segunda-feira, 31 de março de 2025

Os especialistas e a mídia

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Desconfio de todas as matérias jornalísticas que trazem  “especialista” no título. Parecem aquelas matérias da antiga Veja e ainda hoje usadas por alguns veículos. O viés da reportagem, normalmente desfavorável a alguém ou alguma instituição, está pronto, mas precisa ser validado por uma fonte considerada abalizada. o “especialista”. Se for da academia, melhor ainda.

 A Rede Globo, na sua cruzada pelos valores e propostas que defende, tem abusado dessa estratégia, especialmente quando trata de temas econômicos ou científicos. O que se observa é um desfile de “este especialista”, ou o “renomado professor”, ou “o conceituado pesquisador” nos boletins dos repórteres e nas entrevistas ao vivo. A sucursal dos Estados Unidos certamente vai bater o recorde de participações de representantes das principais universidades americanas, alguns inclusive brasileiros já com leve sotaque do país. Isso porque partem do princípio de que a ninguém é dado o direito de desacreditar das opiniões de um luminar de centenárias instituições universitárias.

Por aqui, sobram espaços para os doutores tupiniquins quando o tema é mais regional e, pelo que tenho observado, há uma espécie de busca por professores de cursos superiores menos prestigiados, pode até ser do interiorzão se a matéria é sobre o agro. Entretanto, quando se trata do pessoal da USP, os repórteres parecem fazer uma espécie de reverência, que a maioria dos uspianos até merecem. 

Em períodos eleitorais é inevitável a saliência dos cientistas políticos, superados em todos os períodos pelos especialistas em Segurança, ambos repletos de teses e soluções óbvias. Parecem as platitudes do César Trali, opinando após todas as matérias do Jornal Hoje.

O que tem de “chutador” entre esse pessoal! Lembro que na guerra do Golfo um expert em estratégia militar, recrutado pela Globo, chamava a atenção para a “temível Guarda Republicana” de Sadam Hussein, que sequer deu as caras e muito menos tiros diante da investida das tropas americanas. Mais recentemente, durante a pandemia, surgiram até especialistas em uso de máscaras, fora os contra e a favor da vacina ou da cloroquina. Foi quando se sobressaiu o falastrão reitor da Ufpel,  o professor de Educação Física Pedro Hallal e seu estudo para avaliar a prevalência de infecção pela Covid 19. Ninguém entendia bem qual a utilidade da tal pesquisa, mas ela acabou servindo para embasar o plano de distanciamento controlado do governo do RS, além de garantir generosos espaços na mídia para o reitor, mais tarde cogitado para uma candidatura ao senado. Era o tempo do “fica em casa e a economia a gente vê depois”. Deu no que deu.

Na real, o  “este especialista” consultado sempre tem a solução mais fabulosa e arrojada para os problemas, não importando se existem recursos e viabilidade para a execução de faraônicos projetos. Mas a ideia proposta passa a ser definitiva, inquestionável e ai de quem ouse pensar diferente. O nome desta postura chama-se desonestidade intelectual, pecado dos sectários e donos da verdade. 

A responsabilidade primeira sobre esse processo, vale reprisar, não é dos tais consultores, mas de quem os contrata e aciona. A mídia parece envergonhada de assumir determinadas posições e busca respaldo na opinião dos doutores – e de ONGs, acrescente-se -  para reforçar o que, na verdade, pretende passar. Em outros casos, procura dar um verniz erudito a determinados temas de forma a valorizá-los. E o que constatamos, na maioria das vezes, repito, é um festival de obviedades, o primado do achismo, nivelando-se aos piores debates esportivos. Nestes, pelo menos, permite-se o contraditório.


segunda-feira, 24 de março de 2025

As duas dimensões humanas

*Publicado nesta data em Coletiva.net

O que tem em comum Ronaldo Fenômeno, Didi dos Trapalhões e Regina Cazé? Conforme depoimentos de quem convive com essas celebridades, elas se comportam de um jeito simpático e amigável publicamente, mas longe dos holofotes assumem outro comportamento – são insuportáveis, pra dizer o mínimo, reproduzindo o que se ouve nos testemunhos. 

