segunda-feira, 30 de março de 2020

Resgatando Malba Tahan e Chico Buarque


*Publicado nesta data em coletiva.net
Os árabes são pródigos  em lendas, contos e mil historias sem fim, mas uma delas é clássica e muito apropriada para enfrentar as aflições destes tempos covidianos.  É a lenda Iazul, que Malba Tahan, pseudônimo do  matemático e escritor brasileiro Júlio Cezar de Melo e Souza (1895-1974), se encarregou de difundir  entre nós, junto com variadas e coloridas  histórias ambientadas no mundo árabe.

A lenda dá conta que um generoso e bravo príncipe da Pérsia (o Irã de hoje), certo dia, após as preces matinais, convoca urgente o sábio da corte,  cuja nobre função (toda a adjetivação fica por conta de Malba Tahan) era orientar as decisões do monarca, além de esclarecer as dúvidas dele. O que preocupava  o príncipe era o conteúdo de um pequeno cofre que acabara de receber: um anel de ouro, que pertencera a um potentado de  Candahar.

Ao examinar o anel o conselheiro desvendou o enigma da peça: no rico escudo em forma de tâmara, entre dois pequenos  brilhantes,  aparecia talhada a palavra  Iazul. Entretanto, o Emir ainda se consumia em dúvidas diante da revelação, ao que o sábio se apressou  em explicar, como conta Malba Tahan:

- Iazul é uma palavra mágica (...). Asseguro que é a palavra mais expressiva e eloquente entre todas as que figuram no riquíssimo vocabulário persa. (...). Tem o dom de nos tornar alegres, quando estamos tristes, e de moderar as nossas alegrias, nos momentos de extrema felicidade e ventura.]

E prosseguiu, desfazendo de vez o mistério, uma vez que o príncipe já estava p da cara, querendo saber logo o significado da palavra:]

- Iazul significa, apenas...Isso passa! Ou ainda: Tudo passa! Quando o homem atravessa períodos de felicidade, de alegria cor-de-rosa, de sorte e tranquilidade, deve pensar no futuro e ser comedido em suas expansões, sóbrio em suas atividades. Convém que o afortunado não esqueça: Iazul! (Isso passa!). Há ocasiões, porém, em que nos sentimos anavalhados pelos sofrimentos, pelas enfermidades, feridos pelas desgraças, caminhando sob a nuvem da má sorte, da ruína e atingidos pelos golpes imprevistos do infortúnio. Para que o ânimo volte ao nosso espírito, proferimos, cheios de fé, fortalecidos de esperanças: Iazul! (Isso passa!).

E concluiu, após breve pausa dramática e para alívio do príncipe que não estava com muita paciência para a verborragia do conselheiro.

- Sim, tudo passa! Virão dias melhores, dias calmos, dias felizes; a prosperidade e a boa sorte voltarão a iluminar a nossa jornada; a saúde será reconquistada; a serenidade procurará pouso em nosso atribulado coração!

Claro que o talentoso e prolifico Malba Tahan conta as lendas e delas tira lições para a vida com uma maestria que este colunista bissexto não consegue alcançar.

Ao colunista só restar acrescentar, depois de abrir sua caixinha:

- Para os que se cuidarem e cuidarem dos outros, vai passar!

E se precisarem de trilha sonora para este período, nada melhor do que a antológica Vai Passar, de Chico Buarque:

Num tempo
Página infeliz da nossa
história
Passagem desbotada na
memória
Das nossas novas
gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão
distraída
Sem perceber que era
subtraída
Em tenebrosas
transações
(...)
E um dia, afinal
Tinham direito a uma
alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)


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