sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A propósito do Black Friday: Farofada na Fila


* Está aberta a temporada das grandes promoções, por isso reedito esse texto de 2009, mas tão atual como nunca.

Brasileiro adora uma fila, até mesmo para praguejar contra ela. Observador da cena que sou, ficava pasmo quando se aproximava o Carnaval e constatava as imensas filas que se formavam, as vésperas do início da venda de ingressos para os desfiles. É verdade que as filas carnavalescas acabaram, porque o Carnaval de Porto Alegre acabou. Antes, era uma farofada de cadeiras de praias, cozinhas e camas improvisadas, chimarrão e trago circulando de mão em mão, tudo isso pelo privilégio de serem os primeiros a adquirir os ingressos. Famílias inteiras, inclusive com bebês de colo, participavam da maratona tresnoitada, onde não faltavam garotas assanhadinhas e rapazes ativos e operantes. Tudo inútil. Sobravam ingressos, assim que a fila dos apressadinhos se dissipava.

Esse comportamento que precede os grandes eventos sempre me intrigou. Essa gente não trabalha? Se é ociosa, de onde vem a grana para os desejados ingressos? Será que não existe nada mais interessante e produtivo para passar o tempo do que marcar espaço à espera da bilheteria abrir? E a higiene desse pessoal como é que é feita? Estava ruminando acerca dessas importantes indagações e dos sacrifícios a que se submetem esses vanguardeiros, quando me caiu a ficha: é que as emissoras de TV, cumprindo uma pauta pouco criativa, estão sempre presentes para captar imagens desses grupos. Aí é festa!

Observem as imagens: sempre há alguém dormindo ou se fazendo, mesmo que o sol já esteja a pino, outros repartindo refeições e bebidas das intermináveis garrafas térmicas e uma alegria artificial de quem está recebendo o justo reconhecimento dos 5 segundos de fama a que tem direito. Não foram escolhidos para o BBB, então só resta ser celebridade na fila. Podem conferir, as imagens são sempre as mesmas, como são as mesmas as óbvias perguntas dos repórteres. “Desde quando estão aqui?” Se for antes de show de artista pop não vai faltar cerveja e um rosário de sonoras identificando as cidades de origem

Foge a minha compreensão  aqueles atropelos nas lojas dos EUA e na Inglaterra  no início das liquidações. É um comportamento que depõe contra o gênero humano. O pior é que a moda está pegando aqui no Brasil e dia de abertura de liquidação nas lojas mais populares é precedida de farofadas nas filas, com as mesmas cadeiras de praia, as mesmas garrafas térmicas, eventualmente uma barraca, gente insone, mas cheia de energia para comprar o que nem sempre precisa, mas garantir uma eventual participação televisiva. Empurra daqui, empurra dali e daqui a pouco se sobressai o fortão, carregando nos ombros uma tv de plasma, ou o casal que tenta ajeitar o refrigerador e mais os filhos numa velha Brasília. E é sempre a mesma coisa.

Estou sendo demasiadamente cruel com os hábitos populares? Pode ser, mas se um dia me virem participando de uma farofada dessas, chamem a SAMU e me internem.

*Publicado originalmente em Coletiva.net, em 8/7/2009



segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Exemplo de resistência

* Publicado nesta data no Coletiva.net

Mesmo com o encolhimento de uns anos para cá, não é exagero afirmar que  a Feira do Livro é o maior acontecimento anual de Porto Alegre. O encolhimento, pela diminuição de barracas e concentração de todas  as atividades na Praça da Alfândega,  acho até que  foi benéfico para a Feira na medida em que facilitou a circulação e interação das pessoas.  De minha parte confesso  que gosto tanto da Feira que, se pudesse, passava todos os dias lá, o que ocorria quando trabalhava no Centro Histórico. Sempre dava um jeito de escapar até a praça  para esgravatar as caixas de sebos e olhar invejoso para as estantes cheias de livros e, melhor ainda, tomar um chope ali perto no fim da tarde,

Entretanto, nego peremptoriamente que tenha participado da primeira Feira, em 1955.O idealizador do evento foi o jornalista e depois vereador Say Marques, que era diretor do extinto Diário de Notícias, da rede Associada – a Globo da época. Na época, eu tinha cinco anos apenas. Na verdade, começam pelo visionário jornalista  as minhas afinidades com a Feira, uma vez que ele era amigo do meu pai, que o tratava reverentemente como “dr. Say Marques”;  depois, porque tive o privilégio de trabalhar com a filha dele, a competentíssima Rosana Orlandi, primeiro na TVE e mais tarde na RBS TV, onde produz o Galpão Criollo.

