segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Sucessos no boteco virtual


* Publicado  nesta data em Coletiva.net.

O que mais me intriga no momento, eu que já rodo por aí há 69 anos, são essas manifestações que de repente viralizam nas mídias e recebem pencas de adesões e  compartilhamentos. Dois exemplos recentes: o sucesso da música Jennifer ( “o nome dela é Jenifer”) e as fotinhos confrontando 2009 e 2019.

Confesso que não sou muito ligado no mercado musical para entender como surge e se firma um sucesso, nem estou aí para julgar  se Jennifer, consagrada como hit do verão, é boa ou ruim.  Tenho gosto eclético e não preconceituoso.  Entretanto, gostaria de compreender a complexidade do processo que leva uma manifestação dessas a se tornar fenômeno de popularidade. 

É o caso também das postagens  que  mostram a evolução - ou involução - de uma situação ou pessoa em 10 anos, hashtag 10yearchallenge. Até gente circunspecta de minhas relações se entregou à brincadeira, com efeitos perversos em alguns casos. O tempo pode ser  cruel no espaço de 10 anos e aquela caldável de 2009 aparece agora com mais pé de galinha que uma canja e o garotão malhado de anos atrás virou um charque velho e barrigudo. 

Deve haver uma Central de Criações e Sacanagens, uma instituição com várias ramificações, por  trás de tudo isso. O lado positivo, se é que  se pode definir como positivo, é  que tais manifestações despertam a incomensurável veia criativa do brasileiro. Manifestei a dúvida porque a criatividade é mais  voltada a promover a safadeza e o deboche, inundando as redes com aquelas bobagens que fazem a alegria de uns e a fúria de outros. De novo, dois exemplos,  ambos da #10yearchallenge: Fernando  Haddad jovial e bonitão em 2009  e  no quadro seguinte, de 2019, em forma de poste; ou o par  de seios, firme e forte em 2009 e caidaço dez anos depois.  

Pelo receio da comparação desfavorável - e porque abomino o  efeito  boiada -, não participo desses movimentos que  se disseminam nas redes. Vale o mesmo para correntes, apelos por causas fajutas, defesa de larápios de todos  os  matizes, etc, etc.   Continuo me indagando, porém, como surgem, se espalham e,  em seguida, altamente perecíveis que são, acabam substituídas por outro tipo de questão e segue o circo. Começo a acreditar  que se trata de um processo em escala industrial para saciar a necessidade das gentes de se acharem incluídas  nos temas da moda e poderem participar de debates candentes nos botecos virtuais em que se transformaram as redes.

Já eu prefiro a leveza e o bom humor nas postagens, mesmo aquelas  interpretadas como politicamente incorretas ou rabugentas. Para quem pensa assim, vai meu melhor e  mais sonoro buuu.
(Mas encerro continuando sem saber como funciona a tal viralização. Aceito explicações. )

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Prazer verdadeiro.

