terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Rescaldos da batalha do WhatsApp


*Publicado em 25/02/2019 no Coletiva.net

Crise séria ou outra trapalhada do governo Bolsonaro? O mais importante do episódio   que resultou na queda do primeiro ministro (não confundir com primeiro-ministro) do novo  governo é o que se pode  depreender dele. Aqui, alguns apontamentos ligeiros:
 - Bolsonaro tem preferencia por  se enredar no WhatsApp.
-  E, afinal,  mensagem é  conversa?
-  Agora é oficial: Globo  e Bolsonaro estão em guerra.
-  A vantagem da Globo é que a guerra tem prazo para terminar:1922.
-  Já tem gente apostando que pode ser até antes.
-  A Folha prestou um serviço a Bolsonaro ao ajudar a defenestrar um ministro que estava incomodando.
-  Idem, a Veja.
- Alguém duvida que foi o Bebianno quem vazou os áudios? 
- Merece o título Vazador Geral da República, que pertencia a Sergio Moro na Lava Jato.
- A diferença entre o  Bebianno e o ministro do Turismo, também envolvido em laranjal, é a trairagem.
- O general Mourão parece estar se divertindo com tudo isso.
- Anotem: o vice vai começar a aparecer  com mais frequência nos telejornais da Globo.
- A esquerda apoiando a Globo, que momento!
- O pior efeito das trapalhadas governamentais é que os  apoios parlamentares  passam a custar mais caro.
- O general porta-voz é muito educado, mas a verdadeira especialidade dele é escapar de perguntas incômodas.
-  Descobriu-se que o PSL pagava mulheres com o fundo partidário, mas não é o  que vocês  estão pensando.
- O vazamento revelou que Bolsonaro é bom de mijada nos auxiliares.
- Os filhos do Lula foram mais espertos que os do capitão: só enriqueceram, sem se meter com apolítica
- No pomar governamental sai a goiabeira da Damares e entra o laranjal do Benianno, mas é tudo abacaxi para  o presidente.
A verdade é que de tédio não se morre na República de Bolsonaro, mas logo o episódio  fica sobrepujado por outro imbróglio provocado pelo próprio governo ou por uma “ameaça” externa. A Venezuela...


terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

"É a Comunicação, seu idiota"


* Publicado nesta data em Coletiva.net

Domingos atrás, no Manhattan Connection,o ex-presidente  Fernando Henrique  Cardoso foi absolutamente didático ao explicar o que o  governo Bolsonaro deveria  fazer para conseguir a aprovação das reformas, especialmente a da Previdência: Comunicação! Comunicação para ganhar o apoio da sociedade antes dos votos  do legislativo, ensinou. E, num raro momento de humildade em se tratando de FHC, revelou que, como pouco  entendia de Economia, seu principal papel como ministro da  Fazenda, quando da  implantação do Plano Real, foi fazer a comunicação das mudanças. Bingo!

Jair Bolsonaro precisaria se inspirar na lição de FHC se quiser levar adiante seu projeto de reformas e os avanços prometidos. Entretanto, o que diferenciou o candidato Bolsonaro dos outros concorrentes na eleição – uma comunicação pontual, curta e direta, que se mostrou extremamente eficaz-  parece faltar ao presidente Bolsonaro. E o que se observa  agora é um bate-cabeça preocupante, denúncias pipocando aqui e ali, idas e vindas, a Damares, o Queiroz, o Bebianno,a intromissão dos  filhos, um excesso de porta-vozes além do general (mais um!) Otávio do Rêgo Barros  e nenhuma politica de Comunicação, a não ser  que acabar com a Bonificação por  Volume,  o BV da Publicidade, e fustigar a Rede Globo sejam os focos dessa a política.

Diferente da  campanha eleitoral, não dá para fazer comunicação governamental só na base das redes sociais, como um Trump tupiniquim. Isso até  pode  funcionar como aviso de pauta e ter reverberação,  mas  o processo vai precisar  da mídia tradicional, dialogar com seus profissionais,  para chegar à sociedade como um todo e assim buscar cotas de boa vontade  e adesões.

Além disso, o próprio presidente deve evitar a  repetição de um erro básico quando energiza  uma fragilizada oposição, respondendo pessoalmente, ou por seus seguidores próximos, às provocações petistas.É tudo que a Gleise e sua turma querem para fomentar um terceiro turno. Sem contar que a  cada  dia amplia  o leque de adversários, disparando contra pesos pesados como a CNBB e o presidente da OAB. Mais desgastes, menos apoios de segmentos importantes.