Esses depoimentos, a maioria disponível em podcasts, comprovam o que canta Caetano Veloso em Vida Profana: “de perto, ninguém é normal”, ou, usando uma corruptela, longe das câmeras ninguém é normal.  É bem verdade que falar mal dos famosos é um esporte nacional e aí entra mais gente na roda, como Antônio Fagundes, Galvão Bueno e até o falecido Ayrton Senna, com suas chatices ou relação conturbada com os fãs, com seus iguais e com assessores. Poderia enumerar muitos exemplos mais, incluindo lideranças políticas que só assumem o figurino de gente boa em período eleitoral.   Porém, todos eles tem que saber que a regra é clara:  quem tem exposição pública não pode se valer disso para destratar aquele que é obrigado a conviver com o famosinho. 

A propósito, lembro que já escrevi sobre um confrade de minhas relações que costuma julgar as pessoas nas dimensões física e  jurídica.  A física diz respeito aos atributos pessoais - caráter, personalidade, atitudes – e a jurídica ao desempenho profissional – competência, entregas, relacionamento funcional, comprometimento.  Assim, não é raro se referir a um conhecido no condicional:

- Na física é uma rica de uma pessoa, mas, na jurídica, um baita incompetente.

Também é recorrente a sentença inversa:

- Na jurídica é um grande profissional, mas, na física um péssimo caráter.

Nesta minha jornada septuagenária   sou tentado a concordar com o confrade, eis que tenho convivido com gente de todas as espécies.  Conheço perfis, especialmente entre as chamadas pessoas públicas, que induzem a grandes enganos com suas atitudes.  Fina flor da meiguice para efeito externo, nas internas são verdadeiros déspotas.  E parece haver uma relação direta entre a ascensão do sujeito e a incivilidade: quanto mais poderosos, mais autocráticos. Os piores são aqueles que recebem um carguinho e acham que são deuses.

- Dá-lhe o látego e conhecerás o tirano, - dizia, algo solene, um diretor de rádio que conheci no passado, ele mesmo um especialista em disseminar o terror entre os seus colaboradores.

O látego, para quem não sabe, é o chicote usado pelo verdugo para flagelar suas vítimas. As vítimas são todos aqueles obrigados a conviver com os opressores de plantão, porque o sujeito mal avaliado na jurídica, mas de boa índole, ainda passa, porém, o contrário não é verdade. Do jeito que vai, daqui a pouco seremos obrigados a imitar Diógenes, que saia as ruas na Grécia antiga carregando uma lamparina, alegando que estava a procurar um homem honesto e íntegro.  Detalhe: o filosofo era conhecido como Diógenes, o Cínico, o que deve significar alguma coisa sobre o caráter dele.

Na verdade, Diógenes procurava a virtude de uma vida simples e natural, dessa simplicidade e espontaneidade de que são feitas as pessoas do bem, que prescindem do látego porque são integras na física e na jurídica. Se me pedirem nomes dos outros, nem com látego revelo.


segunda-feira, 17 de março de 2025

Recado ao meu cardiologista

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Há mais de 15 anos consulto com o mesmo cardiologistas, que me faz as mesmas recomendações, pede os mesmos exames, receita os mesmos remédios e insiste, em todas as revisões, em saber a causa de uma arritmia que o eletrocardiograma  de repouso sempre revela. Como se sabe, a arritmia cardíaca é a alteração no ritmo e/ou frequência dos batimentos do coração. Porém, não sei como o médico consegue entender, no meio daquele sobe e desce de linhas, que há uma inconformidade coronária que precisa ser investigada e, quem sabe, enfrentada com rigoroso tratamento. De imediato, com ar grave, laudo na mão, ele indica a necessidade de mais exames e lá vou eu para mais uma maratona laboratorial.

Menos mal que nas primeiras baterias os resultados são sempre os mesmos, com percentuais que oscilam um pouco abaixo, um pouco acima dos índices de referência para cada pesquisa. Faço esses exames há tanto tempo que aprendi a  interpretar, minimamente, os resultados, exceto o do tal eletro.

