segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O fenômeno Bolsonaro


* Publicado nesta data no Coletiva.net

Escrevo esta coluna antes de saber o resultado das urnas no domingo. As conclusões que seguem independem do resultado eleitoral, por isso afirmo, sem hesitar, que Jair Bolsonaro é o maior fenômeno eleitoral das últimas décadas. Um fenômeno só comparável a Donald Trump, com mérito maior do brasileiro, que não conta com a poderosa estrutura que o norte americano tinha à disposição.

Esse é  um dos pontos, entre outros,  que fazem do ex-capitão o fenômeno constatado e que surpreendeu os especialistas:  tempo reduzido no horário eleitoral, um partido  nanico, coligado a  outro nanico,  carreira e biografia nebulosas, uma campanha que beira o amadorismo, sem contar as declarações desastrosas dele e do seu vice, e o bate cabeça  dos desmentidos.  

Ao conjunto de fragilidades deve ser acrescentado mais: passou quase todo o primeiro turno hospitalizado, enfrentou acusações de toda a ordem, hostilidade de boa parte da mídia e a posição contrária de vários  segmentos, com destaque para as mulheres e o pessoal LGTB; não é um grande orador, nem faz o gênero  carismático, não tem padrinho forte como Haddad, nem ostenta experiencia administrativa como um Alckmin ou um Ciro e não tem candidatos  a governador na maioria  dos estados ( liderava com folga em 18 dos 27); não se conhece uma só proposta dele, a não ser  a de liberar armas para todos. Ou seja, Bolsonaro  tinha tudo para ser um Boulos ou um Eymael qualquer ou, pior ainda, baixar de patente e virar um Cabo Daciolo,

Pois, ainda assim a candidatura dele não só resistiu na liderança com ampliou a vantagem na campanha presidencial, superando representantes de forças políticas de peso e tradição, como PT, PSDB, MDB e todo os partidos do Centrão.

Vale esclarecer que não estou fazendo uma adesão à candidatura dele, mas sou obrigado reconhecer que ele adquiriu uma estatura que seu retrospecto político e pessoal não indicavam. Então, como explicar esse fenômeno? A resposta simplista é que a atual campanha está mais caracterizada pelo voto contra do que a favor e Bolsonaro representa, como ninguém, o sentimento antipetista.  Na realidade – e nem estou sendo original -, este Bolsonoro que aí está é cria do PT, do “nós contra eles”, da apropriação indiscriminada do Estado e da corrupção em todos os níveis, que levou seus principais líderes para  a cadeia.  Só que é uma verdade parcial, porque Alckimin é mais declaradamente antipetista, assim como Álvaro Dias e mesmo Ciro, que fustiga o PT sempre que provocado. No entanto, todos eles patinam nas pesquisas e ficaram longe dos líderes.

Bolsonaro representaria também o voto dos menos instruídos – e menos esclarecidos - e majoritariamente dos homens. Duas falácias: as pesquisas da reta final do primeiro turno mostram o crescimento da candidatura entre as mulheres, apesar do movimento EleNão – ou por causa dele – e entre os eleitores mais ricos e com melhor nível de instrução, onde já liderava. E assim a onda Bolsonaro ganhou impulso, canalizando o conservadorismo que habita, em escala crescente, entre os brasileiros.

A verdade é que nenhum candidato incorporou de maneira mais eficaz o figurino do candidato que é “contra tudo isso que está aí”, um pacote que inclui o PT e seus satélites, o governo Temer, os tucanos mais emplumados, a agitação dos movimentos sociais e a classe política em geral.  Além disso, encarna a representação de uma instituição com reconhecida credibilidade, as Forças Armadas, reforçada pela presença do general Mourão como vice, uma forma de mostrar que é o mais preparado para dar resposta à grave questão da segurança, a que mais preocupa a população. Nesse contexto, é avaliado pelos seus seguidores como o mais apto a garantir a lei e a ordem. Resiliente, as bobagens que prega soam como manifestações de sua autenticidade e reforçam a imagem do personagem que representa. Claro que cientistas políticos, sociólogos, antropólogos e analistas da mídia devem ter explicações mais científicas e aprofundadas sobre o fenômeno do que as rasas avaliações deste modesto observador de cenários.

Entretanto, firmo posição:  independente do resultado do segundo turno, Bolsonaro já  pode se considerar um vencedor nesta eleição.  O resultado final, porém, vai mostrar se ele veio para fazer história como o novo presidente da República  ou se vai ficar na memória como mais um Cacareco*, que canalizou os votos de protesto mas não se realizou como líder político de projeção.

*Cacareco era um rinoceronte do zoológico do Rio emprestado para o zoo de São Paulo que nas eleições municipais de 1959 recebeu cerca de 100 mil votos, tornando-se o ”candidato” mais votado naquela  eleição. Foi um dos casos mais famosos de voto de protesto  da história politica brasileira.

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