sexta-feira, 27 de maio de 2022

Ao David, com carinho

*Publicado em coletiva.net nesta data.

Um querido companheiro de jornadas pretéritas, bom de escrita mas nem tanto na avaliação de contextos, consulta sobre como atender ao pedido de um comum amigo para que prefacie o aguardado livro sobre suas vivências profissionais. É preciso deixar claro que não sou especialista em prefácios, mas já cometi  alguns, de autores mais chegados, que se arriscaram em receber um texto que poderia não atender as suas expectativas. Não houve devoluções, porém.

Lembro que o primeiro prefácio foi para o livro Pisando na Bola, estréia literária, nos idos de 1986, do de então repórter João Bosco Vaz. Em uma demasia do Bosco,  dividi a prefaciação como ninguém menos do que o professor Ruy Carlos Ostermann.  No texto, comparei os cronistas esportivos e os jogadores como operários da palavra e da bola. Quis fazer uma firula e usei, no original enviado à editora, uma frase que continha a expressão “figura mítica” que, na publicação, virou “figura mística”. Nada a ver, mas até que encaixou no texto.

Para o jornalista Auber Lopes de Almeida, que viria a ser meu editor na Farol3, prefaciei o Memórias de Uma Vida Hilária, destacando uma das nossas afinidades, a crônica. Ao amigo de infância Léo Ustárroz, engenheiro que se revelou um inspirado escritor, fiz a apresentação  de  Resgate em Pamplona e, claro, apelei para a nostalgia da nossa juventude no bairro Petrópolis.

Os prefaciadores dos meus livros foram bem escolhidos, modéstia a parte. E todos generosamente aceitaram e capricharam na missão.  Começa em Crônicas da Mesa ao Lado pelo companheiro da saudosa confraria da Caveira Preta, o David Coimbra, já consagrado na época, só que  ainda não era o titular da celebrada ultima página da ZH; passou depois por escritores talentosos como o Gustavo Machado em A Maldição de Eros, pelo  ex-patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, Dilan Camargo em Duetto , pelo mais literário dos nossos gastrônomos, o José Antonio Anoymus Gourmet na obra conjunta Confraria 1523 e chega aos neo-cronistas que invejo (se eles concordarem com  a definição) Léo Iolovitch em Quando Eu Fiz 69 e o Paulo Motta, em Agora já Posso Revelar. Paulo Motta, aliás, que lançou na última semana seu terceiro livro, de saborosas crônicas, O Rei de Bulhufas, no caso, ele mesmo.

Todos cumpriram em seus textos – não houve pressão minha, é importante esclarecer - as mesmas recomendações que passei ao meu amigo inseguro quanto a linha a dar ao prefácio solicitado. Elas se resumem  a dois tópicos básicos: não queira brilhar mais do que o autor da obra e não economize nos elogios, mesmo que insinceros,  para que, assim, sirvam de afago ao ego do pessoal metido a literato. Afinal, é isso o que se espera do prefaciador e que interessa ao prefaciado. .

*Este texto já estava pronto para a coluna de segunda-feira, quando veio a triste noticia da morte do David Coimbra. Troquei apenas o titulo para fazer aqui, novamente, minha homenagem e meu agradecimento, mesmo póstumos, a ele, que tão gentil e prontamente atendeu ao meu pedido para prefaciar o Crônicas da Mesa ao Lado, texto que me permito reproduzir. Ao David, com carinho: 

Desde os tempos da Caveira Preta

A primeira reunião da Confraria da Caveira Preta ocorria  sempre no verão. Naquele encontro inaugural da temporada, realizado em algum restaurante de Porto Alegre, votávamos nos que iam morrer durante o ano. Fazíamos listas de possíveis mortos gaúchos, brasileiros e internacionais. Os gaúchos valiam mais pontos. Quem “matasse” mais gente até o final do ano, ganhava um jantar de graça.


Claro que a nossa intenção não era “secar” ninguém, nem havia maldade nas escolhas (ou será que havia?). A ideia era apenas nos reunirmos para dar risadas. E dávamos risadas, muitas, sobretudo por causa da verve do presidente eterno da Confraria, o Flávio Dutra.


Ele chegava com aquele seu sorrisinho irônico de Monalisa, com aquela sua fala suave de Verissimo, sentava-se, pedia um chope e pontuava a conversa. Cada observação do Flávio Dutra rendia uma gargalhada geral. Era sempre uma observação de viés, uma sacanagenzinha, um cutucão inesperado.


O mesmo espírito, exatamente o mesmo espírito, o malandro do Flávio Dutra imprimiu em seu livro Crônicas da Mesa ao Lado, que tive o prazer de ler antes de você. Cheguei a me emocionar ao ler, porque era como se estivesse de novo na mesa da Confraria, bebendo e rindo com os amigos, ouvindo as blagues do Flávio Dutra. Algumas crônicas eu gostaria de ter escrito e até vou confessar agora: talvez faça plágio não autorizado de umas e outras. Sem lhe dar o crédito, evidentemente. Quando fizer, você vai identificar: “Ah, esse é um Flávio Dutra legítimo!” E eu ficarei feliz. Será um dos maiores elogios que você poderá me fazer.

 David Coimbra, jornalista e escritor

 

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