A  maratona investigativa da minha saúde inclui,  ainda, aquela abominável esteira, que começa leve e vai acelerando até eu pedir trégua, o que me mantém, mais uma vez, na segunda divisão entre os praticantes do equipamento. Até deveria resistir mais, afinal, sou um dedicado caminhante matinal, de 30 a 40 minutos em passo firme, todo os dias,  mas nada que me credencie para exigências maiores em termos de corridas. Cedo da manhã,  disputo espaço nas ruas do bairro com os sonolentos  estudantes do primeiro turno escolar e com o pessoal que leva a cachorrada para passear. E como tem cachorro no meu caminho!  

Terminada a revisão, saio da última consulta sem atingir meu objetivo de, pelo menos, reduzir o número de medicamentos do cardápio diário de um setentão. Hoje são cinco para variadas finalidades. Ainda bem que nenhuma nova droga foi acrescida aos gastos com que, todos os meses, contribuo para a expansão das redes de farmácias nas esquinas da cidade. E também fico sem saber qual a origem da arritmia que preocupa mais o médico que a mim, e que enseja um recado ao diligente profissional: Caro doutor, pare de perseguir minha arritmia. Ela já está aquerenciada no meu coraçãozinho e só se manifesta pra valer diante da intensidade do cotidiano ou frente a uma representante do segmento das caldáveis, duas situações cada vez menos presentes na minha vida. Grato pela atenção e até a próxima revisão. Seu (im)paciente, Flávio Dutra.


REFLEXÕES LIGEIRAS PARA UMA SEGUNDA- FEIRA

1.Como é melancólica uma segunda-feira pós Grenal para quem perde o título!

1.1.Apenas 40% dos gaúchos está feliz hoje.

2.  Preteou o olho da gateada para os azuis?

2.1. Ou, em termos politicamente corretos: Ausentou-se a cor dos olhos dos felinos?

3.Só aceito esta adesão tupiniquim ao St. Patrick Day porque é uma celebração à cerveja.

3.1. Mas brindar com cerveja tingida de verde é de última. 

4. Cada vez que ouço um pronunciamento em russo ou em ucraniano, parece que estão xingando alguém. E na maioria das vezes, estão mesmo.

5. Tempos do politicamente correto: tem confeitaria oferecendo a torta Negra Maluca como torta Afrodescendente Desvairada.

6. Da série Corrigindo Provérbios: Quem espera...fica de saco cheio.

7. .Afirmação peremptória de um repórter investigativo: “De perto ninguém resiste a uma investigação. Nem eu.”

7.1. Me incluam fora dessa.

8. Contagem regressiva: quanto falta para terminar o BBB?

9. Nunca é demais lembrar: “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. (Umberto Eco). 

9. Mercham da casa: hoje, na coluna semanal em Coletiva.net, Recado ao meu cardiologista.

10. E antes que eu esqueça: o Grenal é o ópio do torcedor gaúcho.



sexta-feira, 14 de março de 2025

REFLEXÕES EM TEMPO DE FESTA NO CAMPO E NO SAMBÓDROMO

1.Só o Inter tira o Gauchão do Inter.

2.Ao Tricolor só resta uma alternativa: ganhar o Grenal e perder o Gauchão com .dignidade, 

3.Gauchão sem mimimi não é Gauchão!. Este então!

4.Mais mimimi só após os discursos de Lula.

5.Dúvida pertinente: O Inter vai comemorar na Goethe?

6.Grêmio, mas pode chamar de Sofrimento e Emoção.

7.Ouvido na postagem ao lado, com um pouco de exagero: “Este é o pior e mais sortudo Grêmio de todos os tempos”.

8.No último clássico, o Imortal  entregou o meio-campo, as laterais, a bola, o jogo e o resultado.

9.Na real, o Grenal mostrou a incompetência do Inter. Podia golear e fez um minguado 2 x 0.

10.Da série sou do tempo...em  que os grenais eram apitados pelo trio ABC: Agomar, Barreto e Cavalheiro.

11.Bah, faz tempo!