Governar é  cumprir uma maratona e Bolsonaro ainda nem correu os 100 metros rasos. Ou seja, dá  para  recuperar o tempo perdido, mas  esse processo deve começar logo, antes que o capital de confiança e  esperança conquistado nas urnas, com mais de 57 milhões de votos, se dilua a cada episódio polêmico.
Parafraseando um mote da  campanha de Bill Clinton em 1992 contra Bush pai (“É  a economia, seu idiota!”) e nada a  ver com recente e desastrada manifestação do Faustão (“o idiota que está lá”), vale transformar em mantra bolsonariano o recado: “É a Comunicação, seu idiota!”.



segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Quase convites a um semi-aposentado


*Publicado nesta data em Coletiva.net

Cheguei  a uma fase na vida em que praticamente todos  os  dias recebo intimações  do tipo “precisamos almoçar qualquer hora dessas”,  ou então “temos que tomar um café”, interpelações próprias  a que fica  submetido um semi-aposentado como eu. Os quase convites partem de ex-companheiros  na mesma condição e necessitados de companhia, passa pelos que tem projetos para mostrar e buscam opiniões favoráveis ou uma forcinha junto a alguma instância e chegam até daqueles que  me tiram para guru e estes existem mesmo, não é balaca minha. Todos  merecem minha maior consideração e uma resposta padrão:

- Me convoca. Marca o dia, a hora e o lugar que me apresento.

E fico aguardando ansioso para  que a convocação se confirme, o que dificilmente acontece, diferente das minhas prazerosas confrarias, que ocorrem com a regularidade de um relógio suíço.

É diferente também lá fora e lembro o ocorrido com um companheiro das antigas, momentaneamente exiliado nos Estados  Unidos, que  convidou um novo amigo americano para um “aparece lá em casa”. No dia seguinte, o amigo se apresentou acompanhado da mulher, para pasmo do dono da casa que precisou providenciar comes e  bebes  às pressas.  A lição que o brasileiro aprendeu é que nos  países tidos  como civilizados a cordialidade é pra valer.

Aqui ainda estamos  naquela do brasileiro cordial da boca pra fora. Ele  se manifesta  em todo o seu potencial nas despedidas dos encontros fortuitos. O quase convite reforça os laços de amizade,  é demonstração de intimidade e de reconhecimento entre os  convivas, mesmo que o ágape não se realize.

A classe politica sabe disso e usa e abusa dos cafés da manhã, almoços e jantares quando busca apoio para determinadas questões mais sensíveis ou polêmicas.  Os  conquistadores amorosos também investem nos prazeres da mesa que propiciam as suas parceiras para chegarem aos  prazeres da cama.  Aí já é pragmatismo explicito.

A verdade é que os convites que eu gostaria de receber, sem desfazer das convocações sinceras e que se consumam, são para aquele emprego maravilhoso, ganhando bem e com poucas responsabilidades; ou de um editor generoso disposto a bancar os livros que sazonalmente tento emplacar ou, melhor ainda, daquela caldável que se insinuou mas não dá mais sinal de vida.  Mas  também nestes  casos a efetividade deixa a desejar. Assim, só me resta apelar:  toca, telefone, toca.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Hora da saudade


* Publicada nesta data no Coletiva,net.

Semana passada neste nobre espaço proporcionado pela  Coletiva.net indaguei de que forma determinadas ações viralizavam nas  redes. Usei como exemplo a #10yearchallenge.   A questão permanece sendo um mistério para mim.

Sucede,  porém, que num momento de ociosidade, que, como se sabe, é a mãe  de todas as bobagens, fiz uma provocação no Facebook, apelando para o saudosismo: “Sou do tempo...em  que protetor  solar era conhecido por  bronzeador!”.

Gente, a resposta foi imediata e gerou uma avalanche de  comentários, acrescentando outras lembranças, todas elas  positivas para quem postava, acredito eu. Dei repique com mais  postagens de minhas recordações,  na mesma linha (“Sou do tempo  em que tela grande era Cinemascope”, “... que churrasco era temperado com salmoura”, “...que Biotônico Fontoura era distribuído nos  colégios, junto  com o Almanaque”),  e aí virou uma brincadeira saudável  e de saudades. 

