Encontro outro dileto amigo de antigos carnavais, o
Getúlio, e antes mesmo de trocarmos um cumprimento afetuoso, ele dispara:
- Não concordo que o verdadeiro prazer esteja na mesa.
Getúlio referia-se a crônica Prazer Verdadeiro (https://viadutras.blogspot.com.br/2018/03/prazer-verdadeiro.html) onde
relato a posição do nosso comum amigo Ernesto, segundo a qual a boa gastronomia
acompanhada de vinhos qualificados substituíra, no caso dele com vantagem, os
prazeres da cama.
- Olha, eu até não concordo com o Ernesto...- tentei
explicar.
- É, mas está dando trânsito a essa bobagem. O Ernesto não pode ser levado a sério, sempre
foi meio fora da casinha.
Confesso que estranhei o uso da expressão “fora da
casinha” pelo Getúlio, ele sempre tão formal, mesmo quando se exalta. O estranhamento foi sucedido por uma
declaração surpresa, naquele já inusitado encontro:
- A verdade verdadeira, meu caro, é que os melhores prazeres hoje em dia se
encontram na farmácia!
- Na farmácia?!!! – indaguei, peremptório como um Tarso Genro, e com direito
a três pontos de exclamação que pareciam se materializar na fala, tal foi o
impacto que me causou a declaração do amigo.
- Sim, e é essa nova onda de prazer que justifica a
profusão de farmácias espalhadas pela cidade, às vezes com mais de uma a cada
quadra. São os templos onde se acha a
cura para os sofrimentos da alma e do corpo, - filosofou o Getúlio.
Nessa altura da conversa fui obrigado a refletir sobre
a questão e lembrei de vários amigos que frequentam com assiduidade as
farmácias em busca das panaceias que, acreditam, podem solucionar seus males. Esses fiéis consumidores compõem a irmandade conhecida como Os
Hipocondríacos, que cresce assustadoramente
nos estressantes tempos atuais.
Um desses devotos, também amigo de longa data, é
conhecido por perguntar às atendentes na farmácia próxima da sua casa: “Chegou
alguma novidade?”. E em seguida começa a enumerar seus males, reais ou
imaginários, e insiste nas perguntas: “O
que temos de novo para hipertireoidismo? E para a insônia? ” Como é cliente vip, recebe tratamento
atencioso e personalizado das mocinhas da farmácia. É tão bem informado sobre
os medicamentos que tornou-se consultor de uma confraria de hipocondríacos e só
não prescreve receitas porque seria uma ilegalidade, mas fala com autoridade de
especialista sobre os princípios ativos de cada droga, dosagem, efeitos
colaterais, contra indicações e tudo o que consta nas bulas dos medicamentos. Quando insinuam que ele é viciado em remédios
contesta com veemência: “Tomo os mesmos
remédios há mais de 30 anos e nunca me viciei...”
Getúlio interrompeu minhas ruminações, intervindo com
um novo argumento para reforçar sua posição:
- Tenho questionado companheiros da nossa faixa etária
e todos eles usam pelo menos três remédios, outros quatro, outros cinco e por
aí vai. É remédio para a hipertensão, colesterol...- e passa a enumerar a farmacopeia disponível
para os de 50 ou mais. “ Isso sem contar aquela pílula azul, capaz de
proporcionar grandes e duradouros prazeres”, acrescenta.
Pois é, sou obrigado a concordar com a quantidade de
remédios que nos receitam depois de certa idade. Também sou vitima desse processo,
que me consome uma boa grana todos os
meses, mas dai a sentir prazer em frequentar farmácias não é o meu caso, ao
contrário. Já para o Getúlio é como se
fosse uma ida ao supermercado, como deixou claro na despedida:
-Agora, caríssimo, me dá licença que preciso fazer meu ranchinho
de remédios para esta semana.
Fez uma pausa e
completou faceiro:
- O que mais
precisa um ser humano para ser feliz?
Acho que está
na hora de selecionar melhor minhas amizades.
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