segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O cinismo do dia a dia

* Publicado nesta data em Coletiva;net

Quantas vezes você já passou por situações como essas, como agente ou vítima, nas relações pessoais e profissionais. A verdade é a seguinte: um pouco de falsidade não faz mal a ninguém e que chato seria o dia a dia sem isso. Ou como ouvi na mesa ao lado: "O sucesso dos meus amigos é o cinismo da minha satisfação..."

- Passa lá em casa pra gente tomar umas cevas. 

- Aparece lá na firma pra gente conversar.

- Fica tranquilo que estou avaliando com carinho tua proposta.,

- Temos que  marcar um jantar dia desses.

- Bah, tu parece que não envelhece nunca.

- Competência é que não te falta, mas...

- Gosto muito do que tu escreves.

- Que criança mais linda. Parecida contigo.

- Estava pensando justamente em te fazer essa sugestão.

- Não esquenta, está tudo sob controle.

- Mais um pouco eu conseguia, juro. 

- O problema não é contigo,  é comigo,

- Que lástima a gente não ter se conhecido antes.

- Pode deixar, vou te ligar depois para dar retorno.

- Sentimos muito tua falta no evento.

- É com grande satisfação que...

- Vamos criar uma comissão para resolver isso.

- Sou torcedor do meu time e não fico secando o tradicional adversário.

- Por mim tu já estavas contratado, mas o chefão está complicando.

- Fiz campanha para  outro candidato, mas estou torcendo para que o governo dê certo.

- Indireta pra ti? Nem estava pensando no teu novo corte de cabelo.

- Concordo plenamente contigo,  mas...

- Essa ideia ainda precisa amadurecer, temos que dar tempo ao tempo.

- Tenho certeza de que o pessoal da Coletiva.net aprecia muito quando escrevo estas frivolidades.


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A mídia engajada não nasceu hoje

 *Publicação nesta data em Coletiva.net

A mídia tem dado demonstrações diárias de que está voltando ao jornalismo raiz, quando a maioria dos veículos eram engajados politicamente. Especialmente os jornais que foram dominantes como fonte de informação antes do advento do rádio e da TV. defendiam claramente suas bandeiras como porta-vozes do agrupamento ou movimento político que representavam. O engajamento representava também o reconhecimento da Imprensa como um poderoso instrumento para conquistar corações e mentes dos cidadãos.

No tempo do império proliferaram os jornais pró ideais republicanos e abolicionistas, alguns com duras críticas a dom Pedro II. O Imperador, entretanto, era favorável à liberdade de imprensa, não apelava para a censura e até lia os jornais das províncias para saber o que pensavam dele. 

Na Provincia do Rio Grande, os Farrapos divulgavam  seus ideais  no jornal O Povo, sob a batuta do carbonário Luigi Rossetti.  Propugnavam que defendiam uma causa justa, acima de tudo em nome da liberdade, contra os retrógrados, sebastianistas e conservadores legalistas. Já os legalistas se consideravam como defensores da ordem e qualificavam os rebeldes como anarquistas e subversivos. Tese a ser aprofundada: a polarização na política e a imprensa engajada não nasceram hoje e esta seria consequência dos antagonismos que resistem até os tempos atuais.

No RS, a polarização se acentuou   a partir da última década do século 19. O historiador Nestor Ericsen no livro  O Sesquicentenário da Imprensa Rio-Grandense  (Sulina, 1977). registra que, na época, a imprensa gaúcha caracterizava-se pelas fortes tendências políticas, influindo diretamente na opinião pública local, de acordo com os interesses partidários. Havia jornais pró-maragatos e pró-pica-paus, como eram conhecidos os adeptos dos principais partidos políticos gaúchos que se digladiaram pela imprensa e em sangrentas batalhas nas revoluções de 1893 e 1923. 

Lider dos pica-paus e presidente do Estado, Júlio de Castilhos e seus partidários do Partido Republicano Riograndense/PRP, fundaram o jornal A Federação, que se tornou o porta-voz oficial das posições do governo. A sede do jornal. em estilo eclético, características da arquitetura positivista, foi inaugurada em 1922 e hoje o bem conservado prédio da esquina das ruas Caldas Junior e Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre, abriga o Museu de Comunicação Hipólito da Costa, homenagem ao patrono da imprensa brasileira.

