*Publicado em coletiva.net nesta data.
Um querido companheiro de jornadas pretéritas, bom de escrita mas nem tanto na avaliação de contextos, consulta sobre como atender ao pedido de um comum amigo para que prefacie o aguardado livro sobre suas vivências profissionais. É preciso deixar claro que não sou especialista em prefácios, mas já cometi alguns, de autores mais chegados, que se arriscaram em receber um texto que poderia não atender as suas expectativas. Não houve devoluções, porém.
Lembro que o primeiro
prefácio foi para o livro Pisando na Bola, estréia literária, nos idos de 1986,
do de então repórter João Bosco Vaz. Em uma demasia do Bosco, dividi a prefaciação como ninguém menos do
que o professor Ruy Carlos Ostermann. No
texto, comparei os cronistas esportivos e os jogadores como operários da
palavra e da bola. Quis fazer uma firula e usei, no original enviado à editora,
uma frase que continha a expressão “figura mítica” que, na publicação, virou
“figura mística”. Nada a ver, mas até que encaixou no texto.
Para o jornalista Auber
Lopes de Almeida, que viria a ser meu editor na Farol3, prefaciei o Memórias de
Uma Vida Hilária, destacando uma das nossas afinidades, a crônica. Ao amigo de
infância Léo Ustárroz, engenheiro que se revelou um inspirado escritor, fiz a
apresentação de Resgate em Pamplona e, claro, apelei para a
nostalgia da nossa juventude no bairro Petrópolis.
Os prefaciadores dos
meus livros foram bem escolhidos, modéstia a parte. E todos generosamente
aceitaram e capricharam na missão.
Começa em Crônicas da Mesa ao Lado pelo companheiro da saudosa confraria
da Caveira Preta, o David Coimbra, já consagrado na época, só que ainda não era o titular da celebrada ultima
página da ZH; passou depois por escritores talentosos como o Gustavo Machado em
A Maldição de Eros, pelo ex-patrono da
Feira do Livro de Porto Alegre, Dilan Camargo em Duetto , pelo mais literário
dos nossos gastrônomos, o José Antonio Anoymus Gourmet na obra conjunta
Confraria 1523 e chega aos neo-cronistas que invejo (se eles concordarem
com a definição) Léo Iolovitch em Quando
Eu Fiz 69 e o Paulo Motta, em Agora já Posso Revelar. Paulo Motta, aliás, que
lançou na última semana seu terceiro livro, de saborosas crônicas, O Rei de
Bulhufas, no caso, ele mesmo.
Todos cumpriram em seus
textos – não houve pressão minha, é importante esclarecer - as mesmas
recomendações que passei ao meu amigo inseguro quanto a linha a dar ao prefácio
solicitado. Elas se resumem a dois
tópicos básicos: não queira brilhar mais do que o autor da obra e não economize
nos elogios, mesmo que insinceros, para
que, assim, sirvam de afago ao ego do pessoal metido a literato. Afinal, é isso
o que se espera do prefaciador e que interessa ao prefaciado. .
*Este
texto já estava pronto para a coluna de segunda-feira, quando veio a triste
noticia da morte do David Coimbra. Troquei apenas o titulo para fazer aqui,
novamente, minha homenagem e meu agradecimento, mesmo póstumos, a ele, que tão gentil
e prontamente atendeu ao meu pedido para prefaciar o Crônicas da Mesa ao Lado,
texto que me permito reproduzir. Ao David, com carinho:
Desde os tempos da Caveira Preta
A primeira reunião da Confraria da Caveira Preta ocorria sempre no
verão. Naquele encontro inaugural da temporada, realizado em algum restaurante
de Porto Alegre, votávamos nos que iam morrer durante o ano. Fazíamos listas de
possíveis mortos gaúchos, brasileiros e internacionais. Os gaúchos valiam mais
pontos. Quem “matasse” mais gente até o final do ano, ganhava um jantar de
graça.
Claro que a nossa intenção não era “secar” ninguém, nem havia maldade nas
escolhas (ou será que havia?). A ideia era apenas nos reunirmos para dar
risadas. E dávamos risadas, muitas, sobretudo por causa da verve do presidente
eterno da Confraria, o Flávio Dutra.
Ele chegava com aquele seu sorrisinho irônico de Monalisa, com aquela sua fala
suave de Verissimo, sentava-se, pedia um chope e pontuava a conversa. Cada
observação do Flávio Dutra rendia uma gargalhada geral. Era sempre uma
observação de viés, uma sacanagenzinha, um cutucão inesperado.
O mesmo espírito, exatamente o mesmo espírito, o malandro do Flávio Dutra
imprimiu em seu livro Crônicas da Mesa ao Lado, que tive o prazer de ler antes
de você. Cheguei a me emocionar ao ler, porque era como se estivesse de novo na
mesa da Confraria, bebendo e rindo com os amigos, ouvindo as blagues do Flávio
Dutra. Algumas crônicas eu gostaria de ter escrito e até vou confessar agora:
talvez faça plágio não autorizado de umas e outras. Sem lhe dar o crédito,
evidentemente. Quando fizer, você vai identificar: “Ah, esse é um Flávio Dutra
legítimo!” E eu ficarei feliz. Será um dos maiores elogios que você poderá me
fazer.
David Coimbra, jornalista e escritor
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