Como minha índole provocativa é  mais  forte que minha veia harmoniosa, fiz duas provocações que renderam. Numa delas insinuei que “era do tempo em que o Fernando Albrecht era estagiário” e o consagrado colunista da  página 3 do Jornal do Comércio aderiu à brincadeira, que rendeu 38  comentários e  95 likes. O José Luis Previdi, intriguento como ele só,  colocou lenha  na fogueira, perguntando “quem era o coroinha do Padre Chagas”, se o Albrecht  ou eu? Os bandalhos da rede adoraram.

Aí resolvi apelar e postei que “era do tempo em que a Globo apoiava os presidentes da República”, que mexeu com o  pessoal apreciador e incentivador de  polêmicas na rede. Falar  mal da Globo sempre dá Ibope, à direita, à esquerda e ao centro.

Mas o que gerou mais participações foi a postagem “sou do tempo das balas  Embaré  e do drops Dulcora”. O pessoal se puxou e trouxe para o presente  suas doces lembranças, da bala Azedinha à gasosa, da quebra-queixo às balas do Brocoió, do Torrão Gaúcho, o bastão de leite e o pirulito chupeta às balas  Mocinho e o chiclete Ploc.  Não faltaram derivações para a Grapette e  seu inesquecível slogam “quem bebe Grapette repete”, tanto assim que é repetido  até  hoje, e desencavaram até a Cirilinha, um refrigerante produzido em Santa Maria. 

No total, foram mais de mil participações nas diversas postagens.

Diante do que considero um fenômeno, minha tese é  de que o  presente está tão chato e  o futuro tão incerto que as pessoas preferem resgatar o passado, onde teriam sido mais felizes, sem as agruras de agora e a preocupação com o amanhã. E ocorre assim apesar de   todas as inovações e comodidades do mundo moderno que, em princípio, deveriam proporcionar  mais qualidade de vida e mais felicidade a todos nós, mas que cobram um alto preço em estresse e desencanto pelo que deixam de entregar. É um paradoxo.

Também é verdade que, nas antigas, era limitada a oferta de produtos, daí que ficava mais fácil fixar  e guardar na  lembrança as poucas marcas que disputavam o mercado, diferente de hoje, quando somos bombardeados por inúmeros  e  variados apelos consumistas.

Vou consultar as psicólogas da família -  são cinco! -  em busca  de respostas mais conclusivas para a questão proposta. Ou então apelarei para o pensamento de Zygmunt Bauman, segundo o  qual vivemos tempos líquidos, tudo  é efêmero e a vida se transformou numa  experiência rápida e sem profundidade, como expressou, com talentosa clareza, nas suas obras Vida Liquida, Amor  Liquido  e Modernidade Liquida.

Autoindulgente que sou, peço sinceras desculpas – está na moda pedir desculpas -  por misturar Facebook, balas Embaré, Biotômico Fontoura e outras prosaicas lembranças  com o avançado pensamento do Bauman.  Mas é que temos para o momento e a forma  que  encontrei para marcar o Dia da Saudade,  que se comemora em 30 de janeiro. Sim, existe o Dia da Saudade, faz parte do calendário oficial de datas do Brasil, mas poucas pessoas sabem ou lembram disso  e a celebração quase ficou na saudade.


segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Sucessos no boteco virtual


* Publicado  nesta data em Coletiva.net.

O que mais me intriga no momento, eu que já rodo por aí há 69 anos, são essas manifestações que de repente viralizam nas mídias e recebem pencas de adesões e  compartilhamentos. Dois exemplos recentes: o sucesso da música Jennifer ( “o nome dela é Jenifer”) e as fotinhos confrontando 2009 e 2019.

Confesso que não sou muito ligado no mercado musical para entender como surge e se firma um sucesso, nem estou aí para julgar  se Jennifer, consagrada como hit do verão, é boa ou ruim.  Tenho gosto eclético e não preconceituoso.  Entretanto, gostaria de compreender a complexidade do processo que leva uma manifestação dessas a se tornar fenômeno de popularidade. 

É o caso também das postagens  que  mostram a evolução - ou involução - de uma situação ou pessoa em 10 anos, hashtag 10yearchallenge. Até gente circunspecta de minhas relações se entregou à brincadeira, com efeitos perversos em alguns casos. O tempo pode ser  cruel no espaço de 10 anos e aquela caldável de 2009 aparece agora com mais pé de galinha que uma canja e o garotão malhado de anos atrás virou um charque velho e barrigudo. 

Deve haver uma Central de Criações e Sacanagens, uma instituição com várias ramificações, por  trás de tudo isso. O lado positivo, se é que  se pode definir como positivo, é  que tais manifestações despertam a incomensurável veia criativa do brasileiro. Manifestei a dúvida porque a criatividade é mais  voltada a promover a safadeza e o deboche, inundando as redes com aquelas bobagens que fazem a alegria de uns e a fúria de outros. De novo, dois exemplos,  ambos da #10yearchallenge: Fernando  Haddad jovial e bonitão em 2009  e  no quadro seguinte, de 2019, em forma de poste; ou o par  de seios, firme e forte em 2009 e caidaço dez anos depois.  

Pelo receio da comparação desfavorável - e porque abomino o  efeito  boiada -, não participo desses movimentos que  se disseminam nas redes. Vale o mesmo para correntes, apelos por causas fajutas, defesa de larápios de todos  os  matizes, etc, etc.   Continuo me indagando, porém, como surgem, se espalham e,  em seguida, altamente perecíveis que são, acabam substituídas por outro tipo de questão e segue o circo. Começo a acreditar  que se trata de um processo em escala industrial para saciar a necessidade das gentes de se acharem incluídas  nos temas da moda e poderem participar de debates candentes nos botecos virtuais em que se transformaram as redes.

Já eu prefiro a leveza e o bom humor nas postagens, mesmo aquelas  interpretadas como politicamente incorretas ou rabugentas. Para quem pensa assim, vai meu melhor e  mais sonoro buuu.
(Mas encerro continuando sem saber como funciona a tal viralização. Aceito explicações. )

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Prazer verdadeiro.

* Publicado em Coletiva.net em 21/01/2018
Os encontros com Ernesto sempre rendem receitas de bons pratos e ótimas indicações de vinhos. Só que não entendia porque o dileto amigo de tantas confrarias insistia em me brindar com as informações gastronômicas, já que ele sabia que no máximo sei fritar ovos, o que dirá produzir os pratos elaborados que ele descreve. Também já cansara de explicar que meus conhecimentos enológicos se resumiam a distinguir os brancos dos tintos, os espumantes dos frisantes e que passo vergonha se tiver que escolher entre um Malbec e um Cabernet, ou entre um Pinot Noir e um Merlot. É bem verdade que não reconheço os chamados vinhos finos, mas meu paladar está treinado para rejeitar os vinhos de baixa qualidade, da mesma forma que um bolsonarista rejeita um lulista e vice versa. Por aí vocês têm uma ideia da dramaticidade da questão nos encontros com o Ernesto.
De tudo isso era sabedor o meu amigo, mas ele insistia em me torturar gastronômica e etilicamente. "Olha recebi um Chardonnay chileno, safra 2015 que é uma beleza. Vai bem com  frango assado ao molho de limão e ervas, ou anéis de lula na manteiga de limão siciliano", ele recitava, sem uma pausa e parecendo salivar enquanto definia a harmonização. Ou, então, "dia desses, preparei pappardelle com gorgonzola, nozes e um belo filé. Advinha com que vinho harmonizei esse jantar dos deuses?" Diante da minha cara de idiota ele completou: "Com um Reserva Carignan, safra 2014, um vinho exuberante e complexo. Magnifique!", exclamou, num francês sem sotaque, embora a origem  do vinho fosse chilena. Na verdade, ele parecia ter na cabeça um manual de harmonização com todos os vinhos de boas cepas e suas melhores companhias à mesa.
Cheguei a pensar que o Ernesto agia assim para me humilhar, em represália a alguma forma de bullyng que eu teria cometido ou consentido na nossa adolescência. Por isso, depois de uma dessas sessões torturantes, decidi pegar pesado com ele, questionando seu modo de agir. Foi então que, de forma quase inaudível, mas não envergonhada, Ernesto confessou a nova fase da sua vida:
- Perdi o interesse "naquilo". Dá muito trabalho, exige muita conversa antes e muita energia depois. E ainda precisa tomar banho no fim, - justificou, enquanto mudava de tom:
- O verdadeiro prazer está na mesa! Bons pratos, acompanhados de vinhos de qualidade. Não tem erro. E diferentemente "daquilo", dá pra variar à vontade, sem culpa, não se corre o risco de traições, podemos dividir os momentos prazerosos com parceiros masculinos e femininos sem provocar maledicências, as preliminares se resumem aos acepipes das entradinhas e a gente consegue repetir o prazer mais de uma vez ao dia, sem precisar de aditivo químico, a não ser o próprio vinho. É tudo de bom! - acrescentou, cheio de entusiasmo.
Quedei-me, por instantes, num silencio obsequioso depois de tais revelações, porque, afinal, passei a entender a motivação do Ernesto nos nossos encontros. De certa forma, compadeci-me da situação do amigo, mas só me ocorreu uma espécie de solidariedade: anunciei que, por coincidência, estava cogitando participar de um desses cursos básicos de vinho, além de me matricular numa escola de gastronomia. A reação do meu amigo foi de exultante aprovação:
- Maravilha. Vais conhecer o prazer verdadeiro, que não está na cama, mas na mesa.
Agora, nossos encontros ganharam uma pauta adicional: a cobrança dele de quando vou me dedicar aos dois cursos. Ou seja, a tortura foi ampliada, mas eu resisto.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Efeito Boiada no verão


