segunda-feira, 1 de abril de 2024

Novas práticas jornalísticas

* Publicado nesta data em coletiva.net

A mídia brasileira e, sobretudo, a gaúcha, estão cada vez mais empenhadas em duas práticas jornalísticas: o Jornalismo do "Mas" e o Jornalismo de Justificativa. Vou tentar explicar. O Jornalismo do "Mas" é aquele praticado especialmente por âncoras e detentores de opinião, que, diante das boas e más notícias, sentem a necessidade de acrescentar um contraponto, seja para desqualificar o positivo, seja para atenuar o negativo.

A divulgação periódica dos índices da economia é o momento em que se manifesta com mais intensidade o Jornalismo do "Mas". Para ilustrar, aqui vão alguns exemplos: “Para economista, há ainda muitas incertezas, mas as notícias são alvissareiras”; “Copom avisa que outro corte de meio ponto só ocorrerá mais uma vez, mas a inflação baixa e a atividade não justificam isso”; “Inflação aumenta, mas não é uma alta que preocupe”; “Desemprego aumenta em relação ao trimestre anterior, mas cai em relação ao mesmo período de 2023”.

Quando acrescentamos a política, o noticiário se torna outro campo fértil para a aplicação do “mas”: “Mercado financeiro vê Haddad forte, com juros e inflação em queda, mas a avaliação de Lula piora”; “Desmatamento na Amazônia cai 63% no primeiro bimestre, mas a preocupação permanece”; “Bloqueio de R$ 2,9 bi do Orçamento é mais uma vitória de Haddad, mas a luta pelo déficit zero ainda dura mais dez meses”. O negrito no mas é por nossa conta.

Peguei leve nos exemplos para não expor demasiadamente uma conceituada comentarista de economia de uma poderosa rede nacional de comunicação, autora desses títulos e fervorosa adepta do “mas”. Poderia citar outros exemplos e outras autorias para confirmar essa necessidade dos formadores de opinião de mostrarem um equilíbrio e uma isenção questionáveis.

Isso também é o que motiva os adeptos do Jornalismo de Justificativa, primo-irmão do Jornalismo do "Mas". Para quem ainda não se deu conta, funciona assim: o âncora ou comentarista manifesta uma opinião que pode ser contrária ou favorável ao que defende algum grupo ou tendência política e, em seguida, emenda uma justificativa, afirmando que já se posicionou, em outra ocasião, favorável ou contrariamente ao outro grupo, dependendo do posicionamento anterior. O objetivo é jogar pelo empate para não se comprometer, passando a impressão de que não têm convicção sobre o que comentam. No ar, é mais fácil de entender o fenômeno, pois ocorre todos os dias nas melhores audiências midiáticas. Senhoras e senhores opinativos: é só sustentar a opinião e segurar a barra. Simples assim, de preferência sem verificar o que dizem as redes sociais.

Poderia discorrer também sobre a insistência de alguns comunicadores em promoverem diálogos inconsistentes sobre frivolidades, ou os elogios recíprocos, ou ainda sobre tratarem de assuntos pessoais que deveriam interessar apenas a eles. No entanto, esses compartilhamentos, especialmente nos veículos eletrônicos, mereceriam outra análise.

No caso do Jornalismo do "Mas" e do Jornalismo de Justificativa, quero crer que ocorrem por duas razões: a primeira é um ativismo mais ou menos latente, não em todos os casos, é bem verdade, que exige um posicionamento crítico ou benevolente; a outra é a pressão das redes sociais, que não cobram a isenção do comunicador, mas a adesão à sua corrente dentro da polarização que domina a cena política brasileira.

Não sou corregedor da mídia, aliás, no momento estou mais para ouvinte, telespectador e leitor, e é nessa condição que faço tais constatações, sem “mas” ou justificativas. Entretanto (evitei usar o "mas"), a categoria na qual já atuei, com muito orgulho, precisa atentar para o crescente descrédito do jornalismo praticado atualmente, associado à crescente fuga da audiência, e se perguntar se isso não tem relação direta com o posicionamento ambíguo daqueles que são donos das opiniões nos principais veículos.

Parte superior do formulário

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário