segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Terceira infância

*Publicado em coletiva.net em 13/12

Fico encantado cada vez que passo, nas minhas caminhadas de fim de semana, pelo espaço no Calçadão de Ipanema onde se reúne a tribo dos aeromodelistas. Confesso que diminuo o passo e aguço a audição para acompanhar os diálogos sobre as pequenas aeronaves, civis e militares, que aterrissam naquele espaço à beira do Guaíba e que em seguida estarão fazendo acrobacias e zumbindo pra lá e pra cá, manejadas à distância por seus  pilotos em terra e acompanhadas com interesse e entusiasmo  pelos parceiros e os passantes. Poderia ser brincadeira de criança, mas não há criança entre os aeromodelistas, apenas senhores de meia idade ou mais, com muitas horas de voo dos seus pequenos pássaros motorizados.

O fascínio por esses brinquedinhos certamente remete aos melhores anos da infância, só que agora se apresentam como uma terceira infância, travestida de animados encontros de homens e suas máquinas. Nada a ver com a terceira infância do desenvolvimento das crianças, a etapa dos 10 aos 12 anos. Quem sabe não estão ali no mini campo de pouso improvisado pilotos frustrados a resgatar um sonho de guri, agora realizado em outra dimensão?  Não me animo a questioná-los a respeito porque certamente vão tomar por provocação, além de atrapalhar os preparativos para a decolagem que virá a seguir.

Também me identifico  com outra tribo da terceira infância, a dos praticantes do futebol de mesa, os botonistas. Essa identificação remonta à verdadeira infância, quando  recebi  de presente no Natal um jogo de botões panelinha  com a estrela solitária do Botafogo, para o qual comecei e torcer fervorosamente, além do Grêmio, claro. Mais adiante, passei a fazer botões de plástico derretidos em fôrmas de tampinhas, já que não tinha grana para os puxadores manufaturados de então, e usar caixas de fósforo como inconfiáveis goleiros. Hoje, sei de marmanjos que acondicionam seus times, misturando Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo, Mbappé e outros menos votados, em caixas cheias de mordomias, como talco e flanelas especiais, a fim de conservar e lustrar seus craques de acrílico.

Não me surpreenderei se barbados de todas as idades resgatarem pistas e bólidos de Autorama  e, radicalizando, no rastro dos resultados olímpicos dos jovens brasileiros, aparecerem veteranos se arriscando a tombos e fraturas no skate ou a caldos nas ondas marítimas com  novíssimas pranchas de surfe ou, ainda, piruetas em street dance. Melhor – e mais seguro -  seria se voltassem a jogar taco nas calçadas, nicar bolitas no triângulo, empinar pandorgas e acelerar em carrinhos de lomba. Isso sim é atividade raiz.

Manifestações da Síndrome de Peter Pan, decretariam os especialistas, referência ao menino, personagem  de livros e filmes, que permanece sempre criança. Permito-me contraditar, com  uma frase  atribuída à Freud: “As vezes um charuto é apenas um charuto” - e não um símbolo fálico (ele era um contumaz fumante de charutos).

As vezes, muitas vezes eu diria, uma sessão de  aeromodelismo ou uma competição de futebol de mesa  é apenas um saudável encontro entre amigos, e não uma manifestação da terceira infância, de brinquedos de gente grande.

Agora, se me derem licença, vou parar por aqui porque preciso arrumar os soldadinhos de chumbo para a defesa do meu Forte Apache. Rápido que os selvagens já estão saindo da caixinha.

 

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