segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

A senhorinha e a garrafa de cachaça

*Publicado nesta data em Coletiva.net

*Baseado numa história real

O homem ficou intrigado com o que viu nas gondolas de bebidas alcoólicas do supermercado. A senhorinha, aparentando seus 90 anos, escolheu, sem muita hesitação, uma garrafa de cachaça, acrescentando ao carrinho junto à barra de chocolate e aos dois pãezinhos.  Curioso com o desdobramento da ação, ele acompanhou a veterana até a caixa. Lá chegando, a atendente passou os produtos pelo sistema, mas o valor excedia às notas amarrotadas que ela retirou da velha bolsinha. Em seguida, sem demonstrar contrariedade, a nonagenária pediu à moça:

- Então pode  retirar o chocolate.

Foi aí que o homem decidiu intervir e, generosamente, se dispôs a integralizar o que faltava em dinheiro no pequeno rancho, o que nem era uma grande quantia. 

- Receba como um presente de Natal meu, - completou. 

A senhorinha agradeceu – “brigado, meu filho” - e deixou o homem faceiro pela boa ação, mas com uma dúvida pertinente, que a guria da caixa não conseguiu esclarecer:

- Ela vem todas as semanas, escolhe sempre a mesma marca de cachaça, fico louca de vontade de perguntar o que ele faz com a bebida, mas não tenho coragem,- esquivou-se a atendente.

O homem, que não era propriamente um consumidor de destilados, mas conhecia o teor alcoólico das bebidas, calculou que o produto adquirido por sua beneficiária deveria ter, no mínimo, uma graduação de 40%. 

Isso só aumentou a curiosidade dele. Qual destino a senhorinha daria aquela cachaça? Seria para consumo próprio? Ele procurou afastar mentalmente essa hipótese. “Um absurdo”, pensou. Ou estaria atendendo ao pedido de seu companheiro, ele sim um contumaz apreciador de cachaça, talvez mais do que deveria? Quem sabe era item indispensável em alguma receita culinária da simpática senhora? Ou, ainda, a bebida poderia fazer parte de algum ritual religioso? 

Consumido em dúvidas, o homem teve, entretanto, um momento de intima alegria, ao se dar conta que, de alguma forma, contribuíra para a felicidade da velha senhora. Afinal, era tempo de Natal e o pequeno gesto dele pode ter feito uma grande diferença para ela, mesmo presenteando com uma garrafa de cachaça, que ele torceu para que fosse usada para fazer a felicidade de mais gente, de preferência em saborosos quitutes para a ceia natalina.


domingo, 22 de dezembro de 2024

LIGEIRAS REFLEXÕES PRÉ-NATALINAS, COM MUITOS REPETECOS

- Meiguice Relativa do Ar neste período: ALTÍSSSIMA!

- Tem aqueles que são fdp o ano inteiro e viram doces e meigos agora.

- Quantos retratos de festas da firma ainda vou ver no Facebook?

- Aviso aos navegantes: os piores lugares para circular nestes dias são os shoppings e os supermercados.

- Mais um a pouco e já será Natal na Austrália.

- Apreciaria que os votos de boas festas viessem acompanhados de um bom vinho ou espumante.

- Para receber mimos, não fechamos no Natal nem no Réveillon. Mas não me venham com panettone.

- E ainda há tempo para mimos nas segundas e terças-feiras...

- Certos presentes recebidos estão mais para Amigo da Onça Secreto. Não é o meu caso.

- Neste período até podem me chamar de bom velhinho.

- Seria o peru é o chuchu das aves?

-  E o panettone o chuchu dos bolos?

- Qual o parentesco do peru com o chester,o fiesta e o buster? É pai ou é primo irmão?

- Show do RC na TV, mas pode chamar de Déjà Vu!

- Por fim uma extra natalina: essa relação do Grêmio com o técnico português está se revelando uma caixinha de surpresas.