* Publicado nesta data em Coletiva.net

Casas na praia, como sítios em zona rural, proporcionam dois prazeres aos seus eventuais proprietários: quando compra e desfruta ao máximo, e quando vende e passa adiante a encrenca e um monte de despesas. Esse é um princípio bem conhecido por quem já viveu a experiência, entre os quais este que vos fala.
Depois de 10 anos investindo em uma morada em Curasal - a pequena praia da Âncora, entre Curumim e Arroio do Sal - uns gringos de Caxias do Sul arremataram a casa e ficaram bem faceiros, enquanto eu, de saída, livrei-me de um IPTU maior do que o de Porto Alegre, mais taxas de água, energia e demais despesas decorrentes da manutenção de uma casa na praia. Detalhe: nos últimos anos, o máximo que aproveitava era uma semana de veraneio. Ou seja, custo altíssimo para pouco benefício.
Não significa que não goste de praia. Até gosto, já gostei mais, é verdade, e assim parece que estou na contramão em relação ao modo de ser da maioria dos gaúchos, que tem fixação em estar junto ao mar. Para comprovar, pesquisa recente da Fecomércio indica que mais de 6,5 milhões de gaúchos, ou metade da população do Estado, querem ir para as praias neste verão. Outro tanto também gostaria de ir, mas certamente não tem recursos, enquanto apenas 2,5% prefere ficar no caldeirão de Porto Alegre,
Deve ser um atavismo com alguma explicação sociológica que foge a minha compreensão. Ainda lembro de uma charge do Iotti, na edição de ZH da virada do ano em 2012, que ilustra bem essa obsessão: na fila formada por uma boiada, um dos animais pergunta: "Mas, afinal, por que todos temos que ir à praia?". Bingo, efeito boiada, é isso que nos move em direção ao território conhecido no Rio Grande como "as praia". Nosso litoral carece de belezas naturais - exceto Torres, que seria um enclave de Santa Catarina no Rio Grande - enquanto sobram desatrativos, se é que existe o termo. 
E, independentemente do tamanho e da origem dos veranistas, os problemas são os mesmos em todos os balneários: crescimento desordenado, infraestrutura precária, serviços públicos que deixam a desejar, atendimento pouco qualificado e por ai vai. Experimente contratar um pedreiro, um pintor, um encanador e você vai ver o que é bom pra tosse. Primeiro ele precisa aparecer no dia marcado, depois utilizar os materiais nas quantidades que ele mesmo indicou, nem o dobro a mais nem a menos e, por fim, entregar o serviço no prazo e na forma como foi acordado. Experimenta, vai.
Mesmo assim, temos uma atração obsessiva para escapar até o litoral. E aí está o outro problema a ser enfrentado: as estradas entupidas, que não dão vencimento ao volume crescente de veículos, sem contar os Fuscas, os Opalas, as Kombis, legados pelo século passado e cujos donos e suas famílias se consideram também filhos de Deus, com direito a salgar o corpitcho e tomar suas Kaisers e caipirinhas à beira mar, em memoráveis farofadas. Os despossuídos, pelo menos, não estão nem aí para as dificuldades, para o chocolatão do mar e o vento Nordestão, para os mercados lotados e os preços abusivos. Como o macaquinho da velha piada, eles querem é gozar. 
Quem reclama mesmo é aquele pessoal que torce o nariz para as chinelagens do nosso litoral e vai pra Santa Catarina. Houve um tempo em que os catarinas, ardilosamente, erigiram uma barreira na altura de Laguna só para atazanar os chatos dos gaúchos que invadiam suas praias paradisíacas, ao mesmo tempo em que faziam a alegria dos repórteres de rádio com seus boletins repetitivos: "... Neste momento, 10 quilômetros de congestionamento no acesso à ponte de Laguna". Mas até isso acabou com a conclusão da nova ponte.
Os gaúchos que reclamam dos acessos às nossas praias é porque não viveram os veraneios pré Freway, Estrada do Mar, Rota do Sol e outras vias alimentadoras. Até a década de 1970 do século passado funcionava assim: o carro lotado saía cedo para a RS 030, também conhecida como Estrada Velha, que vai de Gravataí a Santo Antônio e Osório, e, dali, acessa Tramandaí.  Ou mais ao Sul, pela estrada que passa por Viamão e vai a Cidreira, a RS 040.  Chegava-se aos outros balneários pela Interpraias e onde ela ficava intransitável, nas praias mais ao Norte, o negócio era seguir pela beira mar, cuidando para não atolar nos inúmeros arroios ou na areia mais fofa.
Em compensação, eram tempos menos corridos e o veraneio podia durar um ou até dois meses, o que é impensável nestes tempos competitivos, de escapadas de fim de semana. Desse jeito, não há quem aproveite ou espaireça de verdade, porque o sujeito mal chega à casa da praia e já começa a sofrer pensando na volta. É por isso que não entendo esse boom de condomínios fechados, disseminados por todo o litoral. Há clientela para tudo isso? E qual a vantagem de sair do aperto da cidade para "desfrutar" do aperto no litoral, com espaços confinados, privacidade às favas e a maioria longe da praia? Como na nossa obsessão pelas praias, aqui também não tenho as respostas. 
Agora devo confessar que a porção praieira que ainda habita em mim clama por uma temporada à beira mar. Se me permitem, vou juntar-me à boiada. Litoral gaúcho, vou lhe usar.


segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Reflexões natalinas


* Publicada originalmente em 23/12/2016

Há uma certa melancolia, quase deprê, neste período de festas. Talvez seja pela obrigatoriedade de mostrar felicidade, enquanto a realidade é desanimadora. Culpa também das revisões que o fim de uma etapa impõe e a conclusão de que muito foi sonhado e pouco concretizado e isso vale tanto para a vida pessoal como para o lado profissional.  Se pelo menos os presentes compensassem as frustrações, mas nem isso tem ajudado.

Foi-se o tempo das cestas de Natal repletas de produtos importados, ou das bebidas finas ou, ainda, dos eletrônicos de última geração oferecidos como mimos por clientes e fornecedores. No Jornalismo tal prática é conhecida como “toco”. Escapa ao meu conhecimento a origem da expressão. Talvez represente coisa pequena e o uso  parece ser exclusivo dos jornalistas gaúchos.

Hoje o recebimento dos regalos é visto com restrições ou tratado como folclore, mesmo porque a operação Lava Jato desnudou o toma lá, da cá em nível bilionário.  E, assim, ofertantes e recebedores foram para a retranca, com os toqueiros bagrinhos, aqueles que recebem um misero espumante moscatel ou um panettone, pagando pelos peixes grandes, pós graduados em mamarem nos recursos públicos.

Não estou aqui para lamentar por nenhum deles. Na verdade, quero deixar meu protesto veemente, em nome de todos os capricornianos que fazem aniversário no Natal ou nos dias próximos. Não são poucos, garanto, mas a maioria alega que é discriminada quanto aos presentes, recebendo um que vale por dois devido a coincidência de datas. Por muito tempo fui vitima dessa sovinice, eis que nasci em 6 de janeiro, dia de Reis (mera coincidência), embora  a data seja referencia a chegada dos reis Magos Melchior, Baltasar e Gaspar à gruta de Belém para presentear o Menino Jesus com ouro, incenso e mirra. No  Uruguai a troca de presentes ocorre nesse dia. Mesmo assim, apesar  de  todo esse respaldo bíblico e de tradição, muitas vezes eu ficava sem o  presente de aniversário.

