segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

A senhorinha e a garrafa de cachaça

*Publicado nesta data em Coletiva.net

*Baseado numa história real

O homem ficou intrigado com o que viu nas gondolas de bebidas alcoólicas do supermercado. A senhorinha, aparentando seus 90 anos, escolheu, sem muita hesitação, uma garrafa de cachaça, acrescentando ao carrinho junto à barra de chocolate e aos dois pãezinhos.  Curioso com o desdobramento da ação, ele acompanhou a veterana até a caixa. Lá chegando, a atendente passou os produtos pelo sistema, mas o valor excedia às notas amarrotadas que ela retirou da velha bolsinha. Em seguida, sem demonstrar contrariedade, a nonagenária pediu à moça:

- Então pode  retirar o chocolate.

Foi aí que o homem decidiu intervir e, generosamente, se dispôs a integralizar o que faltava em dinheiro no pequeno rancho, o que nem era uma grande quantia. 

- Receba como um presente de Natal meu, - completou. 

A senhorinha agradeceu – “brigado, meu filho” - e deixou o homem faceiro pela boa ação, mas com uma dúvida pertinente, que a guria da caixa não conseguiu esclarecer:

- Ela vem todas as semanas, escolhe sempre a mesma marca de cachaça, fico louca de vontade de perguntar o que ele faz com a bebida, mas não tenho coragem,- esquivou-se a atendente.

O homem, que não era propriamente um consumidor de destilados, mas conhecia o teor alcoólico das bebidas, calculou que o produto adquirido por sua beneficiária deveria ter, no mínimo, uma graduação de 40%. 

Isso só aumentou a curiosidade dele. Qual destino a senhorinha daria aquela cachaça? Seria para consumo próprio? Ele procurou afastar mentalmente essa hipótese. “Um absurdo”, pensou. Ou estaria atendendo ao pedido de seu companheiro, ele sim um contumaz apreciador de cachaça, talvez mais do que deveria? Quem sabe era item indispensável em alguma receita culinária da simpática senhora? Ou, ainda, a bebida poderia fazer parte de algum ritual religioso? 

Consumido em dúvidas, o homem teve, entretanto, um momento de intima alegria, ao se dar conta que, de alguma forma, contribuíra para a felicidade da velha senhora. Afinal, era tempo de Natal e o pequeno gesto dele pode ter feito uma grande diferença para ela, mesmo presenteando com uma garrafa de cachaça, que ele torceu para que fosse usada para fazer a felicidade de mais gente, de preferência em saborosos quitutes para a ceia natalina.


domingo, 22 de dezembro de 2024

LIGEIRAS REFLEXÕES PRÉ-NATALINAS, COM MUITOS REPETECOS

- Meiguice Relativa do Ar neste período: ALTÍSSSIMA!

- Tem aqueles que são fdp o ano inteiro e viram doces e meigos agora.

- Quantos retratos de festas da firma ainda vou ver no Facebook?

- Aviso aos navegantes: os piores lugares para circular nestes dias são os shoppings e os supermercados.

- Mais um a pouco e já será Natal na Austrália.

- Apreciaria que os votos de boas festas viessem acompanhados de um bom vinho ou espumante.

- Para receber mimos, não fechamos no Natal nem no Réveillon. Mas não me venham com panettone.

- E ainda há tempo para mimos nas segundas e terças-feiras...

- Certos presentes recebidos estão mais para Amigo da Onça Secreto. Não é o meu caso.

- Neste período até podem me chamar de bom velhinho.

- Seria o peru é o chuchu das aves?

-  E o panettone o chuchu dos bolos?

- Qual o parentesco do peru com o chester,o fiesta e o buster? É pai ou é primo irmão?

- Show do RC na TV, mas pode chamar de Déjà Vu!

- Por fim uma extra natalina: essa relação do Grêmio com o técnico português está se revelando uma caixinha de surpresas.

- Para que o Bom Velhinho seja generoso neste Natal, roguemos com fervor 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

A Era da Banalidade

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Outro dia tratei aqui do que intitulei de Era da Enganação ou da Desconfiança, como resultado dos múltiplos golpes e fraudes que infestam o dia a dia dos brasileiros. Mas outra Era se impõe nestes tempos pós-modernos:  a Era da Frivolidade, ou da Banalidade. 

São tempos de excessiva exposição aos conteúdos digitais de baixa qualidade, sobretudo nas redes sociais. Com base nisso, a Oxford University Press, que edita o conceituado dicionário Oxford English elegeu “brain rot” como a palavra/expressão do ano de 2024. A tradução para o termo é  “podridão cerebral”, uma metáfora que significa a "suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (agora particularmente conteúdo online) considerado trivial ou incontestável. Também é algo caracterizado como passível de levar a tal deterioração",  como descreve a Oxford. O termo aumentou a frequência de uso em 230% entre 2023 e 2024. 

Interessante é que o uso da expressão “podridão cerebral” não é recente. Foi usado pela primeira vez em 1854, no livro “Walden”, de Henry David Thoreau, só que usado com outro significado. Thoreau, escritor, poeta e naturalista norte-americano, criticava a tendência da sociedade da época de desvalorizar ideias complexas em favor de ideias simples, num indicativo de um declínio geral no esforço mental e intelectual.

Corte para os anos 2000, já na era digital, e Zygmunt Bauman,  de alguma forma. estabelece – ou antecipa -  uma conexão com o debate que está  posto, ao apresentar seu “Tempos Líquidos”.  Na obra, o  filósofo polonês argumenta que, em uma sociedade onde tudo é fluído e temporário, os valores e certezas tradicionais tendem a ser desafiados, resultando em um ambiente onde a volatilidade prevalece.

