* Publicado nesta data em Coletiva.net
Casas na praia, como sítios em zona rural, proporcionam dois prazeres aos seus eventuais proprietários: quando compra e desfruta ao máximo, e quando vende e passa adiante a encrenca e um monte de despesas. Esse é um princípio bem conhecido por quem já viveu a experiência, entre os quais este que vos fala.
Casas na praia, como sítios em zona rural, proporcionam dois prazeres aos seus eventuais proprietários: quando compra e desfruta ao máximo, e quando vende e passa adiante a encrenca e um monte de despesas. Esse é um princípio bem conhecido por quem já viveu a experiência, entre os quais este que vos fala.
Depois de 10 anos investindo em uma morada em Curasal -
a pequena praia da Âncora, entre Curumim e Arroio do Sal - uns gringos de
Caxias do Sul arremataram a casa e ficaram bem faceiros, enquanto eu, de saída,
livrei-me de um IPTU maior do que o de Porto Alegre, mais taxas de água,
energia e demais despesas decorrentes da manutenção de uma casa na praia.
Detalhe: nos últimos anos, o máximo que aproveitava era uma semana de veraneio.
Ou seja, custo altíssimo para pouco benefício.
Não significa que não goste de praia. Até gosto, já
gostei mais, é verdade, e assim parece que estou na contramão em relação ao
modo de ser da maioria dos gaúchos, que tem fixação em estar junto ao mar. Para
comprovar, pesquisa recente da Fecomércio indica que mais de 6,5 milhões de
gaúchos, ou metade da população do Estado, querem ir para as praias neste
verão. Outro tanto também gostaria de ir, mas certamente não tem recursos,
enquanto apenas 2,5% prefere ficar no caldeirão de Porto Alegre,
Deve ser um atavismo com alguma explicação sociológica
que foge a minha compreensão. Ainda lembro de uma charge do Iotti, na edição de
ZH da virada do ano em 2012, que ilustra bem essa obsessão: na fila formada por
uma boiada, um dos animais pergunta: "Mas, afinal, por que todos temos que
ir à praia?". Bingo, efeito boiada, é isso que nos move em direção ao
território conhecido no Rio Grande como "as praia". Nosso litoral
carece de belezas naturais - exceto Torres, que seria um enclave de Santa Catarina
no Rio Grande - enquanto sobram desatrativos, se é que existe o termo.
E, independentemente do tamanho e da origem dos
veranistas, os problemas são os mesmos em todos os balneários: crescimento
desordenado, infraestrutura precária, serviços públicos que deixam a desejar,
atendimento pouco qualificado e por ai vai. Experimente contratar um pedreiro,
um pintor, um encanador e você vai ver o que é bom pra tosse. Primeiro ele
precisa aparecer no dia marcado, depois utilizar os materiais nas quantidades que
ele mesmo indicou, nem o dobro a mais nem a menos e, por fim, entregar o
serviço no prazo e na forma como foi acordado. Experimenta, vai.
Mesmo assim, temos uma atração obsessiva para escapar
até o litoral. E aí está o outro problema a ser enfrentado: as estradas
entupidas, que não dão vencimento ao volume crescente de veículos, sem contar
os Fuscas, os Opalas, as Kombis, legados pelo século passado e cujos donos e
suas famílias se consideram também filhos de Deus, com direito a salgar o
corpitcho e tomar suas Kaisers e caipirinhas à beira mar, em memoráveis
farofadas. Os despossuídos, pelo menos, não estão nem aí para as dificuldades,
para o chocolatão do mar e o vento Nordestão, para os mercados lotados e os
preços abusivos. Como o macaquinho da velha piada, eles querem é gozar.
Quem reclama mesmo é aquele pessoal que torce o nariz
para as chinelagens do nosso litoral e vai pra Santa Catarina. Houve um tempo
em que os catarinas, ardilosamente, erigiram uma barreira na altura de Laguna
só para atazanar os chatos dos gaúchos que invadiam suas praias paradisíacas,
ao mesmo tempo em que faziam a alegria dos repórteres de rádio com seus
boletins repetitivos: "... Neste momento, 10 quilômetros de
congestionamento no acesso à ponte de Laguna". Mas até isso acabou com a
conclusão da nova ponte.
Os gaúchos que reclamam dos acessos às nossas praias é
porque não viveram os veraneios pré Freway, Estrada do Mar, Rota do Sol e
outras vias alimentadoras. Até a década de 1970 do século passado funcionava
assim: o carro lotado saía cedo para a RS 030, também conhecida como Estrada
Velha, que vai de Gravataí a Santo Antônio e Osório, e, dali, acessa
Tramandaí. Ou mais ao Sul, pela estrada que passa por Viamão e vai a
Cidreira, a RS 040. Chegava-se aos outros balneários pela Interpraias e
onde ela ficava intransitável, nas praias mais ao Norte, o negócio era seguir
pela beira mar, cuidando para não atolar nos inúmeros arroios ou na areia mais
fofa.
Em compensação, eram tempos menos corridos e o veraneio
podia durar um ou até dois meses, o que é impensável nestes tempos
competitivos, de escapadas de fim de semana. Desse jeito, não há quem aproveite
ou espaireça de verdade, porque o sujeito mal chega à casa da praia e já começa
a sofrer pensando na volta. É por isso que não entendo esse boom de condomínios
fechados, disseminados por todo o litoral. Há clientela para tudo isso? E qual
a vantagem de sair do aperto da cidade para "desfrutar" do aperto no
litoral, com espaços confinados, privacidade às favas e a maioria longe da praia?
Como na nossa obsessão pelas praias, aqui também não tenho as respostas.
Agora devo confessar que a porção praieira que ainda
habita em mim clama por uma temporada à beira mar. Se me permitem, vou
juntar-me à boiada. Litoral gaúcho, vou lhe usar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário