*Publicada em coletiva.net em 16/05/2022
Ceia
noturna
Já era madrugada quando a jovem senhora perguntou:
- Vocês não estão com fome?
O cunhado lembrou que havia comprado pão e frios antes
de vir a esse encontro. Foi até o carro e buscou as compras para saciar a fome
do pequeno grupo.
Os sanduíches improvisados foram servidos e desfrutados
quase como um ritual. Havia tristeza no ar, mas o inusitado de tudo acabou por
provocar altas gargalhadas, quando se deram conta que estavam na capela
mortuária do cemitério,
- Gente, que vergonha, nosso irmão está sendo velado
e vocês ficam aí, de risadas,- censurou a irmã mais velha,
A frente deles, no esquife, o corpo inerte do irmão
testemunhou a ceia cemiterial.
A
consulta
Conhecido publicitário gaúcho chega à portaria do
prédio onde funciona a clínica ginecológica, potencial cliente da premiada agência.
- O senhor tem consulta marcada com a doutora?- pergunta o porteiro.
- Sim,- responde o publicitário e faz um ar afetado.
Depois das tratativas negociais com a futura
cliente, o publicitário sai do elevador capengueando, simulando ter sofrido um
exame na clínica ginecológica.
- Tudo bem com o senhor, doutor?- arriscou perguntar
o porteiro, solidário.
- Tudo bem, só que o exame da doutora é muito
invasivo. Mas resisti bem. Obrigado e boa tarde.
A cara de espanto do porteiro merecia uma foto.
Universo
paralelo
Sempre que chegava ao motel a primeira providencia do parceiro era ligar
no canal de sacanagem, também conhecido por Canal Adulto.
O hábito não correspondia a atenção ao que se
desenrolava na tela, nem mesmo servia de estimulo porque os roteiros dos
filminhos eram sempre os mesmos e já praticavam todos. Por isso, só o que
repercutia no quarto à meia luz era o arfar do casal de atores durante a transa.
Já eles procuravam variar e não havia limites para a
pegação. Naquela noite, porém, o inusitado aconteceu. Logo após as preliminares, no inicio das
variadas posições, nenhum gemido mais se ouviu na TV. A quebra da rotina do
ambiente chegou ao casal na cama, que parou com toda a movimentação, justo no
momento em que haveria uma troca de posição.
- Que quê houve,- perguntou a moça.
- Este silêncio não é normal,- respondeu o
acompanhante.
Os olhares dirigiram-se então para a TV e viram
surpresos aqueles que seriam suas réplicas na telinha, parados, retribuindo o
olhar e ainda embasbacados com o que
acontecia na cama em frente à TV. Não
por pudor, mas por instinto, a moça no motel logo puxou o lençol para esconder
a nudez. “Isso não pode estar
acontecendo”, falou baixinho, como se tivesse receio de ser ouvida na TV,
A cena durou alguns segundos, tempo suficiente para o
casal do pornô, passada aquela espécie de constrangimento, voltar à atividade.
Agora, visivelmente. imitavam a movimentação que os havia embasbacado.
O casal do mundo real, com a animação recuperada, também voltou a lascivia
na cama, depois que o homem tentou explicar o que acabaram de assistir.
- Isso deve ser coisa desse tal de metaverso,
multivero, sei lá. Vamo nóis, amor, agora vira...
Fim
de semana na fazenda
Sempre que passava à caminho da fazenda lá para as
bandas da Fronteira, o bem sucedido empresário, já descasado mas ativo e
operante, chegava no sortido bolicho e pedia um pacote de erva mate e dois
preservativos “para o fim de semana” .
A atendente, bela como só as fronteiriças sabem ser,
sempre indagava sobre o tamanho dos preservativos pedidos pelo “doutor” da cidade. E sempre ouvia mesma resposta, que
sempre provocava um risinho nela: “Extra grande, por gentileza”
Tantas vezes se deu essa interação que um dia a
fronteiriça não resistiu e seguiu junto com o empresário para conferir se “era
tudo aquilo”.
A estratégia dele, afinal, dera o resultado
esperado, mas nenhuma das partes revelou os detalhes daquele encontro no fim de
semana. Mas deve ter agradado a ambos
porque as visitas da moça se repetiram tantas quantas foram as vezes em que o “doutor”
passou no bolicho para comprar erva mate e camisinhas GG.
O
cronista e a senhorinha
O festejado cronista foi interrompido na sua
caminhada matinal pela sorridente senhorinha, também adepta das andadas ao ar
livre.
- O senhor não é o Fulano? - perguntou.
- Sim, eu mesmo, - respondeu o escriba e já se
empertigou à espera dos elogios aos seus textos publicados em jornal de grande
circulação.
- Eu achei que era, mas estava em dúvida, ai resolvi
perguntar.
Ficou aquele átimo de tempo em que o cronista
aguardou os elogios que não vieram.
- O senhor trocou um pneu pra mim, tempos atrás. Sou
muito agradecida.
Sem esconder a frustração pelo desfecho do encontro,
o cronista pensou lá com seus botões.
- Pelo menos isso pode dar uma boa crônica.
E foi concluir sua caminhada, intempestivamente
interrompida.
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