* Publicado originalmente nesta data no Coletiva.net
Sou um recontador de
histórias. Ouço na mesa ao lado,
acrescento uns adjetivos e advérbios e
repasso adiante. É o caso a
seguir, que trata de um tema que está na ordem do dia: o repúdio ao
assédio em todas as suas formas. O
relator original da situação, que classifico como escabrosa, foi meu amigo
Maurício, aqui identificado com nome trocado, por razões óbvias.
Certo dia ele
interrompeu minha labuta no computador
e, quase sussurrando, me revelou a enorme angustia que o atormentava. Era sobre
assédio e ele se dizia a vítima.
Maurício é um quarentão
bem apanhado e bem casado, homem temente
a deus e realizado pessoal e profissionalmente.
Até diria que é uma reserva moral nestes
tempos tão conturbados e contraditórios. Pois, são manifestações destes tempos
que angustiam o amigo, que passou a receber mensagens pra lá de despudoradas de
moças e senhoras tidas como respeitáveis.
Não uma, nem duas mensagens. Várias.
Mensagens carregadas de erotismo,
convites safados, propostas indecorosas, declarações com palavreado de
fazer inveja àquele ex-presidenciável flagrado em negociações escusas na Lava
Jato. E, pasmem, mensagens ilustradas
por muitos nudes, inclusive das partes pudendas.
Foi demais para o nosso
amigo que, diferente do Chico Buarque em sua nova música, não está disposto a
abandonar o lar para uma aventura fugaz. A perturbação levou-o a procurar uma explicação para esse
desordenamento nas relações entre homens
e mulheres.
Maurício jura que não
incentiva as assediadoras, por isso ganha estatura moral para se posicionar
sobre o tema. Ele entende que a falta de pudor, a ausência de valores, o vale
tudo nas relações começou com o falso, segundo ele, empoderamento das mulheres. O desabafo foi
contundente:
- É esse tal
empoderamento, que começou com a queima
de soutiens e chegou às peladonas em protestos. Depois que acabaram com o namoro
só as quartas feiras, sob severa vigilância dos pais, aí liberou geral e
até sexo no primeiro encontro já estão praticando. Uma pouca vergonha.
Ao ouvir a desdita do
amigo confesso que também me perturbei, eu que, como ele, eleva o gênero
feminino à condição de quase divindade.
Mas também fiquei ligeiramente invejoso, uma vez que só recebo mensagens
masculinas, flautas futebolísticas e besteirol da política.
Parece que o Maurício leu
meu pensamento e, veemente como candidato em horário eleitoral, sentenciou para
a pequena plateia que se
formara após o desabafo dele:
- O que o nosso país está
precisando mesmo é de uma reforma moral! Chega de empodredamento, - e mostrou
satisfação com a corruptela que acabara de inventar.
Admito que tenho receio
de concordar com as teses do Maurício para não ser alvo de caldáveis iradas
que, sim, existem, embora em número reduzido. Temo ser vítima de um
masculinicídio, que seria de
responsabilidade “das tais redes sociais, Tinder, Par Perfeito e outras,
que banalizaram as relações e onde as pessoas ficam se oferecendo
umas às
outras, provocando traições e conflitos”, - segundo denunciou o parceiro, revelando um
suspeito conhecimento sobre as redes
acusadas.
A propósito, questionei
outro amigo da roda se ele frequentava
Tinder e similares e a resposta foi pronta e direta.
- Claro que não, imagina
se encontro o perfil da minha mulher ali!
Argumentei que não se
preocupasse, pois, como no caso dos traídos, “são coisas que colocam na nossa
cabeça”, para usar uma besteira corrente
sobre os efeitos da infidelidade
feminina. A réplica dele foi mais
surpreendente:
- O pior corno é o que
quer saber.
Foi então que me recolhi
a um silencio obsequioso e fui buscar guarida nas redes sociais mais sérias para acompanhar os
candentes debates entre petistas e bolsonaristas. Olha, só faltaram os nudes
para ficarem tão obscenos quanto as mensagens recebidas pelo meu
amigo. Que tempos vivemos!
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