Nada é mais angustiante do que o desapego, seja de bens materiais, seja
de pessoas. Falo com conhecimento de causa, pois pressionado por
instâncias familiares me vi na obrigação de me desfazer de algumas de minhas
preciosidades, frutos de impulsos consumistas: camisas azuis e livros empoeirados. É
bem verdade que numa verificação superficial contabilizei mais de 50 camisas,
nem todas azuis, esclareço, sem contar as polos, boa parte delas azuis, além das peças que foram subtraídas pelo meu filho Rafael.
Com dor no coração, quase derramando uma lágrima furtiva, comecei a
sessão desapego, utilizando dois critérios que me pareceram justos diante de
tão querido acervo: descartar camisas com mangas e golas puídas e aquelas
não usadas há mais de um ano. Entretanto, se eu levasse ao pé da letra
tais critérios, sobrariam apenas cinco ou seis camisas, que se revezam no meu
dia a dia e permitem que use as detestáveis gravatas. Me bateu
aquela angústia, um agudo sentimento de perda, que decidi não ser tão
rigoroso. E descartei menos do que
devia.
Igualmente fui comedido para abrir espaço na estante de livros. Fiz doação
ao acervo que a Tânia Carvalho está organizando
na Casa de Apoio Madre Ana, da Santa Casa, outro tanto na Feira do Livro para os presidiários, mais alguma coisa para
a biblioteca bem organizada de uma escola pública do Menino Deus que reuniu
autores durante uma gincana, e distribuí
exemplares por locais públicos atendendo
o chamado de um desses dias de Doar Livros. Em compensação, criei mais um
espaço para livros, adquiridos recentemente, junto ao Memorial Flávio Dutra, um armário onde exponho algumas
peças e equipamentos antigos, mas de
grande valor afetivo, como uma máquina de escrever portátil e uma filmadora Super
8.
Quando vejo os livros ordeiramente colocados, tanto na estante principal
como no Memorial, me questiono se terei tempo de ler todas as obras que esperam
na fila por minha decisão de devorá-las, como o fazia antes de me dedicar mais
as redes sociais do que a leitura. Mesmo assim reluto em descartar o que não tem merecido minha atenção.
Já tratei neste ViaDutra do tema do
desapego e lembro ter escrito que “fisicamente o espaço foi recuperado,
mas há um outro espaço, o das lembranças, que se vai junto com o
descartável. Se o que agora foi liberado resistiu tanto tempo junto da
gente é porque certamente evocava boas lembranças. (...) Na verdade, é preciso uma boa dose de coragem
para o desapego, que é renúncia e despojamento, mas que não deixa de ser também
uma forma de traição ao abrir mão do que vale a pena recordar, substituindo por
novos focos de atenção.” Por isso, apelo para que não me encarem como um acumulador,
sou apenas um sentimental, o que vale,
sobretudo, para o desapego de pessoas, mas aí é conversa para outro momento.
Talvez tenha que dar razão a quem escreveu que “ afinal,
se coisas boas se vão é para que coisas melhores possam vir. Esqueça o passado,
desapego é o segredo”. De repente sou tentado a votar com o relator, que seria o grande Fernando
Pessoa. E se não for, assinarei embaixo assim mesmo.
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