* Está aberta a temporada das grandes promoções, por isso reedito
esse texto de 2009, mas tão atual como nunca.
Brasileiro adora uma fila, até mesmo para praguejar contra ela.
Observador da cena que sou, ficava pasmo quando se aproximava o Carnaval e
constatava as imensas filas que se formavam, as vésperas do início da venda de
ingressos para os desfiles. É verdade que as filas carnavalescas acabaram,
porque o Carnaval de Porto Alegre acabou. Antes, era uma farofada de cadeiras
de praias, cozinhas e camas improvisadas, chimarrão e trago circulando de mão
em mão, tudo isso pelo privilégio de serem os primeiros a adquirir os
ingressos. Famílias inteiras, inclusive com bebês de colo, participavam da
maratona tresnoitada, onde não faltavam garotas assanhadinhas e rapazes ativos
e operantes. Tudo inútil. Sobravam ingressos, assim que a fila dos
apressadinhos se dissipava.
Esse comportamento que precede os grandes eventos sempre me
intrigou. Essa gente não trabalha? Se é ociosa, de onde vem a grana para os
desejados ingressos? Será que não existe nada mais interessante e produtivo
para passar o tempo do que marcar espaço à espera da bilheteria abrir? E a
higiene desse pessoal como é que é feita? Estava ruminando acerca dessas importantes
indagações e dos sacrifícios a que se submetem esses vanguardeiros, quando me
caiu a ficha: é que as emissoras de TV, cumprindo uma pauta pouco criativa,
estão sempre presentes para captar imagens desses grupos. Aí é festa!
Observem as imagens: sempre há alguém dormindo ou se fazendo,
mesmo que o sol já esteja a pino, outros repartindo refeições e bebidas das
intermináveis garrafas térmicas e uma alegria artificial de quem está recebendo
o justo reconhecimento dos 5 segundos de fama a que tem direito. Não foram
escolhidos para o BBB, então só resta ser celebridade na fila. Podem conferir,
as imagens são sempre as mesmas, como são as mesmas as óbvias perguntas dos
repórteres. “Desde quando estão aqui?” Se for antes de show de artista pop não
vai faltar cerveja e um rosário de sonoras identificando as cidades de origem
Foge a minha compreensão aqueles atropelos nas lojas dos EUA
e na Inglaterra no início das liquidações. É um comportamento que depõe
contra o gênero humano. O pior é que a moda está pegando aqui no Brasil e dia
de abertura de liquidação nas lojas mais populares é precedida de farofadas nas
filas, com as mesmas cadeiras de praia, as mesmas garrafas térmicas,
eventualmente uma barraca, gente insone, mas cheia de energia para comprar o que
nem sempre precisa, mas garantir uma eventual participação televisiva. Empurra
daqui, empurra dali e daqui a pouco se sobressai o fortão, carregando nos
ombros uma tv de plasma, ou o casal que tenta ajeitar o refrigerador e mais os
filhos numa velha Brasília. E é sempre a mesma coisa.
Estou sendo demasiadamente cruel com os hábitos populares? Pode
ser, mas se um dia me virem participando de uma farofada dessas, chamem a SAMU
e me internem.
*Publicado originalmente em Coletiva.net, em 8/7/2009
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