terça-feira, 20 de outubro de 2020

Meu lugar de fala

* Publicado em 19/10/2020 em coletiva.net

Sempre pensei que lugar de fala era a tribuna, o púlpito, a mesa de bar ou em frente ao microfone. Agora descubro que é um conceito que confere autoridade e legitimidade a uma pessoa para discorrer sobre sua condição social por pertencer a um grupo, seja étnico, de gênero, religioso, político e tantos outros representativos de minorias.  O conceito é sociológico e, se aprofundarmos as explicações sobre ele, vamos adentrar num cipoal de termos acadêmicos, daqueles que adornam e dão status às teses de mestrado.

No Brasil, o termo foi popularizado graças a filósofa Djamila Ribeiro, autora do livro “O que é lugar de fala?”  Desde então,  tem sido muito usado por militantes feministas e dos movimentos sociais em geral, mas está chegando com força nas mídias tradicionais, adotado por comunicadores que querem parecer moderninhos.

“Lugar de fala” é, sobretudo,  uma expressão sob medida para o pessoal do campo de esquerda, só que é entre setores menos dogmáticos dessa mesma esquerda que constato nas redes sociais muitas críticas a quem usa o termo como argumento na falta de outros argumentos. A crítica é que se  tornou a um instrumento de exclusão de quem não é representativo de determinado tema, restringindo o diálogo e o debate.  Alegar “lugar de fala” conferiria uma superioridade moral e intelectual sobre as demais pessoas. É mais ou menos como dizer “você não é gordo, portanto não pode falar sobre obesidade comigo que sou gordo”, atacando a pessoa que está argumentando em vez de atacar o argumento que ela está usando.

O tema é muito sensível nestes tempos de polarização em todas as questões. Por isso, com o legítimo receio de ser rotulado de reacionário, vou me valer do artigo do doutor em Filosofia Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia, para reforçar o uso inadequado e radical do “lugar de fala” (o artigo é “Precisamos falar em lugar de fala”, encontrável na Internet). Para o mestre, assim como a direita fez com o “politicamente correto”, de forma a desqualificar comportamentos de respeito e consideração pelos outros, a esquerda também lança mão de ferramentas conceituais de viés ideológico para uso na luta política e “lugar de fala” é uma delas com destaque, pouco importando as intenções originárias do conceito.

Em seguida, enumera oito argumentos contra o que chama de ferramenta ideológica do “lugar de fala”. Os mais contundentes afirmam que o “lugar de fala” é o novo fundamentalismo político, refúgio dos dogmáticos e intolerantes; que é o lugar do “cale-se” aplicado a todos os que não são como a gente; que é o álibi perfeito para reivindicar monopólio de fala. Em todos os casos, acrescento eu, a posição contrária é taxada de “fascista”.

E conclui Wilson Gomes:  o “lugar de fala” se transformou em mais uma das formas com que a esquerda se autodevora.

Agora, concluo eu, “lugar de fala” vai render, com o perdão da redundância, muita fala ainda, talvez até uma nova “mãe de todas as batalhas” -  Djamila Ribeiro x Wilson Gomes. De minha parte, vou apelar para uma corruptela do termo e  bradar que meu lugar de fala é aqui, no coletiva.net.

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