* Publicada em 29/06 em coletiva.net
Como o futebol está vivendo de saudade resolvi vasculhar o baú da memória e resgatar uma situação que se
repetiu com seleção a brasileira em Copas do Mundo. Batizarei o caso de O
Grande Ausente.
Começo por Tesourinha, o craque gaúcho que brilhou na dupla Grenal e no Vasco, mas fjcou de fora da Copa de 1950 por causa de uma
grave lesão nos meniscos. Até hoje resiste a dúvida: o resultado do Brasil
naquela Copa seria outro com a presença em campo do talentoso Tesourinha? O
tempo é o senhor da razão, mas neste caso a dúvida ficará para todo o sempre.
Na Copa de
58, outro ponteiro poderia assumir a função de “o grande ausente”. O genial
Garrincha era considerado irresponsável e sem condições de vestir a camisa
amarela, porém, a pressão dos companheiros de time sobre a comissão técnica
garantiu a escalação do craque de pernas tortas e também de um menino de 17
anos fadado a ser rei, Pelé. A história,
nunca confirmada, é contada por quem viveu os bastidores daquela seleção. A
verdade é que os dois estrearam juntos e deram show contra a então União
Soviética (2 x 0), depois de um frustrante empate sem gols contra a Inglaterra.
Na Copa
seguinte, no Chile, Garricha e Pelé seriam novamente protagonistas, mas Pelé acabou sendo “o grande ausente” depois de
uma grave contusão no jogo contra a Tchecoslováquia. Garrincha, secundado por
Amarildo, assumiu a condição de grande estrela do Brasil naquela Copa. Em 66, “a grande ausência” foi de organização da então CBD e a
nossa seleção não passou das oitavas-de-final, na Inglaterra.
Na Copa do
Tri, o craque Dirceu Lopes, do Cruzeiro, teria sido “o grande ausente”, mas
vamos combinar que não fez falta num time repleto de foras de séries,
especialmente no meio campo, onde ele atuava. Diferente de Tostão, que quase
não foi ao México devido a uma lesão no
olho esquerdo e que seria, de fato, uma ausência sentida na formação idealizada
por Zagalo.
Já em 1972
a ausência do titular do Tri, Everaldo, na seleção brasileira para a Copa do
Sesquicentenário quase resultou em uma nova versão da Revolução Farroupilha.
Para compensar a desfeita aos gaúchos, a CBF promoveu um jogo que se tornou
memorável: Seleção do RS x Seleção Brasileira. No Beira-Rio lotado nossas
façanhas serviram de modelo pelo menos a todo o país e a Seleção Gaúcha, treinada por Aparício Vianna
e Silva, arrancou um empate em 3 x 3 contra os, na época, indesejáveis
brasileiros.
Corta para 1978 e o registro de uma das maiores e mais injustas burradas de um técnico da
seleção. O jovem Paulo Roberto Falcão já era considerado craque do
Internacional, mas por razões até hoje não explicadas, foi preterido por
Cláudio Coutinho, que preferiu levar à Copa da Argentina o vigoroso e limitado
Chicão, do São Paulo. Como em todos os casos de ausentes, fica a dúvida se com Falcão o resultado do
Brasil seria outro que não o terceiro lugar.
Em 1982, outro jogador da dupla Grenal, o goleiro Leão, em grande
fase no Grêmio, foi inscrito no panteão dos “grandes ausentes”. O técnico Telê
Santana optou por Valdir Peres, do São Paulo, mais fácil de conviver no dia a
dia do que o mala do Leão, mas tecnicamente bem inferior, numa seleção repleta de craques. A bem da
verdade e com o distanciamento histórico a favor, não dá para debitar a Valdir Peres a desclassificação diante da
Itália, de uma seleção que encantou o
mundo, mas nada conquistou.
Vai ver era sina: em 1986 outro jogador do futebol gaúcho e do
Grêmio, que teria vaga garantida na seleção de Telê, ficou fora da Copa.
Renato, que ainda não tinha acoplado o Gaúcho ao nome, foi cortado antes da
viagem ao México. Motivo: ele e o lateral Leandro foram punidos por alegada
indisciplina, ao se atrasarem na volta à concentração. De novo, é difícil dizer
se a qualidade e vitalidade de Renato fariam com que a envelhecida seleção daquela Copa repetisse a conquista de
70 no mesmo México.
Em 1994, na campanha do
Tetra, Edmundo, então no Palmeiras, foi considerado com qualificação para ser “o
grande ausente”, mas a verdade é que não fez falta na campanha do Tetra, nos
EUA. Em 1998 quem poderia ter feito
falta foi Juninho Paulista, em grande
fase no Atlético de Madri, mas recuperado em cima da hora de uma lesão, não foi chamado por Zagalo. Se bem que quem fez falta
mesmo na França foi um Ronaldo em plena forma na final, sem os problemas que apresentou antes do
jogo e que abateram todo o time.
Em 2002, ainda se recuperando de uma grave lesão no joelho, Ronaldo
poderia ser “o grande ausente” e ceder seu lugar para Romário na seleção de
Luíz Felipe Scolari. Não aconteceu nem uma coisa, nem outra. O clamor popular
para a convocação do Baixinho não funcionou e a aposta de Felipão na volta de
Ronaldo deu mais do que certo: ele formou um trio imbatível com Ronaldinho e
Rivaldo e foi o goleador da Copa Japão-Coréia do Sul, coroando a conquista do penta mundial;.
Saltamos para 2010 e na campanha da África do Sul dá para
considerar a não convocação de Neymar, que brilhava no Santos, como inclusa na
categoria dos “grandes ausentes”. Pode ter sido revanche do técnico Dunga
contra o futebol do centro do país por ter preterido tantos gaúchos no passado,
mas aí já vira teoria da conspiração.
Neymar apareceu como o grande personagem da seleção brasileira nas Copas
seguintes. Em 2014, foi “o grande ausente”, em meio à disputa, após a lesão na coluna por conta da joelhada
assassina de um colombiano. Fica a questão: com ele, o vexame dos 7 x 1 para a
Alemanha não teria ocorrido? De novo, vá saber.
Por fim, na Copa da Rússia, nosso craque esteve mais presente nos
memes que debochavam do seu cai-cai, tornando-se, sim, “o grande ausente”
quando a seleção mais precisou do futebol dele, no jogo da eliminação, contra a
Bélgica.
Nesta incursão nostálgica
ao futebol e aos tempos em que militava no jornalismo esportivo, chego aos dias atuais e a uma analogia, constatando que “o grande ausente” não é
único, mas milhares, já
disseminados mundo a fora e em processo de expansão: Sua Excelência o Torcedor.
Nos países onde a bola voltou a rolar e nos que vão retomar à atividade, os
templos do futebol estão e serão vedados
aos seus mais fiéis súditos. Depois da bola, não há nada mais importante no
futebol do que o Torcedor (em caixa altra, de propósito). Porém, o protocolo
ditado pela pandemia mantém ele distante
e aos amantes do esporte só resta torcer para
que o vírus maldito seja expulso
para todo o sempre e que a vida renasça,
intensa, eufórica, bagunçada que seja, voltando
a colorir todos os estádios. E, com fervor, roguemos para que seja logo.