terça-feira, 16 de outubro de 2018

Assédio reverso


* Publicado originalmente nesta data no Coletiva.net

Sou um recontador de histórias. Ouço na mesa ao  lado, acrescento uns adjetivos  e advérbios e repasso adiante.  É o caso  a  seguir, que trata de um tema que está na ordem do dia: o repúdio ao assédio em todas  as suas formas. O relator original da situação, que classifico como escabrosa, foi meu amigo Maurício, aqui identificado com nome trocado, por razões óbvias.

Certo dia ele interrompeu   minha labuta no computador e, quase sussurrando, me revelou a enorme angustia que o atormentava. Era sobre assédio e ele se dizia a vítima.

Maurício é um quarentão bem apanhado e bem casado,  homem temente a deus e  realizado pessoal e profissionalmente. Até diria que é  uma reserva moral nestes tempos tão conturbados e contraditórios. Pois, são manifestações destes tempos que angustiam o amigo, que passou a receber mensagens pra lá de despudoradas de moças e senhoras tidas como respeitáveis.  Não uma, nem duas mensagens. Várias.  Mensagens carregadas de erotismo,  convites safados, propostas indecorosas, declarações com palavreado de fazer inveja àquele ex-presidenciável flagrado em negociações escusas na Lava Jato.   E, pasmem, mensagens ilustradas por muitos nudes, inclusive das partes pudendas.

Foi demais para o nosso amigo que, diferente do Chico Buarque em sua nova música, não está disposto a abandonar o lar para uma aventura fugaz. A perturbação  levou-o a procurar uma explicação para esse desordenamento nas relações entre homens  e mulheres.

Maurício jura que não incentiva as assediadoras, por isso ganha estatura moral para se posicionar sobre o tema. Ele entende que a falta de pudor, a ausência de valores, o vale tudo nas relações começou com o falso, segundo ele,  empoderamento das mulheres. O desabafo foi contundente:
- É esse tal empoderamento, que começou com a  queima de soutiens e chegou às peladonas em protestos. Depois que acabaram com  o namoro  só as quartas feiras, sob severa vigilância dos pais, aí liberou geral e até sexo no primeiro encontro já estão praticando. Uma pouca vergonha.

Ao ouvir a desdita do amigo confesso que também me perturbei, eu que, como ele, eleva o gênero feminino à condição de quase divindade.  Mas também fiquei ligeiramente invejoso, uma vez que só recebo mensagens masculinas, flautas futebolísticas e besteirol da política.

Parece que o Maurício leu meu pensamento e, veemente como candidato em horário eleitoral, sentenciou para a  pequena plateia  que se  formara após o desabafo dele:

- O que o nosso país está precisando mesmo é de uma reforma moral! Chega de empodredamento, - e mostrou satisfação com a corruptela que acabara de inventar.

Admito que tenho receio de concordar com as teses do Maurício para não ser alvo de caldáveis iradas que, sim, existem, embora em número reduzido. Temo ser vítima de um masculinicídio,  que seria de responsabilidade “das tais redes sociais, Tinder, Par Perfeito  e outras,  que banalizaram as relações e onde as pessoas ficam se oferecendo umas  às  outras, provocando traições e conflitos”, -  segundo denunciou o parceiro, revelando um suspeito  conhecimento sobre as redes acusadas.

A propósito, questionei outro amigo da roda  se ele frequentava Tinder e  similares  e a resposta foi pronta e direta.

- Claro que não, imagina se encontro o perfil da minha mulher ali!

Argumentei que não se preocupasse, pois, como no caso dos traídos, “são coisas que colocam na nossa cabeça”, para usar uma  besteira corrente sobre os efeitos  da infidelidade feminina.  A réplica dele foi mais surpreendente:

- O pior corno é o que quer saber.

Foi então que me recolhi a um silencio obsequioso e fui buscar guarida nas  redes sociais mais sérias para acompanhar os candentes debates entre petistas e bolsonaristas. Olha, só faltaram os nudes para ficarem tão obscenos quanto as mensagens recebidas  pelo meu  amigo. Que tempos vivemos!

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