Porém, foi quando passei a trabalhar na também já extinta Folha da Tarde, em meados da década de 70 do século passado, que comecei a frequentar a Feira regularmente.  Da redação na Rua Caldas Junior à Feira era um pulo e não havia como ficar indiferente às barraquinhas instaladas ao longo da praça.  Lembro bem o primeiro livro que adquiri. Foi  O Príncipe, de Maquiavel, que ainda faz parte da minha modesta biblioteca e é consultado sempre que necessário,  esse verdadeiro manual da arte da política. Línguas ferinas e adversários invejosos insinuam que adquiri o livro errado, que estaria à procura de O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry e me “principitei" (sim, com direito a trocadilho) levando O Príncipe. Nego peremptoriamente de novo. Mais tarde também incorporei o Pequeno Príncipe ao meu acervo para que ficasse à disposição dos filhos. 

Desde aquela pioneira incursão, minha relação com a Feira se diversificou. De leitor passei a me envolver mais diretamente com a organização por conta das minhas atividades profissionais, seja na TVE, seja na Prefeitura de Porto  Alegre. Por fim, o envolvimento foi como autor, com direito a quatro sessões de autógrafos.

Em todas as formas de relação, a obsessão pela aquisição dos livros se mantém, embora ainda não tenha batido o recorde de cinco anos atrás quando levei para casa  mais de 30 livros, entre lançamentos e saldos. Este ano já adquiri Um Gato Que Se Chamava Rex, de Lucas Barroso (um exemplar para cada neta, Maria Clara e Rafaela),  Estrada, Meu Humor, do Jorge Estrada, uma coletânea de histórias e gafes da radiofonia, A Historia de Djalma  Beyer, escrito pelo filho, jornalista Márcio Beyer, sem contar o também biográfico Ayrton Patineti dos  Anjos, com a assinatura de Márcio Pinheiro e Roger  Lerina, lançado pouco  antes da  Feira. Recomendo todos, assim como a edição das charges de Sampaio, Ria Por Favor, organizada pela filha Maria Lucia Sampaio, obra distribuída  gratuitamente na barraca da Associação Riograndense  de Imprensa.

Vou revisitar a Feira para levar pelo menos mais duas obras: O Senador Acaba de Morrer, um retrato da carreira  do senador Pinheiro Machado por seu sobrinho-neto, José  Antonio Pinheiro Machado, também conhecido por Anonymus  Gourmet, e o novo romance da bela e  talentosa Letícia Wierzchowski, O Menino Que Comeu Uma Biblioteca, com autógrafos nesta terça-feira. Preciso  resgatar também Revolução Cidadã, legado deixado pelo queridíssimo Cezar Busatto. Além disso, fico na expectativa de mais dois lançamentos, extrafeira: Cavalos e Armas, terceiro romance, já em pré-venda, de Gustavo Machado, dono de um dos  melhores textos  que conheço, e o segundo livro do meu amigo da adolescência, Léo  Ustarroz, o  instigante  Resgate em Pamplona, que tive a honra  de prefaciar.


Ainda sobre a Feira, é importante enfatizar que ela  transcende a crise do mercado livreiro e o crescente descaso que o poder publico passou a dedicar aos eventos culturais, inclusive em Porto Alegre, que se orgulhava da sua efervescência cultural. E já que o termo está na moda, resistência de verdade é com a Feira do Livro. Longa vida a ela.