* Publicado em Coletiva.net em 21/01/2018
Os encontros com Ernesto sempre rendem receitas de bons pratos e ótimas indicações de vinhos. Só que não entendia porque o dileto amigo de tantas confrarias insistia em me brindar com as informações gastronômicas, já que ele sabia que no máximo sei fritar ovos, o que dirá produzir os pratos elaborados que ele descreve. Também já cansara de explicar que meus conhecimentos enológicos se resumiam a distinguir os brancos dos tintos, os espumantes dos frisantes e que passo vergonha se tiver que escolher entre um Malbec e um Cabernet, ou entre um Pinot Noir e um Merlot. É bem verdade que não reconheço os chamados vinhos finos, mas meu paladar está treinado para rejeitar os vinhos de baixa qualidade, da mesma forma que um bolsonarista rejeita um lulista e vice versa. Por aí vocês têm uma ideia da dramaticidade da questão nos encontros com o Ernesto.
De tudo isso era sabedor o meu amigo, mas ele insistia em me torturar gastronômica e etilicamente. "Olha recebi um Chardonnay chileno, safra 2015 que é uma beleza. Vai bem com  frango assado ao molho de limão e ervas, ou anéis de lula na manteiga de limão siciliano", ele recitava, sem uma pausa e parecendo salivar enquanto definia a harmonização. Ou, então, "dia desses, preparei pappardelle com gorgonzola, nozes e um belo filé. Advinha com que vinho harmonizei esse jantar dos deuses?" Diante da minha cara de idiota ele completou: "Com um Reserva Carignan, safra 2014, um vinho exuberante e complexo. Magnifique!", exclamou, num francês sem sotaque, embora a origem  do vinho fosse chilena. Na verdade, ele parecia ter na cabeça um manual de harmonização com todos os vinhos de boas cepas e suas melhores companhias à mesa.
Cheguei a pensar que o Ernesto agia assim para me humilhar, em represália a alguma forma de bullyng que eu teria cometido ou consentido na nossa adolescência. Por isso, depois de uma dessas sessões torturantes, decidi pegar pesado com ele, questionando seu modo de agir. Foi então que, de forma quase inaudível, mas não envergonhada, Ernesto confessou a nova fase da sua vida:
- Perdi o interesse "naquilo". Dá muito trabalho, exige muita conversa antes e muita energia depois. E ainda precisa tomar banho no fim, - justificou, enquanto mudava de tom:
- O verdadeiro prazer está na mesa! Bons pratos, acompanhados de vinhos de qualidade. Não tem erro. E diferentemente "daquilo", dá pra variar à vontade, sem culpa, não se corre o risco de traições, podemos dividir os momentos prazerosos com parceiros masculinos e femininos sem provocar maledicências, as preliminares se resumem aos acepipes das entradinhas e a gente consegue repetir o prazer mais de uma vez ao dia, sem precisar de aditivo químico, a não ser o próprio vinho. É tudo de bom! - acrescentou, cheio de entusiasmo.
Quedei-me, por instantes, num silencio obsequioso depois de tais revelações, porque, afinal, passei a entender a motivação do Ernesto nos nossos encontros. De certa forma, compadeci-me da situação do amigo, mas só me ocorreu uma espécie de solidariedade: anunciei que, por coincidência, estava cogitando participar de um desses cursos básicos de vinho, além de me matricular numa escola de gastronomia. A reação do meu amigo foi de exultante aprovação:
- Maravilha. Vais conhecer o prazer verdadeiro, que não está na cama, mas na mesa.
Agora, nossos encontros ganharam uma pauta adicional: a cobrança dele de quando vou me dedicar aos dois cursos. Ou seja, a tortura foi ampliada, mas eu resisto.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Efeito Boiada no verão


