolo para nós
brasileiros: lá fora também tem muita sacanagem e maracutaia nos altos escalões. Claro que se trata de um nivelamento por
baixo, mas vale conferir os exemplos de
como se dão os enfrentamentos e as negociações no ambiente político em países
que, muitas vezes, invejamos como
icônicos no comportamento ético de suas lideranças.
Até vou pular a série “
House of Cards”, que trata da ascensão dos Underwoods
(Frank/Kevin Spacey e Clair/Robin Wright)
à presidência dos EUA. As
campanhas eleitorais americanas, virulentas e de baixo nível como estamos
observando agora, já não servem de modelo pra ninguém há muito tempo e “House
Of Cards”, em sexta temporada, apenas radicaliza o cenário.
Vamos aos exemplos de
outros países, todos do Netflix, que confirmam a assertiva inicial. “Marseille”,
produção francesa de 2016, retrata a história de Robert Taro (o velho e bom
Gerard Depardieu), prefeito há 25 anos da cidade que dá nome à série, que
descobre a traição do parceiro político prestes a assumir a prefeitura,
desencadeando uma guerra pelo poder e controle do município, envolvendo até a
máfia. Nada muito diferente do que acontece em várias cidades brasileiras,
apenas trocando a máfia por milicianos e/ou outros grupos à margem da lei, que
interferem nas disputas político-eleitorais.
Já “O Jornal”, série da
Croácia, diz mais sobre as relações dos
políticos com a mídia e outras instituições do que sobre a operação do diário que dá título à produção. Em duas temporadas,
iniciadas em 2016, a série mostra um desfile de políticos corruptos,
empresários inescrupulosos, policiais que agem como criminosos, jornalistas divididos entre a missão de bem informar ou servir aos poderosos
de plantão e até o envolvimento, nada
cristão, da hierarquia católica nos malfeitos que conduzem ao poder. Olha, a
série “O Mecanismo”, de José Padilha, vira Sítio do Pica-Pau Amarelo diante de “O
Jornal”.
A ótima série “Borgen”
(O Castelo, termo coloquial como é conhecido
o palácio sede dos três poderes do
pais) mostra que existe algo de podre no reino as Dinamarca, com o
perdão do clichê. São três temporadas ( 2010/13) sobre a trajetória de Birgitte
Nyborg (Saidse Knundsen), líder do partido dos Moderados que, contra todas as
probabilidades, torna-se a primeira mulher a ascender ao cargo de
primeiro-ministro. Dito assim, até
parece que o mandato dela é uma permanente celebração da boa prática política.
Que nada, Birgitte sofre nas mãos das velhas raposas dos outros partidos,
a exigir cargos e benefícios em troca de
apoio ( como um Centrão brasileiro),
além da incompreensão da família por inevitavelmente dedicar mais tempo
ao governo do que ao lar. Detalhe: o
principal partido de oposição na série, liderado por um editor inescrupuloso,
chama-se Partido Trabalhista. Deve ser mera
coincidência com fatos e pessoas tupiniquins. Detalhe dois: a diferença
entre a corrupção dinamarquesa, pelo menos no seriado, e a daqui, é de escala.
Lá o ministro da Defesa tem que se explicar porque aceitou dois rifles de
presente de um fornecedor de armamentos; aqui é grana nas cuecas, malas de dinheiro
e desvios de recursos das estatais e da área da Saúde.
Um personagem tão
importante na série como a primeira-ministra é seu assessor de imprensa, Kasper
Juul (Pilow Asbaek), que não hesita em manipular jornalistas – especialmente as
jornalistas - e informações para livrar
a chefe de situações incômodas. Na verdade, ele é bem mais do que assessor de
imprensa: é um conselheiro sempre ouvido nas crises, até porque é um eficaz
operador de bastidores e do lado B da política, portanto, uma figura que também
se reproduz com este perfil - e às
pencas - no cenário brasileiro, muitas
vezes travestido de marqueteiro.
É preciso reconhecer,
entretanto, que “Borgen” revela igualmente um outro lado da atividade política,
sempre tão demonizada: a dos bem- intencionados por formação, a dos que
escolhem o bem comum como prioridade, a dos que servem e não se servem do que é
público, a dos verdadeiros estadistas,
mas que pagam um pesado ônus pela vida pessoal afetada e pelo constante dilema
de decidir entre fazer o certo ou agir
com pragmatismo. A estes está reservada
a solidão do poder, as frustrações pelos ideais maculados, a amargura das
causas perdidas e o desafio de sobreviver num mundo de permanente pressões e
tentações.. Que pelo menos eles sirvam de inspiração aos vocacionados para a boa política que, com certeza, ainda existem
no mundo real e não apenas na ficção.
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