segunda-feira, 29 de outubro de 2018

O dia seguinte


* Publicado originalmente no Coletiva.net em 29/11/2018

- “Mais uma semana e a gente virava o jogo!”
- “Perdemos para as fake news.”
- “Os  whatsapps deles foram mais eficientes.”
-  “Ah,  se fosse o Lula!”
- “Esperamos muito tempo pelo Lula.”
-  “O Haddad apelou demais para  o Lula.”
- “ Haddad não devia ter se afastado do Lula no segundo turno.”
- “Faltou fazer o mea  culpa.” 
- “Mea culpa é para  os fracos.”
- “A Manoela na missa foi gol contra.”
- “A Manoela  devia ter aparecido mais. Apelo aos jovens, entende?!”
-  “Não dá pra depender só do  Nordeste.”
- “Pô, a diferença no Nordeste tinha que ser maior!”
- “ Esperava mais do Ciro e da Marina.”
- “Este Ciro é um #$%*§!”
- “A Marina é  uma mosca morta.”
- “Só o Boulos é de fé.”
- “O Boulos não acrescentou nada. Teve menos voto que o Daciolo. ”
- “O FHC podia ter ajudado. Afinal, é um democrata!”
-  “Pedir voto pros  coxinhas é brabo!”
- “ Mano  Brown, Cid Gomes, baitas traíras.”
- “A Globo, o Bonner, a Regina  Duarte...”
- “A Record, o bispo, o  Mendelsky...”
- “A Band, o  Boechat, o Macaco Simão...”
- “A Veja, a IstoÉ, o  Estadão...”
- “O STF, o TSE, o Sérgio Moro...”
- “O Adnet  podia ter caprichado  mais no Haddad.”
- “ O Trump, a CIA, a Ku Klux Klan  e nós com  o Maduro, o Mujica e a OEA...”
- “ Nem o papa, nem o Roger Waters  ajudaram.”
- “Não imaginava que tinha tanto fascista no Brasil.”
- “ Agora eles vão ver o que é oposição!”
Senhoras e senhores, o terceiro turno já começou.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Verdades e bobagens eleitorais


* Publicado originalmente no Coletiva.net em 22/10/2018
Nem 13 nem 17, mas a soma de ambos em  verdades  e bobagens desta campanha eleitoral, que elenquei após muita  reflexão #sqn:

1. Nunca antes se discutiu tanto sobre política no país

2. Campanha para valer é a do segundo turno. Primeiro turno é só aquecimento.

3. Não  adianta acordo entre caciques  quando o eleitor decide o contrário

4. Lula será  o grande eleitor no final das contas: para o Haddad e o Bolsonaro.

5 As Fake News também foram um grande cabo eleitoral

6. As mídias tradicionais  perderam força, assim como tradicionais candidatos.

7. Os partidos  foram os grandes derrotados desta eleição.

8 Os institutos de pesquisa mantiveram o padrão: erraram demais.

9. E a mídia vai sair bem chamuscada.

10. Os eleitores defecaram e andaram para a opinião das celebridades.

11. Os eleitores se lixaram para as propostas de governo. E os  candidatos  também.

12.Homofobia, racismo, misoginia, religião, alguns dos temas mais relevantes debatidos na campanha.

13.Agressividade, o mais forte e inútil argumento eleitoral.

14. Fogo amigo foi outro adversário do Haddad.

15.  Os irmãos Ciro e Cid vão acabar criando o PCR,  Partido dos Cearaenses  Ressentidos.

16. Os cards sobre a Dilma foram os melhores das redes sociais.

17. As urnas fizeram o que Lewandowsky protelou: cassaram Dilma.

18 .O que teve de apoio “crítico”...

19. Será  alta a participação dos eleitores  tipo “não sou..., mas vou votar no...”

20.Pela persistência, Eymael merecia um mandato,

21. Cabo Daciolo, o Enéas (“Meu nome é Enéeeas!”) contemporâneo.

22. Cláusula de barreira pra valer é a exigência da Ficha Limpa.

23.Urnas eletrônicas: nunca antes tão contestadas, mas nada provado.

24. O Temer estava quietinho, esquecido, aí a PF...

25. Alguém sabe desdobrar as siglas PSL, PRTB, Pros?

26. Bolsonaro foi uma mega-sena eleitoral para o PSL

27. A campanha eleitoral virou uma Caixa de Pandora.

28. A eleição confirmou que a reforma politica é a mais urgente!

29. Independente  de quem ganhar a eleição, o pior vem depois.

30. O WhatsApp será como o estagiário: vai levar a culpa.

Apesar de tudo, o Brasil que já sobreviveu ao Collor, ao Sarney, à Dilma/Temer, vai sobreviver de novo.


terça-feira, 16 de outubro de 2018

Assédio reverso


* Publicado originalmente nesta data no Coletiva.net

Sou um recontador de histórias. Ouço na mesa ao  lado, acrescento uns adjetivos  e advérbios e repasso adiante.  É o caso  a  seguir, que trata de um tema que está na ordem do dia: o repúdio ao assédio em todas  as suas formas. O relator original da situação, que classifico como escabrosa, foi meu amigo Maurício, aqui identificado com nome trocado, por razões óbvias.