* Publicado nesta data em Coletiva.net

Casas na praia, como sítios em zona rural, proporcionam dois prazeres aos seus eventuais proprietários: quando compra e desfruta ao máximo, e quando vende e passa adiante a encrenca e um monte de despesas. Esse é um princípio bem conhecido por quem já viveu a experiência, entre os quais este que vos fala.
Depois de 10 anos investindo em uma morada em Curasal - a pequena praia da Âncora, entre Curumim e Arroio do Sal - uns gringos de Caxias do Sul arremataram a casa e ficaram bem faceiros, enquanto eu, de saída, livrei-me de um IPTU maior do que o de Porto Alegre, mais taxas de água, energia e demais despesas decorrentes da manutenção de uma casa na praia. Detalhe: nos últimos anos, o máximo que aproveitava era uma semana de veraneio. Ou seja, custo altíssimo para pouco benefício.
Não significa que não goste de praia. Até gosto, já gostei mais, é verdade, e assim parece que estou na contramão em relação ao modo de ser da maioria dos gaúchos, que tem fixação em estar junto ao mar. Para comprovar, pesquisa recente da Fecomércio indica que mais de 6,5 milhões de gaúchos, ou metade da população do Estado, querem ir para as praias neste verão. Outro tanto também gostaria de ir, mas certamente não tem recursos, enquanto apenas 2,5% prefere ficar no caldeirão de Porto Alegre,
Deve ser um atavismo com alguma explicação sociológica que foge a minha compreensão. Ainda lembro de uma charge do Iotti, na edição de ZH da virada do ano em 2012, que ilustra bem essa obsessão: na fila formada por uma boiada, um dos animais pergunta: "Mas, afinal, por que todos temos que ir à praia?". Bingo, efeito boiada, é isso que nos move em direção ao território conhecido no Rio Grande como "as praia". Nosso litoral carece de belezas naturais - exceto Torres, que seria um enclave de Santa Catarina no Rio Grande - enquanto sobram desatrativos, se é que existe o termo. 
E, independentemente do tamanho e da origem dos veranistas, os problemas são os mesmos em todos os balneários: crescimento desordenado, infraestrutura precária, serviços públicos que deixam a desejar, atendimento pouco qualificado e por ai vai. Experimente contratar um pedreiro, um pintor, um encanador e você vai ver o que é bom pra tosse. Primeiro ele precisa aparecer no dia marcado, depois utilizar os materiais nas quantidades que ele mesmo indicou, nem o dobro a mais nem a menos e, por fim, entregar o serviço no prazo e na forma como foi acordado. Experimenta, vai.
Mesmo assim, temos uma atração obsessiva para escapar até o litoral. E aí está o outro problema a ser enfrentado: as estradas entupidas, que não dão vencimento ao volume crescente de veículos, sem contar os Fuscas, os Opalas, as Kombis, legados pelo século passado e cujos donos e suas famílias se consideram também filhos de Deus, com direito a salgar o corpitcho e tomar suas Kaisers e caipirinhas à beira mar, em memoráveis farofadas. Os despossuídos, pelo menos, não estão nem aí para as dificuldades, para o chocolatão do mar e o vento Nordestão, para os mercados lotados e os preços abusivos. Como o macaquinho da velha piada, eles querem é gozar. 
Quem reclama mesmo é aquele pessoal que torce o nariz para as chinelagens do nosso litoral e vai pra Santa Catarina. Houve um tempo em que os catarinas, ardilosamente, erigiram uma barreira na altura de Laguna só para atazanar os chatos dos gaúchos que invadiam suas praias paradisíacas, ao mesmo tempo em que faziam a alegria dos repórteres de rádio com seus boletins repetitivos: "... Neste momento, 10 quilômetros de congestionamento no acesso à ponte de Laguna". Mas até isso acabou com a conclusão da nova ponte.
Os gaúchos que reclamam dos acessos às nossas praias é porque não viveram os veraneios pré Freway, Estrada do Mar, Rota do Sol e outras vias alimentadoras. Até a década de 1970 do século passado funcionava assim: o carro lotado saía cedo para a RS 030, também conhecida como Estrada Velha, que vai de Gravataí a Santo Antônio e Osório, e, dali, acessa Tramandaí.  Ou mais ao Sul, pela estrada que passa por Viamão e vai a Cidreira, a RS 040.  Chegava-se aos outros balneários pela Interpraias e onde ela ficava intransitável, nas praias mais ao Norte, o negócio era seguir pela beira mar, cuidando para não atolar nos inúmeros arroios ou na areia mais fofa.
Em compensação, eram tempos menos corridos e o veraneio podia durar um ou até dois meses, o que é impensável nestes tempos competitivos, de escapadas de fim de semana. Desse jeito, não há quem aproveite ou espaireça de verdade, porque o sujeito mal chega à casa da praia e já começa a sofrer pensando na volta. É por isso que não entendo esse boom de condomínios fechados, disseminados por todo o litoral. Há clientela para tudo isso? E qual a vantagem de sair do aperto da cidade para "desfrutar" do aperto no litoral, com espaços confinados, privacidade às favas e a maioria longe da praia? Como na nossa obsessão pelas praias, aqui também não tenho as respostas. 
Agora devo confessar que a porção praieira que ainda habita em mim clama por uma temporada à beira mar. Se me permitem, vou juntar-me à boiada. Litoral gaúcho, vou lhe usar.


segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Reflexões natalinas


* Publicada originalmente em 23/12/2016

Há uma certa melancolia, quase deprê, neste período de festas. Talvez seja pela obrigatoriedade de mostrar felicidade, enquanto a realidade é desanimadora. Culpa também das revisões que o fim de uma etapa impõe e a conclusão de que muito foi sonhado e pouco concretizado e isso vale tanto para a vida pessoal como para o lado profissional.  Se pelo menos os presentes compensassem as frustrações, mas nem isso tem ajudado.

Foi-se o tempo das cestas de Natal repletas de produtos importados, ou das bebidas finas ou, ainda, dos eletrônicos de última geração oferecidos como mimos por clientes e fornecedores. No Jornalismo tal prática é conhecida como “toco”. Escapa ao meu conhecimento a origem da expressão. Talvez represente coisa pequena e o uso  parece ser exclusivo dos jornalistas gaúchos.

