segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O Toco


* Publicado nesta data em coletiva.net

Toco é uma gíria  jornalística  exclusiva do Rio Grande do Sul. Pelo menos não encontrei qualquer citação em outros estados, a não ser com sentido diferente do que utilizamos. Aqui, Toco (em caixa alta inicial porque se trata de uma instituição) representa uma benesse materializada em presentes ou convites para jantares e almoços das fontes em troca de tratamento positivo nas matérias. O toco deles (em caixa baixa porque é um mero  substantivo) é usado com acepção de rasteira ou constrangimento  à fonte ou desta ao jornalista, quase com o sentido de golpe baixo.

A verdade é que já não se pratica Toco como antigamente, quando o período de fim de ano era celebrado com mimos de grande valor. Hoje, até panetone está rareando. O jornalismo se profissionalizou - o Toco era herança de um tempo em que a profissão era um bico, subemprego e os modestos ganhos complementados com pixulés por fora.  Desconheço porque a pratica foi denominada Toco, talvez  porque seja coisa pequena, uma rebarba qualquer.
A chamada grande imprensa implantou normas  rígidas em relação à  questão, vedando o   Toco de qualquer natureza para seus ´profissionais.  Outras empresas, menos estruturadas, fazem vistas grossas  ou até estimulam a prática, permitindo o PF (por fora) já que  não podem pagar  salários mais dignos

E tem o Toco empresarial, conhecido como Pauta 500. Vou ficar devendo, também neste caso, o que o 500 tem a ver com a matéria de interesse da fonte e  do  veículo e merecedora de tratamento especial na edição. Talvez o Fernando Albrecht, por antiguidade, saiba informar. A verdade é que a Pauta 500 está disseminada, em forma de matérias e programas direcionados para determinado produto, serviço ou empresa, às vezes transmitidos diretamente da própria empresa com as inevitáveis entrevistas dos dirigentes delas.

O mais novo formato  de Pauta 500, verdadeiro Toco institucionalizado, atende pelo nome de branded content, traduzido por “conteúdo de marca”. É quando determinada  marca passa a ser associada com informação  ou entretenimento e publicado dessa forma, iludindo o respeitável público. A maioria dos  veículos montou estruturas para atender a essa demanda de publicidade mascarada  de jornalismo. A “inovação” atingiu tal proporção que dias atrás flagraram até o Pedro Bial fazendo entrevistas vendidas no  seu programa da Globo, no caso  para a Ambev e a Natura.
Então, vamos deixar de hipocrisia  e parar de tratar como escândalo episódios como o que envolveu recentemente o ex-âncora do Jornal Hoje, da Rede Globo. Donny de Nucci, estrela ascendente no jornalismo da emissora, foi obrigado a se demitir após  a revelação de que faturou R$ 7 milhões fazendo assessoria e vídeos de treinamento para uma subsidiária do Bradesco. O trabalho foi interno, realizado por meio da  empresa do jornalista, mas De Nucci teria  violado o código  de ética da firma, especialmente por  não  comunicar à instâncias superiores as suas atividades extra-Globo. A partir do caso, a Globo decidiu fazer um pente fino entre os seus profissionais e reforçar seu código de conduta. Consta que gente de peso  como a apresentadora  do Jornal Nacional, Renata Vasconcellos, também estava emprestando seu prestígio para faturar algo mais no mercado.
Como na peça shakespereana  é “muito barulho por nada”. Na verdade, as empresas detestam concorrência, ainda mais de seus funcionários quando eles tem acesso a ganhos de eventuais patrocinadores, considerado um desvio inconveniente das verbas que  deveriam ir para os planos de comercialização dos veículos. É tudo business!  Às favas, os códigos!


Nenhum comentário:

Postar um comentário