Certo dia ele interrompeu   minha labuta no computador e, quase sussurrando, me revelou a enorme angustia que o atormentava. Era sobre assédio e ele se dizia a vítima.

Maurício é um quarentão bem apanhado e bem casado,  homem temente a deus e  realizado pessoal e profissionalmente. Até diria que é  uma reserva moral nestes tempos tão conturbados e contraditórios. Pois, são manifestações destes tempos que angustiam o amigo, que passou a receber mensagens pra lá de despudoradas de moças e senhoras tidas como respeitáveis.  Não uma, nem duas mensagens. Várias.  Mensagens carregadas de erotismo,  convites safados, propostas indecorosas, declarações com palavreado de fazer inveja àquele ex-presidenciável flagrado em negociações escusas na Lava Jato.   E, pasmem, mensagens ilustradas por muitos nudes, inclusive das partes pudendas.

Foi demais para o nosso amigo que, diferente do Chico Buarque em sua nova música, não está disposto a abandonar o lar para uma aventura fugaz. A perturbação  levou-o a procurar uma explicação para esse desordenamento nas relações entre homens  e mulheres.

Maurício jura que não incentiva as assediadoras, por isso ganha estatura moral para se posicionar sobre o tema. Ele entende que a falta de pudor, a ausência de valores, o vale tudo nas relações começou com o falso, segundo ele,  empoderamento das mulheres. O desabafo foi contundente:
- É esse tal empoderamento, que começou com a  queima de soutiens e chegou às peladonas em protestos. Depois que acabaram com  o namoro  só as quartas feiras, sob severa vigilância dos pais, aí liberou geral e até sexo no primeiro encontro já estão praticando. Uma pouca vergonha.

Ao ouvir a desdita do amigo confesso que também me perturbei, eu que, como ele, eleva o gênero feminino à condição de quase divindade.  Mas também fiquei ligeiramente invejoso, uma vez que só recebo mensagens masculinas, flautas futebolísticas e besteirol da política.

Parece que o Maurício leu meu pensamento e, veemente como candidato em horário eleitoral, sentenciou para a  pequena plateia  que se  formara após o desabafo dele:

- O que o nosso país está precisando mesmo é de uma reforma moral! Chega de empodredamento, - e mostrou satisfação com a corruptela que acabara de inventar.

Admito que tenho receio de concordar com as teses do Maurício para não ser alvo de caldáveis iradas que, sim, existem, embora em número reduzido. Temo ser vítima de um masculinicídio,  que seria de responsabilidade “das tais redes sociais, Tinder, Par Perfeito  e outras,  que banalizaram as relações e onde as pessoas ficam se oferecendo umas  às  outras, provocando traições e conflitos”, -  segundo denunciou o parceiro, revelando um suspeito  conhecimento sobre as redes acusadas.

A propósito, questionei outro amigo da roda  se ele frequentava Tinder e  similares  e a resposta foi pronta e direta.

- Claro que não, imagina se encontro o perfil da minha mulher ali!

Argumentei que não se preocupasse, pois, como no caso dos traídos, “são coisas que colocam na nossa cabeça”, para usar uma  besteira corrente sobre os efeitos  da infidelidade feminina.  A réplica dele foi mais surpreendente:

- O pior corno é o que quer saber.

Foi então que me recolhi a um silencio obsequioso e fui buscar guarida nas  redes sociais mais sérias para acompanhar os candentes debates entre petistas e bolsonaristas. Olha, só faltaram os nudes para ficarem tão obscenos quanto as mensagens recebidas  pelo meu  amigo. Que tempos vivemos!

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O fenômeno Bolsonaro


* Publicado nesta data no Coletiva.net

Escrevo esta coluna antes de saber o resultado das urnas no domingo. As conclusões que seguem independem do resultado eleitoral, por isso afirmo, sem hesitar, que Jair Bolsonaro é o maior fenômeno eleitoral das últimas décadas. Um fenômeno só comparável a Donald Trump, com mérito maior do brasileiro, que não conta com a poderosa estrutura que o norte americano tinha à disposição.