Hoje o recebimento dos regalos é visto com restrições ou tratado como folclore, mesmo porque a operação Lava Jato desnudou o toma lá, da cá em nível bilionário.  E, assim, ofertantes e recebedores foram para a retranca, com os toqueiros bagrinhos, aqueles que recebem um misero espumante moscatel ou um panettone, pagando pelos peixes grandes, pós graduados em mamarem nos recursos públicos.

Não estou aqui para lamentar por nenhum deles. Na verdade, quero deixar meu protesto veemente, em nome de todos os capricornianos que fazem aniversário no Natal ou nos dias próximos. Não são poucos, garanto, mas a maioria alega que é discriminada quanto aos presentes, recebendo um que vale por dois devido a coincidência de datas. Por muito tempo fui vitima dessa sovinice, eis que nasci em 6 de janeiro, dia de Reis (mera coincidência), embora  a data seja referencia a chegada dos reis Magos Melchior, Baltasar e Gaspar à gruta de Belém para presentear o Menino Jesus com ouro, incenso e mirra. No  Uruguai a troca de presentes ocorre nesse dia. Mesmo assim, apesar  de  todo esse respaldo bíblico e de tradição, muitas vezes eu ficava sem o  presente de aniversário.

Nem por isso precisei apelar para o divã dos analistas a fim de curar minha frustração por não ser presenteado  e olha que   nem precisava ser ouro, mirra e incenso, bastava um carrinho, uma bola, um joguinho qualquer.


Não vão faltar línguas maldosas para dizer que estou aqui apelando para o coitadismo e  insinuando  a necessidade de ser presenteado no aniversário próximo -  com vinhos importados, espumantes de boa cepa, cervejas  artesanais, camisas azuis de grife, utensílios para churrascos. Não, gente,  não precisa se incomodar. 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A República dos Motoristas


* Publicado  nesta data em Coletiva.net
No Brasil, a assertiva do velho Marx de que a história se repete, a primeira vez como tragédia  e a  segunda como farsa, não é bem assim. Aqui se repete como tragédia, drama, comedia  e, sobretudo, como farsa. E como se repete, repete, repete!

Invoco Marx a propósito da interferência repetitiva dos motoristas na vida brasileira, especialmente no período  da redemocratização. Valeria certamente um estudo acadêmico mais  aprofundado sobre estes profissionais  e a influência deles no curso da história. Não falo dos caminhoneiros  que derrubaram a economia  com a paralisação em maio – foram protagonistas também, apesar  do desserviço prestado -,  mas dos motoristas que tem a responsabilidade do leva e traz  das autoridades.

Um caso notório é  do ex-motorista de Fernando Collor, Eriberto França, que  denunciou  pagamentos indevidos ao  então presidente e isso foi decisivo no processo que resultou no impeachment.



Só que a realidade, às vezes, é cruel, tanto assim que Eriberto, conhecido como “ o motorista que derrubou Collor”, amargou o desemprego por um bom tempo, enquanto o ex-presidente voltou ao Senado e às maracutaias, e tem sido citado com assiduidade na Lava Jato.



Não é motorista, mas mesmo assim merece o registro pelas atitudes que tomou, o caseiro Francenildo  Costa em meio ao escândalo do Mensalão. Ele denunciou os contatos de Antonio Palocci, então ministro da Fazenda de Lula,  com lobistas desejosos de “negociar” com o governo ,  teve seu sigilo bancário quebrado, o que acabou servindo para tornar insustentável a permanência do denunciado no cargo.  



Francenildo  também enfrentou o desemprego, mas, se serve de consolo, Palocci, diferente de Collor, foi encarcerado, se bem que acabou beneficiado agora, depois da delação premiada, com prisão  domiciliar.



Mais recentemente, denúncias de dois motoristas complicam a posse como ministra do Trabalho da deputada  Cristiane Brasil, que descumpriu a legislação trabalhista na relação com os profissionais. A deputada violou uma regra básica: os motoristas, que tudo ouvem e a tudo assistem, são cargos de confiança por excelência e como tal devem ser tratados.



E ganha as manchetes agora a suspeita envolvendo o motorista de Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito. O sujeito, morador de uma casa modesta na periferia do Rio, movimentou mais de R$ 1,2 milhão na sua conta bancária, conforme revelação do atento COAF. Um cheque de R$ 24 mil para a futura primeira dama aproximou  ainda mais Jair Bolsonaro do imbróglio. Até agora as explicações dos envolvidos  revelam um tanto de amadorismo e outro tanto de desfaçatez.