Nem por isso precisei apelar para o divã dos analistas a fim de curar minha frustração por não ser presenteado  e olha que   nem precisava ser ouro, mirra e incenso, bastava um carrinho, uma bola, um joguinho qualquer.


Não vão faltar línguas maldosas para dizer que estou aqui apelando para o coitadismo e  insinuando  a necessidade de ser presenteado no aniversário próximo -  com vinhos importados, espumantes de boa cepa, cervejas  artesanais, camisas azuis de grife, utensílios para churrascos. Não, gente,  não precisa se incomodar. 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A República dos Motoristas


* Publicado  nesta data em Coletiva.net
No Brasil, a assertiva do velho Marx de que a história se repete, a primeira vez como tragédia  e a  segunda como farsa, não é bem assim. Aqui se repete como tragédia, drama, comedia  e, sobretudo, como farsa. E como se repete, repete, repete!

Invoco Marx a propósito da interferência repetitiva dos motoristas na vida brasileira, especialmente no período  da redemocratização. Valeria certamente um estudo acadêmico mais  aprofundado sobre estes profissionais  e a influência deles no curso da história. Não falo dos caminhoneiros  que derrubaram a economia  com a paralisação em maio – foram protagonistas também, apesar  do desserviço prestado -,  mas dos motoristas que tem a responsabilidade do leva e traz  das autoridades.

Um caso notório é  do ex-motorista de Fernando Collor, Eriberto França, que  denunciou  pagamentos indevidos ao  então presidente e isso foi decisivo no processo que resultou no impeachment.



Só que a realidade, às vezes, é cruel, tanto assim que Eriberto, conhecido como “ o motorista que derrubou Collor”, amargou o desemprego por um bom tempo, enquanto o ex-presidente voltou ao Senado e às maracutaias, e tem sido citado com assiduidade na Lava Jato.



Não é motorista, mas mesmo assim merece o registro pelas atitudes que tomou, o caseiro Francenildo  Costa em meio ao escândalo do Mensalão. Ele denunciou os contatos de Antonio Palocci, então ministro da Fazenda de Lula,  com lobistas desejosos de “negociar” com o governo ,  teve seu sigilo bancário quebrado, o que acabou servindo para tornar insustentável a permanência do denunciado no cargo.  



Francenildo  também enfrentou o desemprego, mas, se serve de consolo, Palocci, diferente de Collor, foi encarcerado, se bem que acabou beneficiado agora, depois da delação premiada, com prisão  domiciliar.



Mais recentemente, denúncias de dois motoristas complicam a posse como ministra do Trabalho da deputada  Cristiane Brasil, que descumpriu a legislação trabalhista na relação com os profissionais. A deputada violou uma regra básica: os motoristas, que tudo ouvem e a tudo assistem, são cargos de confiança por excelência e como tal devem ser tratados.



E ganha as manchetes agora a suspeita envolvendo o motorista de Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito. O sujeito, morador de uma casa modesta na periferia do Rio, movimentou mais de R$ 1,2 milhão na sua conta bancária, conforme revelação do atento COAF. Um cheque de R$ 24 mil para a futura primeira dama aproximou  ainda mais Jair Bolsonaro do imbróglio. Até agora as explicações dos envolvidos  revelam um tanto de amadorismo e outro tanto de desfaçatez.



O principal personagem – o motora – até domingo ainda não tinha aparecido para se explicar.  Dependendo dos desdobramentos, o episódio pode ter como inédito efeito na política brasileira uma fragilidade do governo antes mesmo de  assumir. E nem dá pra culpar o motorista, que parece ser mero intermediário nessa malsucedida operação.



Por fim, poderia falar também do papel desempenhado por ex-mulheres, ex-namoradas e ex-amantes nos grandes escândalos nacionais, mas aí é outra história, que também se repete, repete, repete.


domingo, 16 de dezembro de 2018

Identidade seminal


* Publicado em Coletiva.net em 26/11/2018
-Bom dia, seu Júlio.

O cumprimento do rapaz que  circula de bicicleta todas as manhãs em Ipanema é tão previsível como as minhas caminhadas pelo calçadão.  O rapaz era amigo do meu filho, já frequentou minha casa, mas acho que por não desempenhar outra atividade, a não ser pedalar  o dia todo e  todos os dias, criou na sua cabeça, ornada por dreadlocks, uma identidade que não corresponde a do caminhante.