Esse é  um dos pontos, entre outros,  que fazem do ex-capitão o fenômeno constatado e que surpreendeu os especialistas:  tempo reduzido no horário eleitoral, um partido  nanico, coligado a  outro nanico,  carreira e biografia nebulosas, uma campanha que beira o amadorismo, sem contar as declarações desastrosas dele e do seu vice, e o bate cabeça  dos desmentidos.  

Ao conjunto de fragilidades deve ser acrescentado mais: passou quase todo o primeiro turno hospitalizado, enfrentou acusações de toda a ordem, hostilidade de boa parte da mídia e a posição contrária de vários  segmentos, com destaque para as mulheres e o pessoal LGTB; não é um grande orador, nem faz o gênero  carismático, não tem padrinho forte como Haddad, nem ostenta experiencia administrativa como um Alckmin ou um Ciro e não tem candidatos  a governador na maioria  dos estados ( liderava com folga em 18 dos 27); não se conhece uma só proposta dele, a não ser  a de liberar armas para todos. Ou seja, Bolsonaro  tinha tudo para ser um Boulos ou um Eymael qualquer ou, pior ainda, baixar de patente e virar um Cabo Daciolo,

Pois, ainda assim a candidatura dele não só resistiu na liderança com ampliou a vantagem na campanha presidencial, superando representantes de forças políticas de peso e tradição, como PT, PSDB, MDB e todo os partidos do Centrão.

Vale esclarecer que não estou fazendo uma adesão à candidatura dele, mas sou obrigado reconhecer que ele adquiriu uma estatura que seu retrospecto político e pessoal não indicavam. Então, como explicar esse fenômeno? A resposta simplista é que a atual campanha está mais caracterizada pelo voto contra do que a favor e Bolsonaro representa, como ninguém, o sentimento antipetista.  Na realidade – e nem estou sendo original -, este Bolsonoro que aí está é cria do PT, do “nós contra eles”, da apropriação indiscriminada do Estado e da corrupção em todos os níveis, que levou seus principais líderes para  a cadeia.  Só que é uma verdade parcial, porque Alckimin é mais declaradamente antipetista, assim como Álvaro Dias e mesmo Ciro, que fustiga o PT sempre que provocado. No entanto, todos eles patinam nas pesquisas e ficaram longe dos líderes.

Bolsonaro representaria também o voto dos menos instruídos – e menos esclarecidos - e majoritariamente dos homens. Duas falácias: as pesquisas da reta final do primeiro turno mostram o crescimento da candidatura entre as mulheres, apesar do movimento EleNão – ou por causa dele – e entre os eleitores mais ricos e com melhor nível de instrução, onde já liderava. E assim a onda Bolsonaro ganhou impulso, canalizando o conservadorismo que habita, em escala crescente, entre os brasileiros.

A verdade é que nenhum candidato incorporou de maneira mais eficaz o figurino do candidato que é “contra tudo isso que está aí”, um pacote que inclui o PT e seus satélites, o governo Temer, os tucanos mais emplumados, a agitação dos movimentos sociais e a classe política em geral.  Além disso, encarna a representação de uma instituição com reconhecida credibilidade, as Forças Armadas, reforçada pela presença do general Mourão como vice, uma forma de mostrar que é o mais preparado para dar resposta à grave questão da segurança, a que mais preocupa a população. Nesse contexto, é avaliado pelos seus seguidores como o mais apto a garantir a lei e a ordem. Resiliente, as bobagens que prega soam como manifestações de sua autenticidade e reforçam a imagem do personagem que representa. Claro que cientistas políticos, sociólogos, antropólogos e analistas da mídia devem ter explicações mais científicas e aprofundadas sobre o fenômeno do que as rasas avaliações deste modesto observador de cenários.

Entretanto, firmo posição:  independente do resultado do segundo turno, Bolsonaro já  pode se considerar um vencedor nesta eleição.  O resultado final, porém, vai mostrar se ele veio para fazer história como o novo presidente da República  ou se vai ficar na memória como mais um Cacareco*, que canalizou os votos de protesto mas não se realizou como líder político de projeção.