12.Vem aí o Carnaval de Porto Alegre. Mais um pouco e vira Carnaval Farroupilha

13.Da postagem alheia: “Lula pensa, erradamente, que o marketing vai substituir a ausência de governo”, (Eduardo Cunha, sim, ele mesmo)

14.Da postagem alheia 2: “Saudade dos anos 90. O russo (Yeltsin) só pensava em beber e o americano (Clinton) só pensava em mulher.”

15.1As maravilhas da Suíça, nesta sexta-feira, no...

16.Que chatice estas redes sociais. A gente nem consegue mais falar mal dos outros que logo tem contestação...

17.Por um Carnaval animado no Porto Seco e um Grenal sem rolos, roguemos fervorosamente. 


segunda-feira, 10 de março de 2025

Nossa histórica vocação para vice

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Dentro de mais alguns meses começa pra valer a campanha eleitoral para os governos estaduais e a presidência da República. Antes mesmo da definição de nomes, se valer o histórico recente, já dá pra afirmar que não haverá gaúchos na primeira posição das chapas  presidenciais. A não ser que o postulante Eduardo Leite supere essa barreira, nossa vocação  para o poder, nas últimas décadas,  nos reserva apenas  o cargo de vice, nas candidaturas e nos governos. Período ditatorial à parte, a série começou com João Goulart, vice de JK e de Jânio, que acabou assumindo na renúncia do último. 

Mesmo nos governos militares, com três gaúchos na presidência, o general Adalberto Pereira dos Santos foi vice de outro riograndense, o general Ernesto Geisel. Era o tempo em que o colégio eleitoral passava pelos generais de quatro estrelas. 

Na redemocratização não faltaram candidatos gaúchos a vice em chapas à direita, à esquerda e ao centro. 

Luciana Genro foi exceção, disputando a presidência pelo PSOL em 2014. Ficou em quarto lugar. No mesmo ano, Beto Albuquerque foi escolhido para vice na chapa de Marina Silva  com a morte de Eduardo Campos. A dobradinha entrou em terceiro

Nada supera, porém, a eleição de 2018 na presença de vices gaúchos nas chapas à presidência. Das 13 candidaturas à época, cinco tinham vices daqui e um deles até foi bem sucedido, o Mourão, companheiro de chapa de Bolsonaro. Manuela, vice de Haddad, pelo menos foi para o segundo turno. Ficaram pelo caminho Ana Amélia, da chapa de Alckimin, Rigotto, de Meirelles e até o desconhecido Léo da Silva Alves, vice de João Goulart Filho, candidato à presidência por um certo PPL. Ah, teve o eterno José Maria Eymael, “um democrata cristão”, porto-alegrense, que foi candidato pela quinta vez à presidência. Pela insistência, fica o registro.

Dois outros registros importantes: em 2006, Rigotto tentou viabilizar sua candidatura presidencial pelo então PMDB, mas acabou perdendo a indicação para Garotinho, assim como Eduardo Leite foi preterido por João Doria na disputa pela cabeça de chapa do PSDB na eleição de 2022. Os dois casos vêm a confirmar que o teto dos políticos gaúchos não é a primeira posição.

Esse levantamento mostra, ainda, que não é de hoje que o Rio Grande vem perdendo espaço nos círculos de decisão do poder central. Atualmente, na Câmara e no Senado nenhum gaúcho preside comissões importantes, as presidências das casas nem pensar e o único ministro daqui, Paulo Pimenta, foi defenestrado por Lula, trocado por um Sidônio qualquer. Tudo isso mostra fundamentalmente que a maior crise que afeta o nosso estado é de lideranças, o que acaba impactando no desenvolvimento da região. Eis uma questão que certamente precisa ser mais aprofundada. Por ora, vale registrar a mais recente pesquisa da Genial/Quaest, que, mesmo apresentando o governo e o governador Leite como bem avaliados, aponta que apenas 32% dos gaúchos pesquisados dizem que o Estado está melhorando, contra 52% que avaliam que o Rio Grande está parado e 15% têm a percepção que está piorando. 

Resta torcer e trabalhar para que a próxima eleição seja o marco zero para a mudança que o Rio Grande amado tanto necessita.