quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Marrocos, futebol e guerra.

No dia 27 de setembro estávamos, a Santa e eu, em Marrakech quando a Seleção do Marrocos fez um dos seus últimos amistosos antes da Copa do Mundo. Enfrentou o Paraguai, em Sevilha, empatando em 0 x 0. Na  mesma noite a seleção brasileira fazia seu último amistoso pré-copa, contra a Tunísia, vencendo por 5 x 1, em Paris.

Os dois jogos estavam sendo transmitidos pela TV e, jantando no restaurante do hotel, fui conferir num salão anexo a algazarra dos marroquinos, certo de que era a vibração por mais um gol do Brasil.  Ledo engano: a cada boa jogada da seleção nacional deles, mais gritaria, gestos de aprovação e muitas risadas. Imagina se o Marrocos tivesse marcado gols! E olha que estavam todos de bico seco, pelo menos de bebidas alcóolicas, já que o hotel  e seu restaurante não figuravam entre aqueles em que era permitido servir o produto. Cheguei à conclusão que os marroquinos gostam tanto de futebol como dos outros esportes de bola -  basquete, handebol e rugby.

Abel, nosso guia em alguns passeios pela cidade,  tinha se mostrado cético quanto ao potencial do Marrocos na Copa, mas dava para observar em cada canto das ruelas por onde circulamos - cuidando para não sermos atropelados pela profusão de  motos e vespas -, muitos jovens vestindo, com orgulho, a camiseta vermelha e verde da seleção nacional.  Essa identificação certamente serviu de emulação para a boa campanha dos marroquinos até agora no Catar.

Vai ter mais algazarra na volta dos Leões do Atlas -  este é  o apelido da seleção - pra casa, independente do que ocorrer daqui pra frente.  Isso porque a eliminação da Espanha, além de ter levado o Marrocos a uma posição nunca antes alcançada em Copas do Mundo,  pode ter representado também uma espécie de desforra para os marroquinos, que acabaram rendidos pelos espanhóis na chamada Guerra do Rife, entre 1920 e 27. O Rife é uma região montanhosa ao norte do pais, defendida por tribos Berberes que, com táticas de guerrilha, inflingiram inicialmente muitas derrotas às forças espanholas. Após intervenção militar da França e um grande desembarque de tropas espanholas na região, as tribos locais foram derrotadas, seu líder Abdel-Krim levado para o exílio e reestabelecido o domínio dos colonizadores sobre o território.

Parte dessa história é contada em 13 capítulos na série Tempos de Guerra, exibida pelo Netflix.  O enredo se passa em Melilha, região na qual esteve centralizada uma parte do exército espanhol e narra a ida de um grupo de enfermeiras, composto por jovens de classe alta de Madrid e lideradas pela Duquesa Carmen de Angoloti, com a missão de abrir um hospital no local.

Fui à Wikipedia para mais informações sobre o conflito, também conhecido como a Segunda Guerra Marroquina. A enciclopédia pontua que a Guerra do Rife ainda é considerada controversa entre os historiadores. Para alguns, trata-se do prenúncio do processo de descolonização no Norte da África. Outros  consideram-na uma das últimas guerras coloniais, já que foi a decisão dos espanhóis de conquistar o Rife - nominalmente parte do seu protetorado Marroquino, mas de fato independente - que catalisou a entrada da França no conflito em 1924.

A Guerra do Rife deixou marcas profundas na memória tanto na Espanha como no Marrocos. A insurgência Rifenha dos anos 1920 pode ser interpretada como um precursor da guerra de independência da Argélia, colônia francesa, que ocorreu três décadas depois. Mas aí já é outra história.

 

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