*Cacareco era um rinoceronte do zoológico do Rio emprestado para o zoo de São Paulo que nas eleições municipais de 1959 recebeu cerca de 100 mil votos, tornando-se o ”candidato” mais votado naquela  eleição. Foi um dos casos mais famosos de voto de protesto  da história politica brasileira.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Um ministério notável


* Publicado nesta data no Coletiva.net 

Enquanto a maioria dos candidatos a cargos majoritários promete diminuir o número de secretarias e ministérios, eu empreenderia uma campanha na contramão desse encolhimento demagógico e oportunista. E criaria um conjunto de novas estruturas estatais, pois identifico importantes áreas desassistidas ou sem controle pelo poder público. Assumiria, porém, o compromisso de buscar para comandá-las os quadros mais capacitados, profissionais de reconhecido saber, um time de notáveis, como o Grêmio.

Daria prioridade ao Ministério da Gastronomia, da Enologia e do Lúpulo, para qualificar ainda mais a boa mesa tupiniquim, com a garantia de que as iguarias  seriam corretamente harmonizadas com a carta de vinhos. Haveria um departamento exclusivo para cervejas, sendo terminantemente proibidas licenças de fabricação para as de trigo, de banana, de chocolate e, especialmente, a de erva-mate. Convidaria para assumir esse ministério o Rodrigo Hilbert, que me parece ter um perfil adequado ao cargo, além do que a primeira dama da pasta poderia ser a mestra de cerimônia dos eventos ministeriais. Um luxo. Para o departamento de Veganos cogitaria a irmã da Preta Gil, a Bela Gil e suas receitas saudáveis.
Já o Ministério do VAR seria criado para dar uma resposta à questão transcendental da arbitragem esportiva, que tanto aflige os brasileiros e tantas polêmicas provoca, com alto potencial de geração de conflitos e desordens. Portanto, trata-se de assunto sério, de coesão social e segurança nacional, que não pode ficar sob a responsabilidade daqueles incompetentes da CBF. A ação desse ministério começaria com o futebol e seria estendida a outros esportes e jogos, inclusive bocha, bolão, truco e cancha reta. Para dirigir a pasta será convidado Arnaldo Cesar Coelho, que já anunciou o desejo de se aposentar da Globo. Galvão Bueno nem para a posse será convidado.
O Ministério das Redes Sociais virá para regular a zorra em que se transformaram essas manifestações, mas pode ser substituído por uma empresa pública, a Brasredes, que vai atuar com severidade para coibir abusos, desaforos, assédios, fake news, pedidos de correntes, fotos de pets e de comilanças. Serão vedadas expressões como 'bora lá', 'aí é que me refiro', os KKKKs, Hahahas, e falsidades tipo 'linda!', 'amo muito!' e recados que ninguém entende. Flautas esportivas serão permitidas e até incentivadas, afinal, é preciso dar alegria ao povo. Em princípio, pensei para liderar esse importante ministério uma parente que entende tudo de redes sociais e se move por rígidos padrões éticos, mas não faltaria quem me acusasse de nepotismo, por isso, a vaga ainda está em aberto.
O Ministério da Imprevidência vai assumir todos os problemas que emperram o Ministério da Previdência, inclusive o pagamento de pensões indevidas e aposentadorias acima do teto, e, assim, permitir que este cumpra seu papel de garantir uma aposentadoria digna aos brasileiros. Difícil vai ser encontrar um imprevidente para assumir o novo ministério.
Por fim, será criado o Ministério das Utopias, entregue a um dos atuais candidatos, que prometem o paraíso na terra sem explicar como chegar lá. O ministro terá toda a liberdade para fantasiar projetos e projetar fantasias, nada que se viabilize, mas mantendo-se entretido, sem atrapalhar as outras ações governamentais. Reconheço que o Lula já tentou algo semelhante com o filósofo Mangabeira Unger - que se apresentava também como teórico social - e a então Secretaria de Assuntos Estratégicos. Era erudição demais para o ex-presidente e a tal secretaria foi extinta.
O projeto todo de ampliação do gabinete ministerial é ambicioso, só falta um partido corajoso abraçá-lo, de preferência, um radical de centro que banque uma candidatura inovadora.
Em tempo, antes que me interpretem mal: é brincadeira, gente, se bem que perto de algumas propostas que ouvi na atual campanha, as besteiras aqui sugeridas nem são tão risíveis assim.
Pensem nisso quando forem votar no próximo domingo.


segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Festival da mesmice


* Publicada nesta data, no portal Coletiva.net
Recordo que admiti em coluna anterior que sou um telespectador assíduo do horário eleitoral, de preferência o noturno. Maledicentes dirão que , na verdade,  só acompanho porque estou esperando o capítulo da  novela. Nada disso. Meu interesse é focado em avaliar como os candidatos estão respondendo aos temas que marcam a atual campanha.

