domingo, 18 de julho de 2010

A última edição

O JB nos tempos difíceis


Sou tão antigo que fui estagiário, no início da década de 70, do Diário de Noticias, o jornal dos Associados de Assis Chateaubriand em Porto Alegre. A redação ficava num prédio velho na Rua São Pedro e as mesas, cadeiras, máquinas de escrever e listas telefônicas eram itens muito disputados no final da tarde, quando começava o fechamento da edição. A briga pelas listas telefônicas se explica: as mesas eram muito altas e para chegar a altura da máquina de escrever havia necessidade de acrescer um suporte.

Estagiei na editoria de polícia, constituída do estagiário e um editor. Saia com o jipão azul para o Palácio da Polícia e voltava no fim da tarde com um repertório dos pequenos e grandes dramas da cidade. Certa tarde, afoito e deslumbrado como a maioria dos estagiários, decidi acompanhar até o último andar do prédio um grupo de jovens barbudinhos que acabava de chegar escoltado. No andar, funcionava o temido Dops e ao me apresentar e perguntar porque os jovens estavam detidos, levei um corridão e me fui escada abaixo tratar de assuntos menos perigosos. O que teria acontecido com os barbudinhos? Até hoje não sei que destino tiveram, mas ainda lembro aquelas fisionomias derrotadas à caminho provavelmente da tortura.

Trabalhei por um mês no Diário e não vi a cor do dinheiro. Pudera, o jornal atrasava o pagamento dos funcionários por que pagaria um estagiário? Poucos anos depois dessa minha primeira experiência jornalística, o Diário tirou sua última edição. Foi um baque para mim – o primeiro estágio a gente nunca esquece - , embora o jornal estivesse decadente há bastante tempo. (Celito de Grandi fez um ótimo livro sobre a trajetória do jornal em “Diario de Notícias”, editado pela L&PM)

Mais tarde, já profissionalizado, trabalhei duas vezes na Folha da Tarde, a primeira como repórter e depois como um dos editores (redatores, na nomenclatura do jornal). O ambiente da Folha era ótimo, apesar da permanente disputa com a Folhinha (a Folha da Manhã) que nascera a partir da própria FT, levando alguns dos seus melhores talentos. A Folha da Tarde acabou sucumbindo na esteira da crise da Caldas Junior, mas bem antes já dava sinais de esgotamento do seu projeto em função de que não havia mais espaço para os jornais vespertinos.

A minha primeira experiência como editor foi no Jornal do Inter, um projeto independente da Coojornal. Andei cometendo textos também para a edição regional do Pasquim. Tanto um como o outro periódico não sobreviveram.

Que fique claro que não existe qualquer relação de causa e efeito entre a minha passagem por esses jornais e o posterior encerramento de suas atividades. Foi mera e infeliz coincidência, mas cada redação que se fecha macula o sonho e rebaixa a fé dos que fazem do Jornalismo sua vocação, mais do que uma profissão. Também não cabe aprofundar as causas, nestes tempos de internet, que levaram os jornais a perderem espaços e leitores, alguns deles para sempre.

Faço, porém, essas evocações, com um tanto de melancolia, ao receber a informação do fechamento de mais um grande jornal nacional, grandeza proposta até no nome – Jornal do Brasil. E me permito reproduzir o artigo de Ricardo Kotscho, que expressa bem o sentimento de perda que representa para todos nós o fim de uma era no jornalismo brasileiro.

Anunciada a morte do Jornal do Brasil

Só falta marcar a data da morte, aos 119 anos, do melhor jornal em que já trabalhei na vida, um símbolo da imprensa brasileira.

Ainda esta semana, Nelson Tanure, o atual dono da marca, vai anunciar o dia em que deixará de circular o Jornal do Brasil, um dos mais antigos, revolucionários e respeitados veículos já publicados no país. Fosse uma pessoa, era o caso de dizer como antigamente: trata-se de uma perda irreparável.

O necrológio já havia sido muito bem escrito pelo colega Carlos Brickmann, semana passada, em sua coluna no Observatório da Imprensa. Agora, quem anunciou oficialmente o desenlace, em sua edição desta terça-feira, por ironia do destino, foi justamente O Globo, outrora principal concorrente do Jornal do Brasil.

Trabalhei por três temporadas no JB, primeiro como seu correspondente na Europa, na década de 1970, e depois na sucursal paulsita, nos anos 80/90.

Para se ter uma idéia da fôrça e do prestígio deste jornal, quando fui contratado por Dorrit Harazim para ser seu correspondente na então Alemanha Ocidental, ela me alertou para a responsabilidade: “Você vai ser um dos nossos embaixadores na Europa”.

No elegante restaurante da diretoria, onde fui convidado a almoçar para ser apresentado aos meus novos chefes, estava todo mundo de terno e havia tantos copos e talheres à minha frente que não sabia nem por onde começar _ ainda mais depois da advertência da Dorrit, a chefe dos correspondente internacionais do jornal.

De roupa esporte, me senti um verdadeiro caipira sentado à mesa da rainha da Inglaterra. Meses depois, participaria com Dorrit de uma reunião dos correspondentes do JB na Europa, mais de dez na época, convocada para um grande hotel de Paris _ vejam que chique…

O JB nesta época ainda reunia a seleção brasileira da imprensa. Não havia limite de despesas para se fazer uma reportagem. O grande sonho de todo jornalista era trabalhar lá um dia. Tinha vários craques em cada editoria, e ouso afirmar que nunca mais se montou uma redação daquela qualidade.

Não vou me meter a elencar os nomes, como fez o robusto Carlinhos em sua coluna, “O circo da notícia”, porque eram tantas as estrelas que não vou me lembrar de todos os mestres com quem convivi. Basta lembrar, por exemplo, que fui colega de Walter Fontoura, Elio Gaspari e Zuenir Ventura.

O que mais me fascinava no Jornal do Brasil era o ameno ambiente de trabalho e a absoluta independência editorial. Para se ter uma idéia, a dona era uma condessa, a condessa Pereira Carneiro, e o diretor, um lorde, o seu genro Nascimento Brito.

Nunca os vi de perto e jamais recebi uma “ordem da diretoria” para fazer ou deixar de fazer determinada matéria. Mais tarde, as coisas mudariam, e o jornal entraria numa crise financeira e editorias que o levaria à decadência até ser arrendado para o empresário Nelson Tanure, em 2001. Começava ali a sua agonia. Em 2009, Tanure já havia levado à morte outro grande jornal, a Gazeta Mercantil.

Teria mil histórias a contar sobre o meu trabalho no JB, que não cabem num blog, mas podem ser encontradas no meu livro de memórias “Do Golpe ao Planalto _ Uma vida de repórter”, da Companhia das Letras.

Ao ver a notícia do falecimento esta manhã, fiquei muito triste. Foi como se estivessem apagando da paisagem e levando embora para sempre o lugar onde passei a melhor fase da minha já longa vida profissional.

Restavam lá trabalhando apenas 60 jornalistas, a circulação vinha minguando abaixo dos 20 mil exemplares, o jornal já tinha encolhido de tamanho e muitos dos seus antigos craques hoje podem ser encontrados nas páginas de O Globo. A imprensa brasileira deveria decretar três dias de luto.
* Por Ricado Kotscho em seu blog.

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