* Publicado em Coletiva.net em 26/11/2018
-Bom dia, seu Júlio.
O cumprimento do rapaz
que circula de bicicleta todas as manhãs
em Ipanema é tão previsível como as minhas caminhadas pelo calçadão. O rapaz era amigo do meu filho, já frequentou
minha casa, mas acho que por não desempenhar outra atividade, a não ser
pedalar o dia todo e todos os dias, criou na sua cabeça, ornada
por dreadlocks, uma identidade que não corresponde a do caminhante.
Respondo a
ele como a mesma civilidade, ora com “bom
dia”, ora com um gesto de positivo. É
que já estou acostumado a ser vítima e agente de trocas de nomes. A cozinheira da firma, por exemplo, pede
desculpas cada vez que me chama de ”seu
Sérgio”. Tempos atrás quando trabalhava como comprador de uma instituição, um
veterano e formal vendedor de material de escritório alternava, na mesma
negociação, propostas ao “senhor Jorge”,
“senhor Cláudio”, “senhor Valter”, além dos
senhores “Júlio”, “Sérgio” e até “Flávio”. Achava aquilo
tão fantástico que não me atrevia a corrigi-lo.
Sei lá o que
Jorge, Cláudio, Valter, Júlio e Sérgio
tem em comum com Flávio. Talvez
porque sejam nomes curtos, no máximo
sete letras, alguns com o mesmo acento na primeira sílaba e a mesma divisão silábica. Mas isso não
é salvo conduto para sair por ai trocando o nome que a dona Thelia, minha santa mãe, escolheu para seu querido sexto filho e cujo significado é singelo, mas tem
história: o nome Flávio tem origem a partir
do latim Flavius, que se originou na palavra flavus, que quer dizer
“amarelo”, “dourado” ou “louro”, em referência a cor dos cabelos. O surgimento do nome tem como base o de uma família romana, de onde saíram três
imperadores, a partir de Tito Flavio Sabino Vespasiano, que deu origem a
dinastia conhecida como “flaviana”. Origem
dinástica, por essa nem eu esperava!
O histórico do nome não impede,
entretanto, as trocas a que tenho sido submetido e que podem ser castigos
para as que tenho cometido. Um exemplo
clássico é saudar o produtor cultural Esdras Rubin como Wesley Cardias, especialista
em marketing, que nem parecidos são. Menos mal que ambos já revelaram que
não é exclusividade minha essa troca.
Só utilizo o nobre espaço proporcionado
pelo Coletiva.net para tratar de uma
questão aparentemente banal e pessoal
porque defendo que reconhecimento e respeito à identidade seminal, no caso o
nome de registro, tem - ou deveria ter - valor de cláusula pétrea
para todos. A legislação brasileira já
prevê a adoção do nome social por travestis e transexuais em
substituição ao nome de registro, porque é ao novo nome que a pessoa se identifica, uma vez que corresponde ao gênero a que ela
aderiu. Porém, daqui a pouco surgirá um movimento para o reconhecimento a algo
como Nome Ideológico para satisfazer os que agregaram Lula ou Bolsonaro ao seus
nomes. Valeria também para os Guarani-Kaiowa. A Justiça Eleitoral já admite
registro de candidaturas com tais composições. Só que essa turma tem mais
apreço ao voto do que as suas identidades.
No meu caso, tão
grave como a trocas, que não faço por maldade ou desrespeito, é o branco que me acomete diante de
conhecidos, cujo nome me escapa. Chamaria a situação de “Mal da Fila de
Autógrafos”, pois se acentua nos lançamentos de livros. Você divisa aquele
velho conhecido chegando cada vez mais perto
para receber os seus garranchos no livro que ele gentilmente adquiriu e
o nome não vem à memória. Na recente
sessão de autógrafos de “A Maldição de Eros”
ocorreu uma situação dessas com
uma figura querida e conhecidíssima e
nada de lembrar o nome. Fui
providencialmente socorrido por um
casal amigo que teve a feliz
ideia de cumprimentá-lo pelo nome, antes que
aportasse em mim.
Agora estou me policiando e criando estratégias para não cometer mais
gafes ou esquecimentos. Garanto que vou
mudar ou não me chamo mais Júlio Sergio Claudio Valter Jorge Flávio Vieira
Dutra,.
*Por curiosidade registro do significado dos outros nomes aqui
mencionados. Jorge, na origem, significava agricultor; Valter, poderoso guerreiro; Júlio, pessoa
jovem: Claudio, coxo, manco, daí o termo “claudicante”; Sérgio, protetor. Olha,
confesso que só trocaria meus dourados pela juventude do Júlio, o que talvez
absolva o rapaz da bicicleta. Vá que ele ache o veterano aqui nem tão veterano!
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