Na frente do Museu está instalado o Correio do Povo., que, ao surgir em 1895  tentou romper com a polarização reinante, apresentando-se como “Independente, nobre e forte (...) que não é órgão de nenhuma facção partidária”, conforme o primeiro editorial, assinado pelo seu diretor, Caldas Junior.  

A Federação chegou a competir com o Correio do Povo, autointitulando-se o jornal de maior circulação no Estado. Circulação interrompida em 1932, com o advento do Estado Novo, que aboliu os partidos e decretou fechamento de vários jornais. Entre eles estava também O Estado do Rio Grande, órgão oficial do Partido Libertador/PL, de Raul Pilla. Criado em 1929, o jornal do PL na opinião do professor Antonio Hohlfeldt foi “o último jornal que se pode classificar como político-partidário, em sentido estrito”.

Corte no tempo e no espaço, chegamos aos anos 1940/50 e a dois casos notórios de jornais engajados em âmbito nacional. Primeiro com a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, que, nasceu em 1949 com a cara do dono:  combativa, corajosa, panfletária, como porta-voz da União Democrática Nacional/UDN, contrária ao governo de Getúlio Vargas. O atentado da rua Toneleros, em 1954, que visava calar Lacerda, mas acabou vitimando o major Rubenz Vaz, da FAB,  levou, na sequência, ao suicídio do presidente, episódios marcantes na história do país com a participação da Tribuna.

Para fazer frente à imprensa oposicionista, Vargas incentivara a criação em 1951 da Última Hora, de Samuel Wainer, que, nas palavras de seu fundador, era “um jornal de oposição à classe dirigente e a favor de um governo”. O governo de Vargas, é claro. Inovando em termos técnicos e gráficos, a Última Hora teve edições em várias capitais, entre as quais Porto Alegre, sendo sucedida pela Zero Hora, após o golpe de 1964, mas sem o vigor combativo do jornal de Wainer. 

Leonel Brizola deve ter se inspirado em Vargas e  também investiu num veículo impresso para asfaltar sua candidatura à Prefeitura de Porto Alegre. E criou o Clarin, que circulou por um ano, de fevereiro de 1955 a fevereiro de 56. O Clarin era ligado ao  partido de Brizola, o Partido Trabalhista Brasileiro/PTB, mas apresentava informações gerais, formou jornalistas de respeito e competia com a Folha da Tarde, pois era vespertino. 

Hoje o cenário da mídia é de uma profusão de portais. blogs e influencers , alinhados à direita e à esquerda, assumindo cada vez mais espaços antes dominados pela chamada mídia tradicional. Esta oscila ao sabor das conveniências e das benesses, em forma de gordos patrocínios do governo da hora. Registre-se também a opção preferencial pela opinião, customizadas em cada veículo e em detrimento da informação, já que as notícias são tão perecíveis, tão iguais no tratamento recebido que quase viram comodities. Bancadas de comentaristas se revezam nas programações ao vivo, opinando sobre tudo e sobre todos, muitas vezes com várias participações sobre variados temas da hora, revelando uma admirável capacidade de se reinventar. 

E é nos comentários que se sobressaem muitos profissionais alinhados com essa ou aquela ideologia, as vezes de forma indisfarçável, sob as blindagem de “é a minha opinião” e para além da orientação editorial da empresa. Nas redações, em anos eleitorais cresce o alinhamento de repórteres e editores infiltrados à serviço de causas que vão contra os ditames do bom jornalismo.

Um caso à parte é o da imprensa esportiva. Houve um tempo em que, pelo menos aqui no RS, era pecado mortal o cronista esportivo ser identificado com este ou aquele clube. Hoje, comentaristas e repórteres, nem todos com formação jornalística, mas plenamente identificados com o Grêmio ou o Inter, são badalados como atrações pelas emissoras dedicadas à cobertura esportiva.

Após esse levantamento histórico, sem qualquer pretensão acadêmica,  me permito humildemente a duas conclusões: é da natureza da imprensa o engajamento, em boas causas ou nem tanto; e prefiro a imprensa declaradamente engajada, porque sei com quem estou tratando, do que os falsos  isentos, que mudam de posição de acordo com as circunstâncias. 

*Texto incluído no livro ENTRE UM GOLE E OUTRO, O RETORNO, que terá sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre dia 11/11, às 18 h.