quinta-feira, 29 de março de 2018

Novos templos do prazer


Encontro outro dileto amigo de antigos carnavais, o Getúlio, e antes mesmo de trocarmos um cumprimento afetuoso, ele dispara:

- Não concordo que o verdadeiro prazer esteja na mesa.

Getúlio referia-se a crônica Prazer Verdadeiro (https://viadutras.blogspot.com.br/2018/03/prazer-verdadeiro.html) onde relato a posição do nosso comum amigo Ernesto, segundo a qual a boa gastronomia acompanhada de vinhos qualificados substituíra, no caso dele com vantagem, os prazeres da cama.

- Olha, eu até não concordo com o Ernesto...- tentei explicar.

- É, mas está dando trânsito a essa bobagem.  O Ernesto não pode ser levado a sério, sempre foi meio fora da casinha.

Confesso que estranhei o uso da expressão “fora da casinha” pelo Getúlio, ele sempre tão formal, mesmo quando se exalta.  O estranhamento foi sucedido por uma declaração surpresa, naquele já inusitado encontro:

- A verdade verdadeira, meu caro,  é que os melhores prazeres hoje em dia se encontram na farmácia!

- Na farmácia?!!! – indaguei,  peremptório como um Tarso Genro, e com direito a três pontos de exclamação que pareciam se materializar na fala, tal foi o impacto que me causou a declaração do amigo.

- Sim, e é essa nova onda de prazer que justifica a profusão de farmácias espalhadas pela cidade, às vezes com mais de uma a cada quadra.  São os templos onde se acha a cura para os sofrimentos da alma e do corpo, - filosofou o Getúlio.

Nessa altura da conversa fui obrigado a refletir sobre a questão e lembrei de vários amigos que frequentam com assiduidade as farmácias em busca das panaceias que, acreditam, podem solucionar seus males.  Esses fiéis consumidores  compõem a irmandade conhecida como Os Hipocondríacos, que cresce assustadoramente  nos estressantes tempos atuais.

Um desses devotos, também amigo de longa data, é conhecido por perguntar às atendentes na farmácia próxima da sua casa: “Chegou alguma novidade?”. E em seguida começa a enumerar seus males, reais ou imaginários, e insiste nas perguntas:  “O que temos de novo para hipertireoidismo? E para a insônia? ”  Como é cliente vip, recebe tratamento atencioso e personalizado das mocinhas da farmácia. É tão bem informado sobre os medicamentos que tornou-se consultor de uma confraria de hipocondríacos e só não prescreve receitas porque seria uma ilegalidade, mas fala com autoridade de especialista sobre os princípios ativos de cada droga, dosagem, efeitos colaterais, contra indicações e tudo o que consta nas bulas dos medicamentos.  Quando insinuam que ele é viciado em remédios contesta com veemência:  “Tomo os mesmos remédios há mais de 30 anos e nunca me viciei...”

Getúlio interrompeu minhas ruminações, intervindo com um novo argumento para reforçar sua posição:

- Tenho questionado companheiros da nossa faixa etária e todos eles usam pelo menos três remédios, outros quatro, outros cinco e por aí vai. É remédio para a hipertensão, colesterol...-  e passa a enumerar a farmacopeia disponível para os de 50 ou mais. “ Isso sem contar aquela pílula azul, capaz de proporcionar grandes e duradouros prazeres”, acrescenta.

Pois é, sou obrigado a concordar com a quantidade de remédios que nos receitam depois de certa idade. Também sou vitima desse processo, que me  consome uma boa grana todos os meses, mas dai a sentir prazer em frequentar farmácias não é o meu caso, ao contrário.  Já para o Getúlio é como se fosse uma ida ao supermercado, como deixou claro na despedida:

-Agora, caríssimo,  me dá licença que preciso fazer meu ranchinho de remédios para esta semana.

Fez uma  pausa e completou faceiro:

- O que mais precisa um ser humano para ser feliz?

Acho que  está na hora de selecionar melhor minhas amizades.


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