* Publicado nesta data em coletiva.net
Na semana passada comemorou-se 30 anos da
implantação do Plano Real. Comemorou-se é um termo justo pelo que representou
para todos os brasileiros os efeitos do Plano, sendo o principal deles a
contenção da disparada da inflação. Só
quem viveu o período de desvalorização, dia a dia, da moeda e dos nossos ganhos para avaliar os
benefícios do advento do Real. Tratei da questão num texto de 2009, que, por
oportuno, continua valendo e reproduzo a seguir.
Jornalista tem mania de guardar papéis,
recortes de jornal, contas pagas, documentos e similares, na esperança de que
um dia vai organizar tudo e que aquele manancial terá alguma utilidade. Ledo
engano. A papelada acumulada serve apenas para atrair poeira, mofo e traças.
A importância que determinado documento tinha há 15 ou 20 anos se diluiu no
tempo e o artigo de jornal que causou tanta polêmica perdeu seu valor. Com os
recursos digitais nem faz mais sentido manter um arquivo físico nos moldes
antigos.
Pois, semana passada decidi enfrentar o desafio de vasculhar meus guardados
para uma sessão de descarte e encontrei verdadeiras preciosidades. Descobri,
por exemplo, que já fui milionário. A descoberta se deu quando encontrei a
declaração de renda de 1985, atestando que eu recebi naquele ano a fortuna de
60 milhões, 286 mil cruzeiros, o que representava, em média, um salário de mais
de 4 milhões e 600 mil por mês. Uma Mega Sena acumulada! Só o Imposto de Renda
me mordeu em mais de 6 milhões e 700 mil retidos na fonte e ajudei a diminuir o
déficit da Previdência contribuindo com 5 milhões e 400 mil.
E havia ainda a confusão com a troca de moedas. Em 1988, por exemplo, pagava 15
mil cruzados de mensalidade na creche de um dos filhos e, no ano seguinte, 29
mil cruzados novos para outro, numa escola particular. Uma verdadeira fortuna.
Devo ter empobrecido com o passar dos anos, pois em 1991 recebi míseros 5
milhões, 279 mil cruzeiros. No ano seguinte fui obrigado, inclusive, a vender
um Passat, ano 78, por 2 milhões e 700 mil cruzeiros. Era dura a vida de
milionário naqueles tempos de inflação galopante.
O poder aquisitivo ficava corroído da noite para o dia. A moeda ganhava novo
nome a cada plano econômico, mas a desejada estabilidade durava pouco tempo ou
era mantida artificialmente. Os preços eram remarcados todos os dias e o valor
de hoje já não vigorava no dia seguinte. O overnight, uma aplicação
bancária corrente na época, dava alguma proteção aos nossos ganhos e fez a
fortuna de muitos espertalhões. Para se ter uma ideia de como funcionavam as
contas públicas, o governo Collares (1990-94) se financiou graças à inflação
alta: era só atrasar, sem correção monetária, o pagamento aos fornecedores por
um mês ou pedalar o aumento do funcionalismo e o caixa estava garantido.
A empresa onde trabalhava na época decidiu, para preservar minimamente o poder
aquisitivo dos funcionários, pagar os salários a cada 15 dias e depois
semanalmente. Um expediente comum era o cheque pré-datado que permitia algum
fôlego às finanças pessoais. Era comum também o pedido de antecipação de parte
do 13º salário, porque o montante no final do ano, com a correção monetária,
ficava recomposto e ainda garantia-se um plus nos ganhos.
E assim sobrevivíamos quase numa boa, acostumados à espiral inflacionária,
consumindo um pouco aqui um pouco ali, administrando as contas, fazendo
ginástica com os salários e até planos para o futuros, na certeza de que mais
dia menos dia nossa moeda deixaria de nos envergonhar.
Então, em 1994 veio o Plano Real. E eu que estava cobrindo a Copa do Mundo nos
Estados Unidos acabei não sofrendo o primeiro impacto do novo plano. As
informações vindas do Brasil davam conta que, depois de sucessivos planos
econômicos malsucedidos, havia uma justificada desconfiança da população.
De volta á terrinha, a primeira coisa que fiz ao chegar no Galeão foi trocar
dólares por reais e aí tomei contato com aquelas notas feias, diferentes uma
das outras, eu que estava quase americanizado depois de 55 dias nos EUA,
pagando e recebendo em verdinhas. Economizei uma boa grana em dólares naquela
viagem, mas mesmo assim não levei vantagem porque no início do Plano Real o
dólar valia tanto quanto a nova moeda brasileira. Era 1 por 1.
E lá se foi mais uma chance de reiniciar a vida de milionário. Fiquei curtindo
essa frustração até que descobri no site da Fundação de Economia e Estatística
(www.fee.tche.br) um programa que converte os valores monetários,
atualizando-os no tempo. E constatei que a minha condição de milionário no
passado era pura ilusão, fruto da mágica operada nas trocas de moedas, que
perdiam zeros para passar a impressão de que o nosso dinheiro se fortificava.
Os mais de 60 milhões que recebi em 1985, na verdade, equivaleriam hoje a pouco
mais de 57 mil reais, ou 4,3 mil reais/mês, um salário nada desprezível. Os 5,2
milhões de 1991 seriam, em valores atuais, cerca de 30 mil reais. O Passat que
vendi por 2,7 milhões em 1992 valeria hoje, só para efeito de exercício
financeiro, uns 6,7 mil reais. A mensalidade da creche que custava 15 mil cruzados
ficaria por 194 reais e a escola que cobrava 29 mil cruzados novos receberia
hoje, se os proprietários não fossem gananciosos, exatos 208 reais.
Como se observa, nem precisa ser versado em macroeconomia para constatar a
equivalência nos valores entre um período e outro, o que me leva a outra
constatação: havia muito de efeito psicológico na tal de inflação. Mesmo assim,
não sinto saudades daquele tempo. Prefiro a estabilidade de agora que me
assegura um amanhã sem sobressaltos.
Para se ter uma ideia do que já enfrentamos em termos de mudanças de padrão
monetário, de 1967 a 94 foram sete
planos, ou quase uma mudança a cada quatro anos. Do Cruzeiro de 1942, passamos
ao Cruzeiro Novo (1967), Cruzeiro novamente (1970), Cruzado (1986), Cruzado
Novo (1989), Cruzeiro de volta (1990), Cruzeiro Real (1993) e Real (1994) e,
ainda, a moeda de transição URV adotada
no início do Plano.
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