Confesso que tenho uma
inveja danada desse pessoal mais apetrechado intelectualmente que consegue
definir pessoas e situações com uma frase, uma tirada. O ex-deputado Ibsen Pinheiro, um frasista
talentoso, falava de um dos seus tipos inesquecíveis, o Banal Solene, exemplificando com um colega de parlamento e conhecido homem de
comunicação, como ele. O sujeito usava citações do tipo “os rios correm
inexoravelmente para o mar”, uma lição que qualquer criança do nível fundamental já sabe, mas que
dita com a devida formalidade e acompanhada de um advérbio, ganhava uma
conotação de ineditismo e frase de efeito.
Na mesma linha, Flávio Tavares fez uma brilhante síntese (ZH de 7,8 de
dezembro) sobre os pronunciamentos de nossos mais recentes governantes:
“Lula repetia o óbvio com pompa, Dilma
não completava as frases ou ideias, Temer rebuscava tolos lugares-comuns.”
Faço essa introdução
sobre os ardis que a maior ferramenta que possuímos, a palavra, pode mostrar a
propósito de um livro que encontrei num balaio na Feira do Livro de Porto Alegre. O título
já diz
tudo: “38 estratégias para vencer qualquer debate’, com o subtítulo “A arte de ter razão”. Trata-se de uma preciosidade, com métodos e truques na arte de usar as palavras na
argumentação, escrito por Arthur
Schopenhauer, filósofo alemão que viveu entre 1788 e 1860. Mais de dois séculos
depois, a obra se mantém atual como nunca e poderia servir de manual para
qualquer campanha eleitoral moderna, ou
como afirma o linguista alemão Karl Otto Erdmann (1858-1931) na apresentação do
livro “ (...) até mesmo em discussões
acadêmicas nos deparamos hoje com os mesmos truques utilizados há
séculos”, muitos deles remontando aos
escritos de Aristóteles (384 AC - 322 AC), sempre citado pelo autor. Partindo desses escritos, Schopenhauer
desenvolve sua Dialética Erística, a arte de discutir de modo a ter razão.
Aqui vão algumas das
estratégias elencadas pelo filósofo alemão. São aparentemente simples, mas
diretamente eficazes para vencer debates.
Estratégia 9: “Disfarce
seu objetivo final”, de forma que o oponente não saiba aonde você quer chegar e
não possa se precaver.
Estratégia 20: “Não
arrisque num jogo ganho”, se as premissas foram aceitas pelo oponente, não
buscar nova confirmação, mas apresentá-las como verdades absolutas.
Estratégia 28: “Ganhe a
simpatia da audiência e ridicularize o adversário”, aplicável especialmente
quando pessoas cultas discutem diante de
uma plateia leiga.
Algumas estratégias são
auto explicáveis como as de numero 29 –“ Não se importe em fugir do assunto se
estiver a ponto de perder” – ou a 36 -
“Confunda e assuste o oponente com palavras complicadas.”
A cada uma das
estratégias corresponderia um exemplo no
atual momento politico brasileiro ou em episódios recentes, como a 32, que os editores do livro
no Brasil (Faro Editorial) escolheram para ilustração. O enunciado é “ Cole um
sentido ruim na proposta do outro” e o
exemplo é o ataque do então candidato
Bolsonaro, com a ideia do Kit
Gay, à campanha do Ministério da Educação para combater a homofobia. A pregação amedrontou a
população mais conservadora e
desinformada e, como resultado, conseguiu que vários políticos deixassem de
apoiar o projeto.
O rol de dissimulações e
pragmatismo do livro de Schopenhauer se encerra com esta pérola na estratégia
38: “Como último recurso parta para o ataque pessoal”, bem assim, no melhor
estilo Olavo de Carvalho, deixando de lado o assunto em discussão (porque ali o
jogo está perdido) para atacar de forma ofensiva e rude o adversário como
última esperança de vencer o confronto. O autor ressalta que se trata de um
truque muito apreciado, pois pode e costuma ser usado por qualquer um, por isso
assume como única regra segura contrária aquela que Aristóteles (sempre ele) apresentou
no último capítulo dos Tópicos: não
discuta com o primeiro que aparecer, mas só com quem tem conhecimento
suficiente para não dizer coisas absurdas, que dispute com argumentos e não com
afirmações de força e que valorize a verdade.
Pelo visto, Schopenhauer
e Aristóteles não tinham nada de banal nem de solenes. O meu exemplar de as “38
estratégias para vencer qualquer debate” já está reservado para o candidato que
pretendo apoiar na próxima eleição.