* Publicado nesta data em coletiva.net
Um dos meus textos
preferidos e até por isso foi escolhido para o primeiro livro que produzi, leva o título maroto de “O Homem que amava
panturrilhas”. O texto é de 2012 e, para resumir, debocha de um amigo que, ao
relatar na mesa da confraria um encontro
casual com jovem e atraente
apresentadora de TV, sentenciou:
- Ela é bonita,
mas a panturrilha...
E passou a discorrer com naturalidade, entusiasmo e
riqueza de detalhes sobre seu fetiche em relação à popular batata da perna
na versão feminina. “Amava panturrilhas
bem torneadas, sem muita musculatura, mas firmes o suficiente para resistir aos
afagos mais enérgicos e merecidos”,
lembro de ter escrito na ocasião sobre o episódio. Só que a moça da TV
ficava devendo aos ideais panturrilheiros do nosso amigo. Em outras
palavras, a panturrilha dela não dava caldo.
O caso era motivo
de chacota, eis que foi revelado numa mesa de gente chegada a uma bandalheira.
Depois virou folclore e o confrade, a cada encontro, era fustigado sempre com a
mesma indagação:
- E aí, tem
desfrutado de muitas panturrilhas?
Como socializei o
episódio no blog ViaDutra e depois no livro Crônicas da Mesa ao Lado,
desenvolvi um complexo de culpa em relação ao companheiro. Mais culpado me senti quando deparei no caderno
Vida de Zero Hora (edição de 3 e 4/08/2019) uma página inteira encimada pelo
título “Panturrilha, o segundo coração”, com direito a uma ilustração dos
referidos músculos destacados em vermelho. E a explicação: a panturrilha exerce a nobre e vital função
de levar o sangue de volta ao centro do
corpo humano, daí o apelido de segundo coração. A matéria, bem embasada
cientificamente, revela como se dá todo
o processo, mas vou parar por aqui no
detalhamento enquanto tento me penitenciar por ter fomentado o deboche a um
parceiro que, pela devoção a uma parte importante da musculatura corporal com
seu parentesco coronário, mostrou-se, na verdade, um romântico merecedor de
respeito e consideração.
O coração é um dos símbolos do
amor e se a panturrilha é o segundo coração, significa, então, que também
ganha status de símbolo amoroso. Temo
que essa especulação se espalhe e prevejo uma onda de declarações românticas,
utilizando os músculos em baboseiras do tipo “quando estou contigo
minhas panturrilhas aceleram o sangue para o outro coração...”. ou filosofadas clichês
tipo “a panturrilha tem razões que a
própria razão desconhece.”
Em seguida, o
doutor Dráuzio Varella vai ganhar um
quadro no Fantástico para tratar do tema e advertir para os perigos de forçar as panturrilhas pelo lado cardioamoroso.
A monja Coen vai percorrer o país palestrando sobre a influência da panturrilha
para o ser zen. Logo vai ser criado o
neologismo panturrilhar e aí ninguém mais segura a ascensão do segundo coração
rumo ao primeiro lugar coronário. Nas redes sociais se ferirão grandes embates
entre os prós e os contras o destaque dado às panturrilhas enquanto coração.
O mais intrigante
é que a moçoila da TV, jovem e atraente, sequer imaginará que tudo começou com
sua panturrilha que não dá um caldo,
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