O principal personagem – o motora – até domingo ainda não tinha aparecido para se explicar.  Dependendo dos desdobramentos, o episódio pode ter como inédito efeito na política brasileira uma fragilidade do governo antes mesmo de  assumir. E nem dá pra culpar o motorista, que parece ser mero intermediário nessa malsucedida operação.



Por fim, poderia falar também do papel desempenhado por ex-mulheres, ex-namoradas e ex-amantes nos grandes escândalos nacionais, mas aí é outra história, que também se repete, repete, repete.


domingo, 16 de dezembro de 2018

Identidade seminal


* Publicado em Coletiva.net em 26/11/2018
-Bom dia, seu Júlio.

O cumprimento do rapaz que  circula de bicicleta todas as manhãs em Ipanema é tão previsível como as minhas caminhadas pelo calçadão.  O rapaz era amigo do meu filho, já frequentou minha casa, mas acho que por não desempenhar outra atividade, a não ser pedalar  o dia todo e  todos os dias, criou na sua cabeça, ornada por dreadlocks, uma identidade que não corresponde a do caminhante.

Respondo a ele  como a mesma civilidade, ora com “bom dia”, ora  com um gesto de positivo. É que já estou acostumado a ser vítima e agente de  trocas de nomes.  A cozinheira da firma, por exemplo, pede desculpas  cada vez que me chama de ”seu Sérgio”. Tempos atrás quando trabalhava como comprador de uma instituição, um veterano e formal vendedor de material de escritório alternava, na mesma negociação, propostas ao “senhor  Jorge”, “senhor Cláudio”, “senhor Valter”, além dos  senhores “Júlio”, “Sérgio” e até “Flávio”.  Achava aquilo  tão fantástico que não me atrevia a corrigi-lo.



Sei lá o que Jorge, Cláudio, Valter, Júlio e  Sérgio tem em comum com Flávio.  Talvez porque  sejam nomes curtos, no máximo sete letras, alguns com o mesmo acento na primeira sílaba  e a mesma divisão silábica.  Mas isso não  é salvo conduto para sair por ai trocando o nome que  a dona Thelia, minha santa  mãe,   escolheu para seu querido sexto  filho e cujo significado é singelo, mas tem história: o nome Flávio tem origem a partir  do latim Flavius, que se originou na palavra flavus, que quer dizer “amarelo”, “dourado” ou “louro”, em referência a cor  dos cabelos. O surgimento do nome tem  como base o de uma  família romana, de onde saíram três imperadores, a partir de Tito Flavio Sabino Vespasiano, que deu origem a dinastia conhecida  como “flaviana”. Origem dinástica, por essa nem eu esperava!



O histórico do nome não impede, entretanto, as trocas a que tenho sido submetido e que podem ser castigos para  as que tenho cometido. Um exemplo clássico é saudar o produtor cultural  Esdras Rubin como Wesley Cardias, especialista em marketing, que nem parecidos são. Menos mal que ambos já  revelaram que  não é exclusividade minha essa troca.



Só utilizo o nobre espaço proporcionado pelo Coletiva.net  para tratar de uma questão aparentemente banal e  pessoal porque defendo que reconhecimento e respeito à identidade seminal, no caso o nome de registro,  tem -  ou deveria ter - valor de cláusula pétrea para todos. A  legislação brasileira    prevê a adoção do nome social por travestis e transexuais em substituição ao nome de registro, porque é ao novo nome que a pessoa  se identifica,  uma vez que corresponde ao gênero a que ela aderiu. Porém, daqui a pouco surgirá um movimento para o reconhecimento a algo como Nome Ideológico para satisfazer os que agregaram Lula ou Bolsonaro ao seus nomes. Valeria também para os Guarani-Kaiowa. A Justiça Eleitoral já admite registro de candidaturas com tais composições. Só que essa turma tem mais apreço ao voto do que as suas identidades.



No meu caso, tão grave como a trocas, que não faço por maldade ou desrespeito,  é o branco que me acomete diante de conhecidos, cujo nome me escapa. Chamaria a situação de “Mal da Fila de Autógrafos”, pois se acentua nos lançamentos de livros. Você divisa aquele velho conhecido chegando cada vez mais perto  para receber os seus garranchos no livro que ele gentilmente adquiriu e o nome não vem à memória.  Na recente sessão de autógrafos de “A Maldição de Eros”  ocorreu uma situação  dessas com uma figura  querida e conhecidíssima e nada de lembrar o nome. Fui  providencialmente socorrido por um  casal amigo  que teve a feliz ideia de cumprimentá-lo pelo nome, antes que  aportasse  em mim.



