* Publicado nesta data em Coletiva.net
Recebi da
minha irmã Rosa Maria um mimo que estava
perdido nos baús da família: uma carteirinha estudantil do DCE da
UFRGS, do ano de 1971. Lá aparece o
retratinho do jovem sem barba que um dia fui e as informações básicas do
documento, dando conta de que se tratava de um estudante de Jornalismo. Logo vieram as lembranças da minha vida
acadêmica, num período em que as universidades públicas estavam amordaçadas, o
que remete para o momento atual de forte
questionamento sobre a atuação das mesmas por parte do Ministério da Educação.
Por enquanto, vou me limitar ao resgate de
bons momentos, outros nem tanto,
vividos naquele período, e para
isso resgato um texto publicado em
outubro de 2010. Voltaremos.
Foi em 1969, ainda no prédio da Filosofia, que a primeira
turma da nova Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) começou,
deixando de ser Escola de Jornalismo e passando no ano seguinte, com currículo
novo, para o prédio onde funcionava a gráfica da universidade na Ramiro
Barcelos. Os burocratas da academia decidiram unir duas unidades que estavam
perdidas na estrutura universitária da Ufrgs e assim nasceu a Fabico. De um
lado, uma fauna variada que queria ser jornalista e de outro as gurias
bem comportadas, futuras senhoras bibliotecárias. Com duas tribos tão
diferentes convivendo era difícil a integração, mas pelo menos não havia hostilidades.
O interessante é que a cada ano trocava o diretor da Faculdade, revezando-se um
professor da Comunicação e da Biblioteconomia. E aí o curso que estava na
liderança, recebia melhorias em detrimento do outro.
A verdade é que éramos do bem. E um tanto despolitizados,
apesar - ou por causa de – vivermos o período mais fechado da ditadura. Não
lembro de adesões mais expressivas às manifestações estudantis da época. O
pessoal da comunicação parecia mais interessado na Contracultura, que ainda
estava na moda.
Um episódio, entretanto, ficou marcado. Foi quando parte da
turma resolveu dar uma prensa no falecido Aldo Schmidt , suspeito de ser
informante do DOPS, o que ele desmentiu veementemente. Havia essa paranoia
na época, porque a universidade estava infestada de dedos-duros. A
situação foi constrangedora e humilhante para o colega – que dá o
nome a sala de imprensa do Aeroporto Salgado Filho; ainda existe? - e uma das
poucas más lembranças da nossa Fabico de então. E também uma exceção
porque eu era sobrinho do então ministro de Educação, Tarso Dutra, em pleno
regime militar (ele votou pelo AI-5), e jamais me foi cobrado qualquer
posicionamento à esquerda ou à direita e nunca fui hostilizado devido ao
parentesco.
Outro episódio, menos traumático, envolveu este que vos
fala e um jornalista que se tornaria famoso nacionalmente na comunicação e na
política. Sucede que ambos trabalhávamos na mesma empresa e, falando
honestamente, não éramos muito assíduos às aulas. Ao final do semestre, nossas
ausências em determinada matéria eram grave impeditivo para concluirmos a
disciplina. O companheiro, que chefiava o departamento de jornalismo de uma
rádio, convidou-me para fazer um apelo ao professor que vinha a ser, no
período, o diretor da Fabico. Lá fomos nós para a sala do diretor, tentar
passar a conversa no homem. Nem foi muito difícil. O diálogo que se
estabeleceu, com ligeiras alterações, foi assim:
- Professor, como o senhor sabe, eu e o Dutra trabalhamos
na rádio X e tivemos muita dificuldade para assistir as suas aulas. Nós
queríamos saber se tem alguma forma da gente compensar as faltas, fazendo algum
trabalho...
- Não se preocupem , conheço bem o trabalho de vocês e vou
levar isso em consideração. Agora estou precisando de uma ajuda da rádio de vocês.
Temos um projeto de Biblioteca Volante que precisamos divulgar...
O diretor nem precisou completar a frase e já foi atalhado
pelo porta-voz da dupla de infrequentes:
- Pode deixar, amanhã nosso programa de maior audiência vai
fazer uma entrevista com o senhor para divulgarmos esse importante projeto da
nossa Fabico!
No dia seguinte o prometido foi cumprido e, graças à
entrevista, conseguimos ser catapultados para o semestre seguinte. É
bem verdade que a Biblioteca Volante, uma velha Kombi, prestava um bom serviço,
levando livros à periferia – o que diminui meu complexo de culpa.
Parte da turma gostava mesmo era de viajar e ficava um
semestre inteiro percorrendo, como mochileiros, países da América Latina. A
moda era Machu Picchu, no Peru, e coisas do gênero. Em uma dessas jornadas, um
companheiro decidiu sair do armário, assumindo sua homossexualidade. A
iniciação, pelo que soubemos, foi com um estrangeiro, o que provocou protestos
na turma, essencialmente nacionalista e contrariada com aquela preferência por
um parceiro do exterior. E ficou por isso mesmo, até porque o assumido veio
juntar-se a outros dois ou três já incluídos na nossa cota de gays.
E mais não conto. Apesar de insistentes pedidos dos meus
poucos, mas fiéis seguidores, vou frustrá-los omitindo situações que
testemunhei ou me relataram das célebres festas da Fabico. É que temo pela
minha integridade física, uma vez que as pessoas envolvidas estão todas bem
vivas, algumas em posições de projeção. Fico devendo essa.
Semana que vem tem mais.