- Para que o Bom Velhinho seja generoso neste Natal, roguemos com fervor 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

A Era da Banalidade

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Outro dia tratei aqui do que intitulei de Era da Enganação ou da Desconfiança, como resultado dos múltiplos golpes e fraudes que infestam o dia a dia dos brasileiros. Mas outra Era se impõe nestes tempos pós-modernos:  a Era da Frivolidade, ou da Banalidade. 

São tempos de excessiva exposição aos conteúdos digitais de baixa qualidade, sobretudo nas redes sociais. Com base nisso, a Oxford University Press, que edita o conceituado dicionário Oxford English elegeu “brain rot” como a palavra/expressão do ano de 2024. A tradução para o termo é  “podridão cerebral”, uma metáfora que significa a "suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (agora particularmente conteúdo online) considerado trivial ou incontestável. Também é algo caracterizado como passível de levar a tal deterioração",  como descreve a Oxford. O termo aumentou a frequência de uso em 230% entre 2023 e 2024. 

Interessante é que o uso da expressão “podridão cerebral” não é recente. Foi usado pela primeira vez em 1854, no livro “Walden”, de Henry David Thoreau, só que usado com outro significado. Thoreau, escritor, poeta e naturalista norte-americano, criticava a tendência da sociedade da época de desvalorizar ideias complexas em favor de ideias simples, num indicativo de um declínio geral no esforço mental e intelectual.

Corte para os anos 2000, já na era digital, e Zygmunt Bauman,  de alguma forma. estabelece – ou antecipa -  uma conexão com o debate que está  posto, ao apresentar seu “Tempos Líquidos”.  Na obra, o  filósofo polonês argumenta que, em uma sociedade onde tudo é fluído e temporário, os valores e certezas tradicionais tendem a ser desafiados, resultando em um ambiente onde a volatilidade prevalece.

A questão, na verdade, não pode se restringir a qualidade dos conteúdos oferecidos pelas redes sociais e mais acessados pelos usuários. O tempo gasto nas redes, especialmente pelas crianças e adolescentes, tornou-se motivo de grande preocupação das famílias, das escolas e chegou  aos governos.  Relatório recente da We Are Social e Meltwater revela que a média diária dedicada às redes sociais no Brasil é de 9 horas e 13 minutos! Só perdemos para a África do Sul, que registra 9 horas e 24 minutos. Estudo do IBGE aponta que 92,9% dos brasileiros possuem acesso à internet, enquanto apenas 66,1% contam com saneamento básico. O Brasil soma mais de 144 milhões de usuários nas principais plataformas.  Aí temos um campo fértil para o surgimento de figuras tipo Pablo Marçal, André Janones e a multidão de influencers palpitando sobre tudo que possa ser monetizado, não interessando a qualidade das mensagens.

A reação ao excessivo protagonismo das redes sociais em nosso dia a dia já se faz sentir por meio de iniciativas como o projeto de lei que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas do país, em tramitação no Congresso. Em São Paulo, a Assembleia Legislativa já aprovou legislação neste sentido. O RS tem legislação específica sobre a questão, mas o governo ainda deve editar decreto em 2025 para orientar as escolas em relação ao uso de celulares. A Austrália radicalizou e, numa decisão inédita no mundo, aprovou a proibição do acesso às redes sociais para menores de 16 anos. As plataformas que descumprirem a lei serão multadas pelo equivalente a R$ 200 milhões.

Projetos de lei e decretos não são garantia de que os dispositivos previstos serão cumpridos. O papel aceita tudo. Se não houver um esforço conjunto, que começa na família e se estende a toda a sociedade, com educação para o mundo digital desde  cedo, campanhas de esclarecimento e fiscalização permanente para o cumprimento da legislação, a efetividade dos regramentos ficará irremediavelmente prejudicada e as redes sociais continuarão influenciando o comportamento das pessoas.  Era da Banalidade terá se consolidado.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

O futebol em forma de letras

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Lá nos idos de 1980 sugeri na editoria de Esportes da Zero Hora, onde labutava, uma matéria sobre livros com temática do esporte disponíveis na Feira do Livro daquele ano. O editor Emanuel Mattos aplicou a regra de então: quem sugere tem preferência e lá me fui de barraca em barraca à procura de obras que sustentassem a matéria. Foi um fracasso total. Só encontrei poucos livros que tratavam de treinamento esportivo, a maioria de viés acadêmico e nada sobre o fascinante mundo das competições, inclusive do futebol. 

