segunda-feira, 16 de outubro de 2023

O espião de Deus, ou uma fábula celestial

*Publicado hoje em coletiva.net

Uma cápsula especial da Nasa coletou no asteroide Bennu e trouxe para ser estudada em laboratório, 250 gramas de rochas e poeira, a primeira amostra desse tipo de material obtida pela agência espacial americana. A análise do  material  vai aprofundar a compreensão sobre  a origem do Sistema Solar, a formação dos planetas, dos produtos orgânicos e da água que resultaram em vida na Terra.

O asteroide Bannu tem 500 metros de diâmetro e é considerado um mensageiro do tempo, a circular pela órbita da Terra de seis em seis anos. Assim, é plausível imaginar que lá na imensidão do cosmos, um ser superior, que vamos apelidar de Ele, direciona o Bannu para espionar, a fim de que não escape de controle, um experimento muito instável: a Humanidade.

Milhões  de anos atrás, Ele ainda estava no início de sua eternidade, quando começou a criar o Universo.  Era uma brincadeira de guri, para preencher os longos vazios da existência celestial. Primeiro ele fez detonar uma grande explosão e, a partir disso, com o surgimento de muita matéria e energia, moldou estrelas e galáxias, planetas e seus satélites, e distribuiu tudo pelo espaço infinito, cuidando de hierarquizar os astros. Para dar uma animada à escuridão do Universo, inventou os asteroides e os meteoros, estes dotados de longas caudas incandescentes,  deixando os brinquedos passearem pra lá e pra cá. desde que obedecessem a trajetória programada por Ele.

Estava o jovem Senhor Supremo tão entretido com sua criação de sete dias celestiais que preferiu não acabar com um experimento, surgido por alguma falha no processo criativo. Em um planeta insignificante, na galáxia de 200 bilhões de estrelas, ocorreu   uma inusitada combinação de matérias.  que se apresentava de forma diferente em relação aos outros corpos celestiais. A “coisa” não era inerte e parecia se modificar, evoluindo com o passar dos milênios, até surgirem pequenos seres.  Mesmo que um meteoro desobediente tivesse atingido o insignificante planeta, dizimando os outros  seres ali existentes, aqueles bichões enormes e desengonçados, o generoso Senhor Supremo decidiu manter o experimento pra ver no que ia dar. Nem na sua onisciência Ele conseguia imaginar o que poderia suceder na Terra com o crescimento exponencial em quantidade dos pequenos seres, por isso decidiu ficar de olho e escalou o Bannu como seu espião. ”Será que eles levaram a sério quando falei aquela vez ‘crescei e multiplicai-vos’?”, pensou, enquanto meditava na sua nuvem preferida.

De vez em quando o Ser Supremo avalia o relatório enviado pelo asteroide e se diverte e as vezes se irrita (Ele pode!) com as descrições do que vem observando na Terra. “Que gente sem noção”, pensa o Todo Poderoso. “Onde estava com minha divina cabeça quando deixei essa coisa prosperar?”.

Corta para tempos terrenos, em que cresce o temor de que Ele possa se distrair (afinal., está ficando velhinho) e daqui a 150 anos, um pentelésimo no tempo celestial, quando o Bannu estiver na trajetória mais próxima da Terra, o espião  se desvie de sua rota e  se choque com o nosso planeta. Ai o criativo Criador vai ter que arranjar outro brinquedo para se distrair. Antes vai ter que administrar as longas filas para o Juízo Final, mas aí certamente vai terceirizar para o assessor Pedro, que é um parceirão de mais de dois mil anos e já tem experiência em seleção de pessoal. “Quem sabe uma civilização em Marte não funciona melhor?”, Ele conjecturou, antes de se entregar a uma celestial soneca de dois séculos.

(Este texto-viagem vai para a série O que faz a Ociosidade) 

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