terça-feira, 24 de outubro de 2017

Histórias Curtas do ViaDutra: Incompetências


“Todo mundo conta os copos que eu bebo, mas não vê os tombos que eu levo!”. Foi assim, recordando um dito popular, que o Ernesto começou a relatar suas desditas amorosas, ele que ganhou fama de pegador, “um autentico crush” como se auto define, forçando uma linguagem descolada. 

Ernesto exemplifica com duas situações em que sua inabilidade e o palavreado inadequado pesaram contra os finalmente de uma conquista.  No primeiro caso, de nada adiantou a insistência dele diante de uma colega de aula e depois de trabalho para que fossem além do coleguismo. E olha que não faltaram oportunidades,  inclusive viagens com a turma, quando o pessoal, de lado a lado, fica mais flexível e receptivo. A moça em questão era um belo exemplar, de estilo germânico. Valia o investimento.

Passam-se os anos e os dois voltam a trabalhar juntos, ambos casados agora, o que não impediu que o Ernesto lembrasse à moça o assédio passado e questionasse,  lastimoso: 

- Por que não deu certo?

- Porque tu eras muito incompetente nas abordagens -, fulminou a moça. 

É preciso muito fortaleza moral e grau máximo de autoestima para não sucumbir a uma sentença dessas. Só que o Ernesto é o que se pode chamar de sujeito resilente, os insucessos o realimentam e funcionam como energia vital para novas investidas. 

Também é verdade que  a maturidade não tornou ele mais competente nas suas relações com o naipe  feminino, conforme o próprio admitiu,  ao recordar o encontro que teve com aquela que ele intitulou de “deusa renovadora das minhas tesões”.  Era o primeiro encontro com a moça, pelo menos 20 anos mais jovem, e o Ernesto estava visivelmente nervoso, tanto assim que cometeu todas as besteiras que não deveria para uma ocasião tão especial:

- Culpa da ansiedade -, justificou o trapalhão. 

Para coroar uma noite que se avizinhava desastrosa, Ernesto foi direto ao ponto, sem sutilezas, depois da segunda taça de vinho: 

- Topas irmos a um motel? 

Para surpresa dele, a moça topou, após ligeira hesitação. 

- Ela confessou depois que teve pena da minha incompetência e apesar do atropelo à etiqueta exigida para essas ocasiões, foi misericordiosa comigo. Misericordiosa, teve compaixão, ela repetiu. Mas confessou também que não  se arrependeu pois eu havia passado com louvor no primeiro teste da cama - ,  vangloria-se o Ernesto, que continua se renovando, pelo menos uma vez por semana com a sua deusa.  

Os  dois episódios me levam a uma reflexão bem basiquinha: a incompetência é  um valor - ou seria desvalor? – relativo. Depende das circunstâncias e da parceria. No primeiro caso, faltou flexibilidade  à moça de  estilo germânico, enquanto a outra companheira foi solidária com o Ernesto, relevou seu surto  de incompetência e não se arrependeu. Claro  que me identifico mais com a segunda que, com  seu gesto magnânimo, acabou vivendo um inesquecível episódio amoroso, enquanto a outra se privou da incerteza que precede às grandes aventuras. Quem se permite, tem meu respeito.




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