*Publicado nesta data em Coletiva.net
- Só falta falar, - exclamei,
maravilhado com o relógio cheio de funções, um dos mimos recebidos pelos meus
7.5.
- Mas ele fala, porque
recebe ligações do celular,- esclareceu meu filho Rafael, doador do complexo
registrador do tempo e algo mais.
Sou do tempo em que os
relógios marcavam as horas, os minutos e os segundos e, no máximo, o dia da
semana. A gente precisava dar corda para ele não desregular e de vez em quando
acertar os ponteiros, literalmente.
Já cursei um MBA de
comunicação digital, mas continuo analógico, ou imigrante digital para ficar na
terminologia dos geeks (agora já estou me exibindo), por isso sou obrigado a
confessar minhas limitações no mundo digital, onde se insere o mimo recebido.
Entretanto, não me rendi à
barreira tecnológica, ao contrário, me senti desafiado a decifrar os meandros
do relógio, que parecia desdenhar da minha inabilidade e incompreensão para o funcionamento dele. Sim,
só podia ser desdém a mensagem que passei a receber dele quando participava de
reuniões, algo como “muito tempo sentado, está na hora de se movimentar”.
Resiliente diante da
situação, fui ao manual na tentativa de expandir meus conhecimentos. Inútil
tentativa: as letras eram tão pequenas e em idiomas que não domino - sânscrito,
cirílico, aramaico? -, que acabei desistindo. Mais tarde, acabei descobrindo
que se tratava do certificado de garantia da peça. Descobri também que essas
modernidades não vêm mais acompanhadas daquela cartelinha com as instruções
sobre o uso, que devem ser procuradas num app ou no site do fabricante,
aumentando as dificuldades para os imigrantes digitais, também conhecidos como analfabetos
digitais.
Apelei novamente ao meu
filho, que fez a conexão do relógio com o celular para um dispositivo de saúde,
que controla a pressão, batidas do coração, registro de exercícios e até bem
estar emocional e o resultado é que agora estou sem saber acessar as funções
tanto no relógio como no celular.
Por fim, entreguei os pontos
e passei a usar os ditos cujos nas suas funções originais, porque constatei que
o relógio e celular ficaram mais inteligentes e eu menos,
Depois de todos os
fracassos nas empreitadas com o relógio-mimo, fui verificar a origem do
enigmático equipamento e não deu outra: Made in China. Ou seja, os chineses não
satisfeitos em terem o amplo domínio da Inteligência Artificial, partiram para
a perversa humilhação aos pobres mortais que utilizam suas quinquilharias. Provavelmente
estão registrando todos os meus dados para alguma ação malévola no futuro. Ou
me confundirem com o Trump para alguma retaliação aos tarifaços. Chamaria isso
de assédio digital, a merecer repúdio e penalidades das outras lideranças mundiais.
Aos familiares, um apelo:
não me presenteiem mais com essas gerigonças; voltem aos vinhos, aos pijamas e
às camisas azuis.
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