quarta-feira, 18 de maio de 2022

Quatro historias reais e uma futurista

*Publicada em coletiva.net em 16/05/2022

Ceia noturna

Já era madrugada quando a jovem senhora perguntou:

- Vocês não estão com fome?

O cunhado lembrou que havia comprado pão e frios antes de vir a esse encontro. Foi até o carro e buscou as compras para saciar a fome do pequeno grupo.

Os sanduíches improvisados foram servidos e desfrutados quase como um ritual. Havia tristeza no ar, mas o inusitado de tudo acabou por provocar altas gargalhadas, quando se deram conta que estavam na capela mortuária do cemitério,

- Gente, que vergonha, nosso irmão está sendo velado e vocês ficam aí, de risadas,- censurou a irmã mais velha,

A frente deles, no esquife, o corpo inerte do irmão testemunhou a ceia cemiterial.

A consulta

Conhecido publicitário gaúcho chega à portaria do prédio onde funciona a clínica ginecológica, potencial cliente da premiada agência.

- O senhor tem consulta marcada com a doutora?-  pergunta o porteiro.

- Sim,- responde o publicitário e faz um ar afetado.

Depois das tratativas negociais com a futura cliente, o publicitário sai do elevador capengueando, simulando ter sofrido um exame na clínica ginecológica.

- Tudo bem com o senhor, doutor?- arriscou perguntar o porteiro, solidário.

- Tudo bem, só que o exame da doutora é muito invasivo. Mas resisti bem. Obrigado e boa tarde.

A cara de espanto do porteiro merecia uma foto.

Universo paralelo

Sempre que chegava ao motel  a primeira providencia do parceiro era ligar no canal de sacanagem, também conhecido por Canal Adulto.

O hábito não correspondia a atenção ao que se desenrolava na tela, nem mesmo servia de estimulo porque os roteiros dos filminhos eram sempre os mesmos e já praticavam todos. Por isso, só o que repercutia no quarto à meia luz era o arfar do casal de atores durante a transa.

Já eles procuravam variar e não havia limites para a pegação. Naquela noite, porém, o inusitado aconteceu.  Logo após as preliminares, no inicio das variadas posições, nenhum gemido mais se ouviu na TV. A quebra da rotina do ambiente chegou ao casal na cama, que parou com toda a movimentação, justo no momento em que haveria uma troca de posição.

- Que quê houve,- perguntou a moça.

- Este silêncio não é normal,- respondeu o acompanhante.

Os olhares dirigiram-se então para a TV e viram surpresos aqueles que seriam suas réplicas na telinha, parados, retribuindo o olhar e ainda embasbacados com  o que acontecia na cama em frente à TV.  Não por pudor, mas por instinto, a moça no motel logo puxou o lençol para esconder a nudez.  “Isso não pode estar acontecendo”, falou baixinho, como se tivesse receio de ser ouvida na TV,

A cena durou alguns segundos, tempo suficiente para o casal do pornô, passada aquela espécie de constrangimento, voltar à atividade. Agora, visivelmente. imitavam a movimentação que os  havia embasbacado.

O casal do mundo real, com a  animação recuperada, também voltou a lascivia na cama, depois que o homem tentou explicar o que acabaram de assistir.

- Isso deve ser coisa desse tal de metaverso, multivero, sei lá. Vamo nóis, amor, agora vira...

Fim de semana na fazenda

Sempre que passava à caminho da fazenda lá para as bandas da Fronteira, o bem sucedido empresário, já descasado mas ativo e operante, chegava no sortido bolicho e pedia um pacote de erva mate e dois preservativos “para o fim de semana” .

A atendente, bela como só as fronteiriças sabem ser, sempre indagava sobre o tamanho dos preservativos pedidos pelo “doutor”  da cidade. E sempre ouvia mesma resposta, que sempre provocava um risinho nela: “Extra grande, por gentileza”

Tantas vezes se deu essa interação que um dia a fronteiriça não resistiu e seguiu junto com o empresário para conferir se “era tudo aquilo”.

A estratégia dele, afinal, dera o resultado esperado, mas nenhuma das partes revelou os detalhes daquele encontro no fim de semana.  Mas deve ter agradado a ambos porque as visitas da moça se repetiram tantas quantas foram as vezes em que o “doutor” passou no bolicho para comprar erva mate e camisinhas GG.

O cronista e a senhorinha

O festejado cronista foi interrompido na sua caminhada matinal pela sorridente senhorinha, também adepta das andadas ao ar livre.

- O senhor não é o Fulano? - perguntou.

- Sim, eu mesmo, - respondeu o escriba e já se empertigou à espera dos elogios aos seus textos publicados em jornal de grande circulação.

- Eu achei que era, mas estava em dúvida, ai resolvi perguntar.

Ficou aquele átimo de tempo em que o cronista aguardou  os elogios que não vieram.

- O senhor trocou um pneu pra mim, tempos atrás. Sou muito agradecida.

Sem esconder a frustração pelo desfecho do encontro, o cronista pensou lá com seus botões.

- Pelo menos isso pode dar uma boa crônica.

E foi concluir sua caminhada, intempestivamente interrompida.

 

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