*Publicado nesta data em coletiva.net
Um dos princípios
basilares da crônica é que na falta de assunto o assunto tem que
ser a falta de assunto. Todo o escriba
condenado a escrever com prazo fixo e espaço determinado está subordinado a
esse princípio. É inacreditável que haja
uma profusão de assuntos a pipocar ao nosso lado, merecendo uma abordagem desdobrada
no chamado texto escorreito, gostoso de ler e comentar, mas que não se
materializa em crônica se não houver uma interferência cerebral, às vezes por
inspiração divina.
O complicação começa em
encontrar o enfoque que vai mexer e remexer com corações e mentes, ser
assertivo nas suas posições, mas condescendente e judicioso nos julgamentos,
mostrar alguma originalidade, sustentar a
relevância do cotidiano, não abusar dos adjetivos e advérbios, atentar para as redundâncias, mas dar aquele
colorido às frases que serão a base da riqueza do texto e não um amontoado de
parágrafos, meros ocupadores do espaço em branco. Não tem
fórmula pronta, que é mais uma armadilha do que um caminho.
Essa é uma trava tão
recorrente, que recebeu até um nome: Síndrome da Folha em Branco. Como se fosse um
vírus, ela me contaminou quando busquei assunto para a participação semanal em
coletiva.net. A angústia durou até apelar para o princípio que abre esta
crônica.
O Google oferece até
estudos acadêmicos com várias sugestões para superar a dificuldade, mas aí também
falta inspiração e nada do que se lê vai fazer a diferença. Os exemplos são
mais ilustrativos. Consta que sempre que empacava num texto, nosso cronista maior,
Luiz Fernando Veríssimo, apelava para uma rodada de Paciência no computador. Parece que funcionava, junto com o pânico
confesso e acelerador pela proximidade do deadline para entrega do texto. Há
relatos mais dramáticos, como o de um jornalista contando sobre um
critico de música que passou horas tentando passar para a lauda a crítica sobre
uma ópera. Não conseguindo foi até o banheiro e logo se ouviu disparo. Quando
lá chegaram, ele estava morto. Pode ser
mais uma daquelas histórias, de difícil comprovação, que circulam pelas melhores
redações e, às vezes, servem de mote para um cronista sem assunto.
Mesmo
Stephen King admite o terror da página em branco, com o perdão do trocadilho
com o gênero que consagrou o prolixo
escritor. Ele transfere a frustração de enfrentar uma folha vazia a pelo menos
três livros adaptados para o cinema. Um exemplo é O Iluminado, em que o
personagem interpretado por Jack Nicholson começa a escrever um livro e durante
um mês se debate com uma página em branco na máquina. A receita de King para
encarar o bloqueio é “sentar e sair escrevendo”. Simples assim, mas com o
respaldo de um talento de 60 livros publicados que venderam mais de 400 milhões
de cópias e renderam uma fortuna estimada em R$ 2,2 bilhões.
Gostaria
ser bafejado, despretensiosamente com
uma pequeníssima parcela, dessas aptidões para criar enredos, gerar sucesso e
muita grana. Por enquanto, só o que
consegui foi ser vitima também da síndrome, o que não deixa de ser um sinal de
maturidade para este cronista bissexto. A Síndrome da Folha em Branco é para os
fortes.
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