Respondo a ele  como a mesma civilidade, ora com “bom dia”, ora  com um gesto de positivo. É que já estou acostumado a ser vítima e agente de  trocas de nomes.  A cozinheira da firma, por exemplo, pede desculpas  cada vez que me chama de ”seu Sérgio”. Tempos atrás quando trabalhava como comprador de uma instituição, um veterano e formal vendedor de material de escritório alternava, na mesma negociação, propostas ao “senhor  Jorge”, “senhor Cláudio”, “senhor Valter”, além dos  senhores “Júlio”, “Sérgio” e até “Flávio”.  Achava aquilo  tão fantástico que não me atrevia a corrigi-lo.



Sei lá o que Jorge, Cláudio, Valter, Júlio e  Sérgio tem em comum com Flávio.  Talvez porque  sejam nomes curtos, no máximo sete letras, alguns com o mesmo acento na primeira sílaba  e a mesma divisão silábica.  Mas isso não  é salvo conduto para sair por ai trocando o nome que  a dona Thelia, minha santa  mãe,   escolheu para seu querido sexto  filho e cujo significado é singelo, mas tem história: o nome Flávio tem origem a partir  do latim Flavius, que se originou na palavra flavus, que quer dizer “amarelo”, “dourado” ou “louro”, em referência a cor  dos cabelos. O surgimento do nome tem  como base o de uma  família romana, de onde saíram três imperadores, a partir de Tito Flavio Sabino Vespasiano, que deu origem a dinastia conhecida  como “flaviana”. Origem dinástica, por essa nem eu esperava!



O histórico do nome não impede, entretanto, as trocas a que tenho sido submetido e que podem ser castigos para  as que tenho cometido. Um exemplo clássico é saudar o produtor cultural  Esdras Rubin como Wesley Cardias, especialista em marketing, que nem parecidos são. Menos mal que ambos já  revelaram que  não é exclusividade minha essa troca.



Só utilizo o nobre espaço proporcionado pelo Coletiva.net  para tratar de uma questão aparentemente banal e  pessoal porque defendo que reconhecimento e respeito à identidade seminal, no caso o nome de registro,  tem -  ou deveria ter - valor de cláusula pétrea para todos. A  legislação brasileira    prevê a adoção do nome social por travestis e transexuais em substituição ao nome de registro, porque é ao novo nome que a pessoa  se identifica,  uma vez que corresponde ao gênero a que ela aderiu. Porém, daqui a pouco surgirá um movimento para o reconhecimento a algo como Nome Ideológico para satisfazer os que agregaram Lula ou Bolsonaro ao seus nomes. Valeria também para os Guarani-Kaiowa. A Justiça Eleitoral já admite registro de candidaturas com tais composições. Só que essa turma tem mais apreço ao voto do que as suas identidades.



No meu caso, tão grave como a trocas, que não faço por maldade ou desrespeito,  é o branco que me acomete diante de conhecidos, cujo nome me escapa. Chamaria a situação de “Mal da Fila de Autógrafos”, pois se acentua nos lançamentos de livros. Você divisa aquele velho conhecido chegando cada vez mais perto  para receber os seus garranchos no livro que ele gentilmente adquiriu e o nome não vem à memória.  Na recente sessão de autógrafos de “A Maldição de Eros”  ocorreu uma situação  dessas com uma figura  querida e conhecidíssima e nada de lembrar o nome. Fui  providencialmente socorrido por um  casal amigo  que teve a feliz ideia de cumprimentá-lo pelo nome, antes que  aportasse  em mim.



Agora  estou me policiando  e criando estratégias para não cometer mais gafes ou esquecimentos. Garanto  que vou mudar ou não me chamo mais Júlio Sergio Claudio Valter Jorge Flávio Vieira Dutra,.



*Por curiosidade  registro do significado dos outros nomes aqui mencionados. Jorge, na origem, significava agricultor;  Valter, poderoso guerreiro; Júlio, pessoa jovem: Claudio, coxo, manco, daí o termo “claudicante”; Sérgio, protetor. Olha, confesso que só trocaria meus dourados pela juventude do Júlio, o que talvez absolva o rapaz da bicicleta. Vá que ele ache o veterano aqui nem tão veterano!