* Publicado em 19/10/2020 em coletiva.net
Sempre pensei que lugar
de fala era a tribuna, o púlpito, a mesa de bar ou em frente ao microfone.
Agora descubro que é um conceito que confere autoridade e legitimidade a uma
pessoa para discorrer sobre sua condição social por pertencer a um grupo, seja
étnico, de gênero, religioso, político e tantos outros representativos de
minorias. O conceito é sociológico e, se
aprofundarmos as explicações sobre ele, vamos adentrar num cipoal de termos
acadêmicos, daqueles que adornam e dão status às teses de mestrado.
No Brasil, o termo foi
popularizado graças a filósofa Djamila Ribeiro, autora do livro “O que é lugar
de fala?” Desde então, tem sido muito usado por militantes
feministas e dos movimentos sociais em geral, mas está chegando com força nas
mídias tradicionais, adotado por comunicadores que querem parecer moderninhos.
“Lugar de fala” é,
sobretudo, uma expressão sob medida para
o pessoal do campo de esquerda, só que é entre setores menos dogmáticos dessa
mesma esquerda que constato nas redes sociais muitas críticas a quem usa o
termo como argumento na falta de outros argumentos. A crítica é que se tornou a um instrumento de exclusão de quem
não é representativo de determinado tema, restringindo o diálogo e o debate. Alegar “lugar de fala” conferiria uma
superioridade moral e intelectual sobre as demais pessoas. É mais ou menos como
dizer “você não é gordo, portanto não pode falar sobre obesidade comigo que sou
gordo”, atacando a pessoa que está argumentando em vez de atacar o argumento
que ela está usando.
O tema é muito sensível
nestes tempos de polarização em todas as questões. Por isso, com o legítimo
receio de ser rotulado de reacionário, vou me valer do artigo do doutor em
Filosofia Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia, para
reforçar o uso inadequado e radical do “lugar de fala” (o artigo é “Precisamos
falar em lugar de fala”, encontrável na Internet). Para o mestre, assim como a
direita fez com o “politicamente correto”, de forma a desqualificar
comportamentos de respeito e consideração pelos outros, a esquerda também lança
mão de ferramentas conceituais de viés ideológico para uso na luta política e
“lugar de fala” é uma delas com destaque, pouco importando as intenções
originárias do conceito.
Em seguida, enumera
oito argumentos contra o que chama de ferramenta ideológica do “lugar de fala”.
Os mais contundentes afirmam que o “lugar de fala” é o novo fundamentalismo político,
refúgio dos dogmáticos e intolerantes; que é o lugar do “cale-se” aplicado a
todos os que não são como a gente; que é o álibi perfeito para reivindicar
monopólio de fala. Em todos os casos, acrescento eu, a posição contrária é
taxada de “fascista”.
E conclui
Wilson Gomes: o “lugar de fala” se
transformou em mais uma das formas com que a esquerda se autodevora.
Agora,
concluo eu, “lugar de fala” vai render, com o perdão da redundância, muita fala
ainda, talvez até uma nova “mãe de todas as batalhas” - Djamila Ribeiro x Wilson Gomes. De minha
parte, vou apelar para uma corruptela do termo e bradar que meu lugar de fala é aqui, no coletiva.net.
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