segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Mania bem brasileira


*Publicado no Coletiva.net em 10/09/2018

Conheci o CEO de uma importante empresa que mantinha um relacionamento em paralelo com a vistosa assistente dele. Ao ser questionado sobre as implicações do caso, aliás, de conhecimento geral, saiu-se com essa justificativa:

-  Ela transa é com a instituição , - dando a entender que a moça oferecia  seus favores sexuais  mais à pessoa jurídica  que ele representava do que à pessoa física. Era uma alpinista social,  se bem que  a pejotização sexual já não é mais novidade nos ambientes corporativos.

Desde então o bilao (também apelo para os apelidos, de vez  em quando) do referido CEO  ficou conhecido  como “ a instituição”. O  código logo passou a ser compartilhado por outros diretores, também bandalhos,  da instituição, digo, da empresa, nos seus relacionamentos extraconjugais.

É  bem brasileira essa mania de usar eufemismos e epelidos ou mesmo expressões tidas como sofisticadas para tudo e  para todos. Gourmetizaram a linguagem muito além do natural dinamismo da língua. Isso ocorre sobretudo na imprensa esportiva. Cada vez mais observo o uso de termos que no meu tempo de  aplicado repórter setorista  soariam como pedantes. As entrevistas do técnico Tite na Copa eram recheadas dessa gourmetização e até hoje estou tentando descobrir, por exemplo,   o que é, do que se alimenta e onde habita o tal “externo”. Acredito que  seja o antigo ponta, mas vá  saber!

A reportalhada acaba adotando os  termos e de tanto repetirem,  eles, os termos,  se incorporam ao linguajar do dia a dia. Um exemplo clássico é o tal “desconforto muscular”, que ouço num programa esportivo sim, noutro  também. Não resisto novamente a cotejar com a  forma que usávamos no passado, quando existiam duas gradações de lesões musculares, dependendo da quantidade de fibras rompidas: a distensão, que era um problema sério e sua versão menos grave, o estiramento.  Todo o resto era contusão.

E as novas funções nas comissões técnicas, que fazem a alegria dos  cronistas mais eruditos? Eles adoram falar na importância dos fisiologistas ou dos  analistas  de desempenho, símbolos da modernidade do futebol. Bandeirinha virou “assistente” e aqueles auxiliares  que ficam atrás  do gol  atendem pelo pomposo título de “adicionais”, embora para estes eu prefira a definição do  Pedro Ernesto Denardin, que batizou os sujeitos de samambaia – apenas enfeitam o ambiente.  Já o antigo marrecão agora é  gandula e os aspirantes do passado  se transformaram no “time alternativo”.  Gourmetizaram as funções no futebol! Suspeito, mas não tenho certeza, de que seja mais um efeito do politicamente correto.

Pode parecer conservadorismo, mas ainda prefiro simplicidade nas terminologias, nas definições e nas explicações, para que  sejam mais substantivas e menos adjetivadas. Isso me remete a resposta de um conceituado escritor ao cronista estreante, sedento de elogios e falsamente modesto, que pediu uma “critica severa” sobre seus textos.

- Um influente  líder  politico brasileiro, de minhas relações,   considerava sem sentido quando alguma autoridade anunciava que ia instaurar “um rigoroso” inquérito. Para ele o inquérito  devia ser apenas um inquérito, isento e sério.  O rigor  não caberia.

E completou, direto ao ponto, num exemplo de como  uma única palavra muda tudo:

- Posso te assegurar que vou seguir a linha dele e fazer uma crítica sincera, pois severo não combina muito comigo...

Pois é, severo e sincero rimam, mas não combinam. Até concordo em latitude e longitude   com a assertiva, mas conhecendo a natureza humana e a qualidade dos textos em análise, acredito que o tal cronista  preferiria a  forma do elogio fácil.  Afinal, um pouco de cinismo nunca fez mal a ninguém.


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