Agora  estou me policiando  e criando estratégias para não cometer mais gafes ou esquecimentos. Garanto  que vou mudar ou não me chamo mais Júlio Sergio Claudio Valter Jorge Flávio Vieira Dutra,.



*Por curiosidade  registro do significado dos outros nomes aqui mencionados. Jorge, na origem, significava agricultor;  Valter, poderoso guerreiro; Júlio, pessoa jovem: Claudio, coxo, manco, daí o termo “claudicante”; Sérgio, protetor. Olha, confesso que só trocaria meus dourados pela juventude do Júlio, o que talvez absolva o rapaz da bicicleta. Vá que ele ache o veterano aqui nem tão veterano!


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Chama o Papa


* Publicado em Zero Hora em 10/12/2018

A violência dos vândalos do River contra o ônibus  do Boca, que resultaram no adiamento  da decisão da Copa Libertadores, preocupou mais os dirigentes da Conmebol pela presença do presidente da Fifa no  estádio do que pelos prejuízos causados a uma das equipes ou porque era mais  um vexame envolvendo a  instituição que dirige o futebol sul-americano. Gianni Infantino, o homem da FIFA, até pela posição  que ocupa, certamente deve saber que os hermanos são desordeiros  contumazes e mega reincidentes em confusões dentro e fora do campo.

Só para recordar, uma dos maiores vergonhas ocorreu na Copa de 1966, no jogo entre Inglaterra e Argentina. O capitão argentino, Antonio Rattin se descontrolou, discutiu com o juiz, acabou expulso, mas demorou quase 20 minutos para deixar o campo e ao sair, cometeu a descortesia de amassar uma bandeirola inglesa. Foi saudado com vaias estrepitosas e gritos de “animais, animais”.

O histórico de violência dos argentinos contra  os europeus  marcou o mundial de clubes, especialmente na década de 70, quando o título era decidido em jogos lá e cá entre os campeões continentais.  Naquela década, dos dez torneios em sete os campeões europeus  se recusaram a jogar na América do Sul  ou não houve  competição pelo mesmo motivo.

Vale lembrar ainda, entre outras ocorrências, a Batalha de La Plata , o jogo Estudiantes  x Grêmio em 1983, que colocou em risco a vida dos representantes brasileiros. E, mais recentemente, pela  Libertadores de 2015, foi a torcida do Boca que lançou spray de pimenta contra os  jogadores do River no intervalo  da  partida. O Boca acabou punido com a desclassificação. O episódio do último sábado seria o revide pela agressão de 2015, só que a Conmebol perdeu toda a autoridade para agir com o rigor necessário e por fim a essa bagunça que privilegia o extra  campo  em detrimento do futebol.

Se me permitem a sugestão, acho que está na hora de o papa Francisco, argentino e aficionado torcedor  do San Lorenzo, entrar em campo e rogar pela pacificação das hinchadas do vizinho país e por ações confiáveis, disciplinares  e competentes dos diretivos. Se nem isso resolver, lamentavelmente acabará de vez aquela derradeira possibilidade de solução: a de  se queixar pro Papa. Aí será a vitória definitiva da barbárie.

Chatices de fim de ano



* Editado do original e publicado no Coletiva.net em 10/12/2018

Está aberta a temporada de chatices de fim de ano. Com isso é cada vez maior o número de pessoas que se deprimem, ficam melancólicas nesta época  e admitem publicamente que detestam as chamadas festas natalinas.  A estatística de desgostosos cresce na proporção direta em que o comércio antecipa suas campanhas de Natal, com o objetivo de vender mais e quanto mais cedo melhor.  Os shoppings, esses templos do consumo, se enfeitam como se disputassem um campeonato  de ornamentação natalina.

Particularmente já curti menos o Natal, mas voltei a me entusiasmar por causa das netas e neto, Maria Clara, Rafaela, Lívia e Augusto. Natal é a grande festa da criançada que  adora as tais casas do Papai Noel nos shoppings , mesmo que os pequeninos ainda se assustem com o velho gordo, de barbas brancas e vestido de vermelho. Mas, como diz minha faceamiga Monica Goulart,  acabar com a fantasia das crianças é crime inafiançável.