Hoje é bem diferente e quando o futebol e a literatura se encontram  ocorrem algumas belas jogadas. Um passeio pelas bancas da Praça da Alfândega, na Feira do Livro recém encerrada, revelou uma atraente e diversificada lista de títulos, de biografias de  craques vitoriosos e técnicos renomados à histórias sobre grandes times e suas conquistas memoráveis, com relatos de muita peixão,  mas também de episódios que gostaríamos de esquecer sobre casos de corrupção no futebol.

Só não encontrei o clássico “Futebol ao sol e à sombra”, de 1995, do uruguaio Eduardo Galeano, que conta a história do futebol, mostrando um olhar curioso sobre o esporte, como se o autor tivesse vivido cada momento dele. A Feira ficou me devendo também um clássico brasileiro de Nelson Rodrigues, “A sombra das chuteiras imortais”, editado pela Companhia das Letras, com seleção de textos de Ruy Castro, que é autor de outro clássico, “Estrela Solitária”, sobre a trajetória do genial Garrincha.
Em nível de RS,  pelo menos três títulos sobre futebol e seus personagens ganharam destaque na Feira e certamente ficaram entre os mais vendidos:  “Ruy Carlos Ostermann – um encontro com o professor”, biografia do grande comentarista esportivo, contada por Carlos Guimarães; “O Inter, o jornalismo e nós”, do repórter Fabricio Falkowski,, edição da Capítulo 1 (alô, Claudia Coutinho),  descrito como “uma história do clube e as histórias vistas e vividas em 25 anos de cobertura do dia a dia do futebol”; e “Campeão da Vida – perdoar para viver”, de autoria de Luiz Fernando Aquino e Fernando da Rocha, sobre o drama vivido pelo jogador Regis, do Caxias, que precisou abandonar a profissão depois de ser violentamente agredido em campo. 

De lançamentos de anos anteriores vale destacar a série bibliográfica  sobre o Imortal Tricolor, do gremistão Léo Gerchmann, além de  “No último minuto - A História De Escurinho: Futebol, Violão e Fantasia”, de Jones Lopes da Silva,  e uma obra pouco badalada, mas de grande importância: “Escola Gaúcha de Futebol: uma árvore genealógica dos treinadores do Rio Grande do Sul”, de Felipe Duarte, repórter da Rádio Gaúcha, que faz a indagação: será que existe uma escola gaúcha de futebol? Recomendaria também um livro que me chegou as mãos pelo Ajax Barcelos e o  Osmar Zilio,  “Tamoio,  o time de Viamão”, uma detalhada e bem ilustrada história do clube amador  que completou 80 anos.  Os autores, Bira Mros e Juarez Godoy tem longa vivência no clube e contaram com a edição de Vitor Ortiz e prefácio do ex-atleta e hoje consagrado jornalista, Rogério Mendelski. 

De minha parte dei uma modesta, mas prazerosa contribuição para a estante esportiva gaúcha ao produzir dois livros: “G.E. Tupi – sonho de guris”, de 2023, em co-autoria com  meus amigos de sempre Piero D’ Alascio e Léo Ustarroz, sobre nosso time da infância e adolescência no bairro Petrópolis, e “Viva a Várzea – histórias e personagens do futebol raiz”, com textos de 16 outros parceiros, lançado em junho.  A propósito, em seguida sai a convocação dos craques que participarão do “Viva a Várzea – segundo tempo” – com previsão de lançamento para abril do ano que vem. Se me permitem o clichê,  reina grande expectativa.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Sou Fogão desde pequeninho

