* Publicado nesta data no Coletiva.net
Escrevo esta coluna antes
de saber o resultado das urnas no domingo. As conclusões que seguem independem
do resultado eleitoral, por isso afirmo, sem hesitar, que Jair Bolsonaro é o
maior fenômeno eleitoral das últimas décadas. Um fenômeno só comparável a
Donald Trump, com mérito maior do brasileiro, que não conta com a poderosa
estrutura que o norte americano tinha à disposição.
Esse é um dos pontos, entre outros, que fazem do ex-capitão o fenômeno constatado
e que surpreendeu os especialistas:
tempo reduzido no horário eleitoral, um partido nanico, coligado a outro nanico,
carreira e biografia nebulosas, uma campanha que beira o amadorismo, sem
contar as declarações desastrosas dele e do seu vice, e o bate cabeça dos desmentidos.
Ao conjunto de
fragilidades deve ser acrescentado mais: passou quase todo o primeiro turno
hospitalizado, enfrentou acusações de toda a ordem, hostilidade de boa parte da
mídia e a posição contrária de vários
segmentos, com destaque para as mulheres e o pessoal LGTB; não é um
grande orador, nem faz o gênero
carismático, não tem padrinho forte como Haddad, nem ostenta experiencia
administrativa como um Alckmin ou um Ciro e não tem candidatos a governador na maioria dos estados ( liderava com folga em 18 dos 27);
não se conhece uma só proposta dele, a não ser
a de liberar armas para todos. Ou seja, Bolsonaro tinha tudo para ser um Boulos ou um Eymael qualquer
ou, pior ainda, baixar de patente e virar um Cabo Daciolo,
Pois, ainda assim a candidatura
dele não só resistiu na liderança com ampliou a vantagem na campanha
presidencial, superando representantes de forças políticas de peso e tradição,
como PT, PSDB, MDB e todo os partidos do Centrão.
Vale esclarecer que não
estou fazendo uma adesão à candidatura dele, mas sou obrigado reconhecer que
ele adquiriu uma estatura que seu retrospecto político e pessoal não indicavam.
Então, como explicar esse fenômeno? A resposta simplista é que a atual campanha
está mais caracterizada pelo voto contra do que a favor e Bolsonaro representa,
como ninguém, o sentimento antipetista. Na realidade – e nem estou sendo original -,
este Bolsonoro que aí está é cria do PT, do “nós contra eles”, da apropriação
indiscriminada do Estado e da corrupção em todos os níveis, que levou seus principais
líderes para a cadeia. Só que é uma verdade parcial, porque Alckimin
é mais declaradamente antipetista, assim como Álvaro Dias e mesmo Ciro, que
fustiga o PT sempre que provocado. No entanto, todos eles patinam nas pesquisas
e ficaram longe dos líderes.
Bolsonaro representaria
também o voto dos menos instruídos – e menos esclarecidos - e majoritariamente dos
homens. Duas falácias: as pesquisas da reta final do primeiro turno mostram o
crescimento da candidatura entre as mulheres, apesar do movimento EleNão – ou
por causa dele – e entre os eleitores mais ricos e com melhor nível de
instrução, onde já liderava. E assim a onda Bolsonaro ganhou impulso,
canalizando o conservadorismo que habita, em escala crescente, entre os
brasileiros.
A verdade é que nenhum
candidato incorporou de maneira mais eficaz o figurino do candidato que é
“contra tudo isso que está aí”, um pacote que inclui o PT e seus satélites, o
governo Temer, os tucanos mais emplumados, a agitação dos movimentos sociais e
a classe política em geral. Além disso, encarna
a representação de uma instituição com reconhecida credibilidade, as Forças Armadas,
reforçada pela presença do general Mourão como vice, uma forma de mostrar que é
o mais preparado para dar resposta à grave questão da segurança, a que mais
preocupa a população. Nesse contexto, é avaliado pelos seus seguidores como o
mais apto a garantir a lei e a ordem. Resiliente, as bobagens que prega soam como
manifestações de sua autenticidade e reforçam a imagem do personagem que
representa. Claro que cientistas políticos, sociólogos, antropólogos e
analistas da mídia devem ter explicações mais científicas e aprofundadas sobre
o fenômeno do que as rasas avaliações deste modesto observador de cenários.
Entretanto, firmo
posição: independente do resultado do
segundo turno, Bolsonaro já pode se
considerar um vencedor nesta eleição. O
resultado final, porém, vai mostrar se ele veio para fazer história como o novo
presidente da República ou se vai ficar
na memória como mais um Cacareco*, que canalizou os votos de protesto mas não
se realizou como líder político de projeção.
*Cacareco
era um rinoceronte do zoológico do Rio emprestado para o zoo de São Paulo que
nas eleições municipais de 1959 recebeu cerca de 100 mil votos, tornando-se o
”candidato” mais votado naquela eleição.
Foi um dos casos mais famosos de voto de protesto da história politica brasileira.
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