Eu prefiro olhar as assistentes do personagem,  mas não pensem que é um olhar  de más intenções, apenas um gesto fraterno de solidariedade, creiam-me,  às moças que lidam com crianças irrequietas ou assustadas e pais ansiosos.  Pois é  assim que se estabelece o ciclo que vai impulsionar ao consumo: atraindo a criança para o ambiente repleto de ofertas de produtos e serviços é inevitável que os mais velhos sejam levados ao ato da compra.  Os números variam conforme a pesquisa, mas de 50 a 60% dos brasileiros admitem fazer compras por impulso.  E a roda da economia anda.

Frequentar os shoppings nessas circunstâncias não é a pior chatice do período.  Tem coisas que nem o CD natalino da Simone (ainda existe?) ou o show do RC conseguem bater em termos de malice.  O noticiário esportivo, por exemplo, se esmera em nos torturar com teses sobre o bom ou mau desempenho dos nossos clubes, o futuro incerto nas competições que virão e as especulações sobre reforços e dispensas.  E as retrospectivas repletas de pequenos e grandes dramas; e as previsões para o próximo ano, repletas de obviedades.  E os comerciais piegas;  e a programação de fim de ano das TVs. Ah, e tem a festa da firma e o inevitável  Amigo Secreto,  que por si só já mereceriam uma boa dose de Prozac.

É quando sobrevém aquele sentimento de impotência e incompetência pelo que foi planejado e não realizado. Sempre fica algo para trás, inconcluso, desafiador, a debochar da nossa capacidade de entrega, como se os 12 meses  passados não fossem mero recorte de um tempo que prossegue, um tempo  em que nem tudo precisa ser renovação, mas sim um espaço para continuidades e retomadas. 

Relaxemos, pois, porque há vida após o Natal . O ciclo recomeça logo adiante, na passagem para mais um ano, uma etapa que, como as outras anteriores e as que virão, nada mais é do que representação  de uma convenção.   Perdão pelo reducionismo, mas é simples assim. Portanto, não precisa forçar a alegria. 


sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Dia do Profissional da Adrenalina

* Publicado a partir do original de  08/12/2013

Militei (gosto do termo) mais de 25 anos na chamada crônica esportiva. Comecei na Zero Hora, passei pela Folha da Tarde, trabalhei na Rádio e  TV Difusora (hoje Band), nas rádios Guaíba e Gaúcha, duas vezes em cada veículo, e encerrei esse ciclo na RBS TV/TVCom. Fui repórter e editor de jornal, editor e coordenador de rádio e TV, mas nunca me aventurei no microfone nem no vídeo. Achava que não tinha perfil pra isso, o que foi uma bobagem porque até a desenvoltura diante do público a gente aprende. Mas preferi me especializar nas ações da retaguarda da operação que envolve a cobertura esportiva, no dia a dia e nos grandes eventos.  Muito me orgulho também de ter atuado, por um bom período, na diretoria da Associação Gaúcha de Cronistas Esportivos (Aceg), da qual só não fui presidente. 

Aprendi muito neste período, até porque tive mestres inspiradores. Gente como o Armindo Ranzolin, um gigante ao qual presto meu reconhecimento e que, por feliz coincidência, faz aniversário nesta data; ao Ari dos Santos, que nos deixou recentemente e que na atividade profissional parecia ter a fórmula das polêmicas nos programas de debates; e,  nos jornais, meu guru Nilson Souza, um grande editor e cronista de texto irretocável, e o Emanuel Mattos, que também já nos deixou, e a quem devo minha reciclagem para o impresso nos anos 80. Claro que aprendi muito com outros companheiros e pra mim o aprendizado é permanente, mas faço questão de destacar os quatro profissionais porque realmente representaram muito na minha carreira. E em nome deles saúdo todos os que fazem da cobertura do esporte sua vocação e missão no jornalismo neste 8 de dezembro em que se celebra o Dia do Cronista Esportivo.

Comemorado no mundo inteiro, registros nada confiáveis creditam a data a Aulus Lépidis, que seria o primeiro cronista esportivo ao descrever num  8 de dezembro  um duelo entre escravos e leões, no jornal Acta Diurna, de Roma. Aulus  acabou ele mesmo devorado por animais famintos, jogado às feras por Marcelus Brunos, o domador dos leões, cuja esposa teria um caso amoroso com o primeiro mártir do jornalismo esportivo., que coisa, hein!

Fico pensando em como essa história seria contada pela imprensa esportiva da época e tenho certeza de seria uma cobertura ágil, detalhada, emocional e opiniática, com muita adrenalina, portanto, porque esses atributos – positivos ou negativos – fazem a essência da atividade. A verdade é que a crônica esportiva já nasceu sob o signo da controvérsia e isso é inevitável em se tratando de uma editoria que envolve competições e rivalidades – vide o nosso Grenal.

Não conheço cronista esportivo que não seja apaixonado por seu trabalho e aos que ficaram e aos que virão meu reconhecimento e um abraço parceiro. Que não falte adrenalina  pra vocês!




terça-feira, 4 de dezembro de 2018

A Festa da Firma e uma pesquisa de enrubescer


* Editado a partir do original de 19/12/2014 e publicado em 03/12/2018 emColetiva.net 

Fim de ano é um período infernal para frequentar restaurantes. Nos almoços, nos jantares ou num simples happy é inevitável enfrentar nas mesas ao lado alguma confraternização de fim de ano da firma ou a própria festa da firma.  Observador atento que sou, sei distinguir logo a confraternização, um ritual mais ligeiro, do que seria a festa da firma, que exige uma produção mais requintada. Tanto assim que na festa as moças se apresentam invariavelmente em seus pretinhos básicos ou nas modernosas roupinhas com estampas da moda.  Todas de banho tomado, maquiagem  e cabelos caprichados, olhar do tipo “é hoje!” e sobraçando o embrulho com o presente do amigo secreto.  Sim, porque confraternização ou festa de firma que se preze tem que ter amigo secreto, com cerimônias de entrega plenas de algazarras – um mico para os mais austeros, entre os quais me incluo.  

E segue a fuzarca, em alguns casos interrompida pelo discurso do “Homem”, o chefão que banca a festa e vai agradecer aos “nossos colaboradores pela dedicação e a superação dos desafios”.  A frase é tão previsível como o sujeito inconveniente de fim de festa, que tomou umas a mais,  acha que é o gostosão do pedaço e passa a tirotear em todas as colegas.  Como sou rodado,  já vi de tudo nesses ocasiões.

A propósito de rodado, no último episódio do qual fui testemunha da série  “festa da firma” o tema recorrente entre as moçoilas, predominantes no caso,  era o resgate de um texto publicado tempos atrás na Folha de São Paulo com o sugestivo título “Você é uma mulher rodada?”. Confesso que fiquei enrubescido com o pouco que pude ouvir das quase senhoras, que eu arriscaria dizer, de conduta ilibada.

Pelo que entendi tratava-se de um questionário, resposta irônica e bem humorada ao machismo, com indagações do tipo “Já fez sexo no primeiro encontro?”, “Já fez sexo no primeiro encontro mais de uma vez?”,  “Não sabe quantos parceiros teve na vida?”, “Na verdade, nunca contou?”. Essas, eu diria,  eram as questões mais civilizadas. Não resisti,  agucei o ouvido e me arrependi porque as moças, quase senhoras, começaram a pegar pesado nos questionamentos que caracterizam a mulher rodada. Coisas do tipo: “Transou com estrangeiros na Copa?”, “Transou com colegas de trabalho na festa da firma?” “Já fez canguru perneta?”, além de uma que me deixou chocado – “Transou com anão?” -  e outra muito intrigadíssimo – “Já teve (ou tem) um PA e recomenda?”.

PA? O que indicaria a sigla? Quase abandonei minha posição de ouvidor passivo e fui perguntar  às ocupantes da mesa ao lado, mas recuei, eis que sou um tanto desprovido no quesito altura e minha presença poderia ser interpretada como o tal anão da transa, um anão oferecido que, se utilizado, resultaria em pontos extras rumo à mulher rodada.

Ao deixar o restaurante e a algaravia das moças, sai angustiado com o desconhecimento que persiste quanto ao significado de PA.  Não me arrisquei a dar qualquer outro significado a não ser  o verdadeiro e talvez seja condenado a ficar eternamente com essa dúvida, castigo para deixar de ser abelhudo. E aí, veio a surpresa final, quando uma das moças, quase senhora, disparou em alto e bom som:

- Tirando transar com anão, me enquadro em todas as outras questões!

Apressei o passo para me afastar logo do local. Vamos que a moça estivesse interessada em completar a série, convocando um anão...