*Publicado nesta data em Coletiva.net

No ano passado, quase nesta mesma data, publiquei aqui no Coletiva um texto dando conta da minha frustração com  a campanha do Botafogo no Campeonato Brasileiro. Depois de pontear boa parte da competição, numa confortável distância sobre os mais próximos perseguidores, o Fogão deixou escapar nas últimas rodadas um título que já estava na mão e que não era conquistado desde 1995. “Requiem para meu Botafogo”, titulei na ocasião. Agora renasce a esperança  de que os dias de glória do time que um dia teve Garrincha, Didi, Nilton Santos, Zagalo, Jairzinho  estejam de volta. É tempo de festejar com a heroica, ousada e incontestável  vitória na decisão da Copa Libertadores da América, na conquista deste título inédito e na expectativa que venha também o a taça da Campeonato Brasileiro, para compensar a frustração de  2023. E quem sabe, logo adiante, a tríplice Coroa, com o título mundial de Clubes, igualmente inédito,  resgatando de vez a aura de Glorioso, como também é conhecido pelos seus aficionados. Bem diferente daquela abertura e da  titulação do ano passado, recupero o mesmo texto publicado em 2015, agora de celebração para o meu Botafogo:

Em algum lugar do passado ouvi do técnico Ernesto Guedes sobre a situação do Botafogo:  “É uma torcida e um saco de uniforme”.  O exagero do técnico,  que recém havia dirigido o time carioca,  me incomodou muito, eu que sou botafoguense desde pequenino.  A verdade é que o simpático Fogão desafia os astros, a lógica, a realidade e, entre altos e baixos,  sobrevive e se renova.  Só que vivia um dos tantos momentos de baixa quando o Ernesto por lá passou. 

Minha paixão pelo Botafogo nasceu no dia em que ganhei de Natal um jogo de futebol de botão do tipo panelinha, com aquela estrela solitária aplicada sobre os botões.  Para o menino de 10 anos só uma bola poderia ser um presente melhor.  Era também o tempo em que o Botafogo rivalizava com o Santos  como grande time brasileiro e uma das bases da seleção canarinho, campeã do mundo em 1958 e 62. O Santos tinha o talento coroado de Pelé e o Botafogo a magia de irresponsável de Garrincha e mais meu ídolo  Nilton Santos,  além de Didi, Quarentinha, Zagalo, Amarildo e, antes, o grande Heleno de Freitas, e tantos outros craques que ficaram na história.  Ainda é o clube que mais forneceu jogadores para seleção brasileira em copas do Mundo. 

Mais tarde descobri que o Glorioso era o time preferido da maioria dos gaúchos que migravam para o Rio. Não consegui descobrir a razão dessa  preferencia de gremistas e colorados expatriados, mas ela é real e, se precisar, cito quantos exemplos forem necessários. Nos meus tempos de repórter esportivo descobri também que havia uma ativa torcida organizada do Botafogo em Porto Alegre.  Desconheço se ainda existe, mas em se tratando do Fogão, não duvido. 

Mantenho uma paixão à distância, quase platônica, pela Estrela Solitária, tanto assim que não me lembro de ter assistido a qualquer jogo da equipe em estádio.  A razão dessa idealização talvez esteja na percepção que o Botafogo transmite, nem popularesco como o Flamengo e o Vasco, nem metido a elitista como o Fluminense, mas afetando uma nobreza que o distingue dos seus pares cariocas. Este é o meu Botafogo, que acompanho desde que me conheço por gente.   É uma trajetória  de altos e baixos,  como a venda do patrimônio do estádio de General Severiano e da sede do Mourisco que representaram também  a perda de parte da identidade botafoguense,  as boas fases com os títulos nacionais (1968 e 95) e o recorde de invencibilidade (52 jogos entre 1977 e 78), a queda para a segunda divisão (que sina a minha!) e agora o retorno glorioso, como o cognome do clube, com três rodadas de antecedência. 

Por tudo isso, jamais vou perdoar Ernesto Guedes pela avaliação cruel e intempestiva do passado, porque, afinal, como no hino de Lamartine Babo, a estrela solitária me conduz!

 (Na quarta-feira o Botafogo enfrenta o Inter e, se vencer, pode confirmar o título do Brasileiro. Será muita alegria para um botafoguense gremista.)