Já transitei por todos os lados  dos balcões em campanhas  eleitorais e me interesso particularmente pelas formas e conteúdos desses períodos. A conclusão a que  cheguei em relação ao processo deste ano,  nas  aparições dos candidatos  proporcionais,   não me surpreendeu: trata-se de um festival de mesmices. Para não ferir a severidade da legislação, não vou, nominá-los.  Começo, porém, com  a observação sobre um candidato a cargo majoritário.  O sujeito, digno representante de um  partido nanico de  extrema, propõe no seu espaço a extinção do Senado, para o qual se candidata. É bem verdade que pelos dados  das pesquisas eleitorais  ele não tem a mínima chance de chegar lá.

Por mais estranha e contraditória   que pareça  a proposta, nem isso é novidade.  Um dos nossos atuais senadores defendia com veemência no passado o fim do sistema bicameral, até se eleger e reeleger para a Câmara Alta, uma comprovação  de que a coerência não é e não tem sido a marca dos candidatos em campanha.

Mas é nos espaços dos postulantes à Assembleia e à Câmara que ocorrem as mais  criativas manifestações. Só que não. Em duas ou três rodadas da  propaganda política obrigatória, de todos os partidos, contei quase uma dezena do impositivo “Vem comigo”, outro tanto do  suplicante  “Preciso de teu voto” e, igualmente, dos pretensiosos “Serei teu representante na...” ou “Juntos faremos a diferença” e do duvidoso “Sou ficha limpa”, que vem superando o tradicionalíssimo “É hora da mudança” e suas versões.

Pela “saúde, educação e segurança”, não necessariamente nesta ordem,   é top10 entre as propostas defendidas, só que os que dizem que vão lutar contra a criminalidade, a maioria  com formação policial ou militar, inflacionaram as nominatas  de candidatos. Estão dando de goleada nos defensores dos direitos  animais, que vinham ganhando espaço e elegendo representantes.

Observo, por outro lado o surgimento de uma nova categoria de candidatos: o candidato com naming rights e não  estou falando daquela bobagem de agregar Lula ao nome, mas de uma espécie  de patrocínio ou vinculação empresarial/funcional. Juro que ouvi uma fulana se anunciar como “a da Severo Roth”, outra a “do  Trem”,  dois outros como o “da locadora” e o ”da borracharia” , sem contar com aquele que se apresenta como o do “ (primeiro nome do candidato) do (sobrenome do prefeito...)”. O “dono” do candidato é um prefeito da Região Metropolitana.

E tem ainda os que abusam das pobres rimas ricas, coisas do tipo “sim” com Jardim, “caminho” com Toninho, “depois” com 22,  “engane” com Rejane e por    vai. Essas possibilidades de rimas é que me tiram qualquer pretensão, se um dia tive, de me candidatar a cargos  públicos. A rima  com Dutra poderia resultar  em...deixa  pra lá.

Sei que não  dá para fazer milagres em cinco segundos, mas ficar repetindo os mesmos bordões de sempre não vai ajudar às candidaturas, que precisam de  diferenciais diante da enorme quantidade de concorrentes. A questão é:  com mais tempo quantas  bobagens mais diriam nossos candidatos? Pensando bem, a lei eleitoral  foi sábia neste sentido.




quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Ah, eu sou gaúcho!

* Publicada originalmente em 20/09/2011

O chimarrão não faz parte dos meus hábitos. Jamais usei bombachas ou qualquer adereço gauchesco. A única vez que montei a cavalo quase me fui com montaria e tudo Caracol abaixo, em Canela. A vida campeira não me atrai e só uso faca afiada para a preparação do churrasco e nisso, modéstia a parte, sou competente. Ah, e não morro de amores pela Polar e por qualquer outro produto ou atitude que demonstre nosso ufanismo gaudério.

