Publicado originalmente em 07/11/2010, mas continua atual como nunca.
Uma nova praga está infestando o Jornalismo: os especialistas
acadêmicos. Mestres do saber, professores renomados, celebrados teóricos são
chamados a todo o momento para opinar sobre temas de suas áreas de
conhecimento. Todo o santo dia somos alvos das análises dessas figurinhas
carimbadas, pomposamente chamados de “consultores”. O problema é que esses
doutos senhores não têm nenhum compromisso com a realidade. Entre o pensar da
academia e o fazer da vida real vai uma enorme distância, que os vaidosos
opiniáticos não levam em conta.
Durante o período eleitoral, vários deles – cientistas políticos,
sociólogos e afins - circularam nos espaços da mídia, tentando explicar o
comportamento do eleitor com teses que não sobreviveram a abertura das urnas.
Economia e finanças, educação, cultura, segurança pública, política
internacional, sexo dos anjos, para todos os temas sempre existe um
especialista de plantão pronto para despejar suas verdades sobre nós.
O pior é quando passam a dar opiniões sobre coisas mais concretas, obras
públicas por exemplo. Cada acadêmico consultado tem a solução mais fabulosa e
arrojada para os problemas, não importando se existem recursos e viabilidade
para a execução do faraônico projeto. Mas a idéia proposta passa a ser
definitiva, inquestionável e ai de quem ouse pensar diferente. O nome desta
postura chama-se desonestidade intelectual, pecado dos sectários e donos da
verdade.
A responsabilidade primeira sobre esse processo, entretanto, não é dos
tais consultores, mas de quem os contrata e aciona. A mídia parece envergonhada
de assumir determinadas posições e busca respaldo a opinião dos chamados
especialistas para reforçar o que, na verdade, pretende passar. Em outros
casos, procura dar um verniz erudito a determinados temas, de forma a
valorizá-los. E o que constatamos, na maioria das vezes, é um festival de
obviedades, o primado do achismo, nivelando-se aos piores debates esportivos.
Nestes, pelo menos, permite-se o contraditório.
Ao republicar este
texto me dei conta das picaretagens cometidas sob o manto do “verniz acadêmico”. Exemplo recente foi daquele especialista de
uma universidade paulista, a serviço de determinada empresa que atua no
segmento, a ditar opiniões, a partir de “um estudo”, sobre a qualidade da água de várias cidades,
inclusive Porto Alegre, por certo preparando terreno para que a tal empresa
ofereça seus serviços.
Mas o caso mais emblemático de como transitam esses “estudos”
está sendo revelado pela mídia, conforme zerohora.com: "Num artigo publicado na
sexta-feira na Science, o americano John Bohannon mostra o que aconteceu quando
ele enviou para 304 revistas científicas um artigo sem pé nem cabeça: 157 delas
aceitaram. O trabalho de Bohannon, assinado por um fictício autor de nome
estapafúrdio - Ocorrafoo Cobange -, versava sobre uma molécula que, extraída de
um líquen (simbiose de alga e um fungo como o cogumelo), teria o superpoder de
combater o câncer. Não bastasse o autor ser inexistente, sua universidade
também está para ser encontrada no mundo real: o Wassee Institute of Medicine,
sediado em Asmara, é produto da imaginação de Bohannon.
- De um início
modesto e idealista uma década atrás, revistas científicas de acesso aberto se
expandiram a uma indústria global, movida por taxas para publicação em vez
de inscrições tradicionais - afirma Bohannon.
Segundo o americano,
era de se esperar que uma publicação como o Journal of Natural Pharmaceuticals,
editado por professores de universidades do mundo inteiro, conduzisse
revisões criteriosas. A revista é uma entre mais de 270 publicações sob o
guarda-chuva da Medknow, empresa indiana que se anuncia como o nome por
trás de mais de 2 milhões de artigos baixados a cada mês por pesquisadores. A
Medknow, diz Bohannon, foi comprada em 2011 pela multinacional holandesa
Wolters Kluwer. Ela pediu a Cobange apenas "mudanças superficiais" no
artigo antes de publicá-lo.O artigo foi aceito por instituições acadêmicas de
prestígio como a Universidade de Kobe, no Japão, e até por revistas que sequer
tratavam do tema, como o Journal of Experimental & Clinical Assisted
Reproduction, pautado por estudos na área de reprodução assistida."
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