Esse distanciamento de algumas de nossas mais caras tradições e hábitos, tão exacerbados no 20 de setembro, não me tornam menos gaúcho do que o taura pilchado que desfila orgulhoso. Ainda me emociono com os acordes do Hino Riograndense e reconheço no cancioneiro do chamado nativismo jóias raras de poesia, que também mexem com a minha sensibilidade. “Guri”, de João Batista Machado e Julio Machado, é uma delas, de preferência interpretada por César Passarinho. Outro dia me deu nó na garganta na chegada da Cavalgada dos Mil Dias para a Copa, quando Elton Saldanha recebeu os cavalarianos entoando “O Rio Grande a Cavalo” - Lá vem o Rio Grande a cavalo/entrando no M'Bororé/là vem o Rio Grande a cavalo/que bonito que ele é.

É impossível renegar as origens e não ser contaminado pelo ambiente de exaltação do gauchismo que, registre-se, cresce como compensação, na medida em que o Rio Grande perde poder e espaço no contexto nacional. Talvez seja o momento de avaliar também porque um movimento que foi derrotado em armas, embora vitorioso na permanência dos seus ideais, seja tão exaltado e reverenciado, enquanto outros movimentos bem sucedidos, capitaneados por gaúchos, como a Revolução de 30 e a Legalidade, não tem o mesmo reconhecimento e a mesma força de aglutinação dos gaúchos. Estaria faltando um Paixão Cortes, um Barbosa Lessa e seus pioneiros da retomada do gauchismo para reconstruir esses momentos da nossa história e criar novas razões para nos orgulharmos?

Como História e Tradição escapam do meu campo de conhecimentos, repasso a questão para os especialistas, antes de reafirmar, com algum recato e muito orgulho: Ah, eu sou Gaúcho!

sábado, 15 de setembro de 2018

Sim, eu sou gremista

* Reeditado do original publicado em agosto de 2012.

Ainda hoje encontro gente que se surpreende quando revelo minha predileção pelo Grêmio.  Até já ouvi  uns “jurava que tu eras colorado”. Será que consegui enganar tão bem nos tempos em que militei na chamada crônica esportiva, algo como 30 anos de atividades em rádio, TV e jornal? É bem verdade que eu não tinha a visibilidade – e nem a cobrança permanente – do pessoal de microfone e de vídeo, mas era prudente afetar uma neutralidade para o público externo porque o interno sabe quem torce para quem.  

Sim, sou gremista, o único numa família de oito irmãos.  Por sorte, minha infância e adolescência se deram em tempos de Grêmio vitorioso nas décadas de 50 a 60 do século passado e, assim ,não fui muito vilipendiado pelos outros irmãos.

Hoje posso afirmar, cheio de orgulho, que em nenhum momento em minha carreira jornalística a predileção clubística teve influência para beneficiar ou prejudicar esse ou aquele clube. Talvez até fosse mais severo e exigente com o time do coração. Ou seja, não era neutro, mas buscava obsessivamente a isenção.  Não posso dizer o mesmo de alguns companheiros com os quais convivi, embora a maioria estivesse mais comprometida com o seu trabalho e com o veiculo em que atuava do que pender para esse ou aquele lado. E vamos combinar que isso não era,  e continua não sendo, tarefa fácil num ambiente grenalizado como o nosso e, por isso mesmo, marcado pelo emocional.

Agora, me permitam nesses tempos de supremacia das redes sociais e quando já estou bem longe das redações, extravasar o meu gremismo, o que procuro fazer de forma bem humorada e, às vezes, provocativa, mas sem baixarias e sem radicalismos. E aceito numa boa as flautas, sem as quais, o futebol não teria a menor graça. Mas não perco o sono nem o humor com as eventuais fases ruins do tricolor, que, aliás, já não tem sido tão frequentes.   Por isso, podem flautear a vontade, mas aceitem as cutucadas em contrário.  Fora desse contexto, vira doença, requer tratamento e, mesmo o futebol, com toda a sua força e encantamento, não vale o prejuízo. Um abraço imortal a todos, neste 15 de setembro, 115 anos de Grêmio.