A questão, na verdade, não pode se restringir a qualidade dos conteúdos oferecidos pelas redes sociais e mais acessados pelos usuários. O tempo gasto nas redes, especialmente pelas crianças e adolescentes, tornou-se motivo de grande preocupação das famílias, das escolas e chegou  aos governos.  Relatório recente da We Are Social e Meltwater revela que a média diária dedicada às redes sociais no Brasil é de 9 horas e 13 minutos! Só perdemos para a África do Sul, que registra 9 horas e 24 minutos. Estudo do IBGE aponta que 92,9% dos brasileiros possuem acesso à internet, enquanto apenas 66,1% contam com saneamento básico. O Brasil soma mais de 144 milhões de usuários nas principais plataformas.  Aí temos um campo fértil para o surgimento de figuras tipo Pablo Marçal, André Janones e a multidão de influencers palpitando sobre tudo que possa ser monetizado, não interessando a qualidade das mensagens.

A reação ao excessivo protagonismo das redes sociais em nosso dia a dia já se faz sentir por meio de iniciativas como o projeto de lei que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas do país, em tramitação no Congresso. Em São Paulo, a Assembleia Legislativa já aprovou legislação neste sentido. O RS tem legislação específica sobre a questão, mas o governo ainda deve editar decreto em 2025 para orientar as escolas em relação ao uso de celulares. A Austrália radicalizou e, numa decisão inédita no mundo, aprovou a proibição do acesso às redes sociais para menores de 16 anos. As plataformas que descumprirem a lei serão multadas pelo equivalente a R$ 200 milhões.

Projetos de lei e decretos não são garantia de que os dispositivos previstos serão cumpridos. O papel aceita tudo. Se não houver um esforço conjunto, que começa na família e se estende a toda a sociedade, com educação para o mundo digital desde  cedo, campanhas de esclarecimento e fiscalização permanente para o cumprimento da legislação, a efetividade dos regramentos ficará irremediavelmente prejudicada e as redes sociais continuarão influenciando o comportamento das pessoas.  Era da Banalidade terá se consolidado.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

O futebol em forma de letras

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Lá nos idos de 1980 sugeri na editoria de Esportes da Zero Hora, onde labutava, uma matéria sobre livros com temática do esporte disponíveis na Feira do Livro daquele ano. O editor Emanuel Mattos aplicou a regra de então: quem sugere tem preferência e lá me fui de barraca em barraca à procura de obras que sustentassem a matéria. Foi um fracasso total. Só encontrei poucos livros que tratavam de treinamento esportivo, a maioria de viés acadêmico e nada sobre o fascinante mundo das competições, inclusive do futebol. 

Hoje é bem diferente e quando o futebol e a literatura se encontram  ocorrem algumas belas jogadas. Um passeio pelas bancas da Praça da Alfândega, na Feira do Livro recém encerrada, revelou uma atraente e diversificada lista de títulos, de biografias de  craques vitoriosos e técnicos renomados à histórias sobre grandes times e suas conquistas memoráveis, com relatos de muita peixão,  mas também de episódios que gostaríamos de esquecer sobre casos de corrupção no futebol.

Só não encontrei o clássico “Futebol ao sol e à sombra”, de 1995, do uruguaio Eduardo Galeano, que conta a história do futebol, mostrando um olhar curioso sobre o esporte, como se o autor tivesse vivido cada momento dele. A Feira ficou me devendo também um clássico brasileiro de Nelson Rodrigues, “A sombra das chuteiras imortais”, editado pela Companhia das Letras, com seleção de textos de Ruy Castro, que é autor de outro clássico, “Estrela Solitária”, sobre a trajetória do genial Garrincha.
Em nível de RS,  pelo menos três títulos sobre futebol e seus personagens ganharam destaque na Feira e certamente ficaram entre os mais vendidos:  “Ruy Carlos Ostermann – um encontro com o professor”, biografia do grande comentarista esportivo, contada por Carlos Guimarães; “O Inter, o jornalismo e nós”, do repórter Fabricio Falkowski,, edição da Capítulo 1 (alô, Claudia Coutinho),  descrito como “uma história do clube e as histórias vistas e vividas em 25 anos de cobertura do dia a dia do futebol”; e “Campeão da Vida – perdoar para viver”, de autoria de Luiz Fernando Aquino e Fernando da Rocha, sobre o drama vivido pelo jogador Regis, do Caxias, que precisou abandonar a profissão depois de ser violentamente agredido em campo. 

De lançamentos de anos anteriores vale destacar a série bibliográfica  sobre o Imortal Tricolor, do gremistão Léo Gerchmann, além de  “No último minuto - A História De Escurinho: Futebol, Violão e Fantasia”, de Jones Lopes da Silva,  e uma obra pouco badalada, mas de grande importância: “Escola Gaúcha de Futebol: uma árvore genealógica dos treinadores do Rio Grande do Sul”, de Felipe Duarte, repórter da Rádio Gaúcha, que faz a indagação: será que existe uma escola gaúcha de futebol? Recomendaria também um livro que me chegou as mãos pelo Ajax Barcelos e o  Osmar Zilio,  “Tamoio,  o time de Viamão”, uma detalhada e bem ilustrada história do clube amador  que completou 80 anos.  Os autores, Bira Mros e Juarez Godoy tem longa vivência no clube e contaram com a edição de Vitor Ortiz e prefácio do ex-atleta e hoje consagrado jornalista, Rogério Mendelski. 

De minha parte dei uma modesta, mas prazerosa contribuição para a estante esportiva gaúcha ao produzir dois livros: “G.E. Tupi – sonho de guris”, de 2023, em co-autoria com  meus amigos de sempre Piero D’ Alascio e Léo Ustarroz, sobre nosso time da infância e adolescência no bairro Petrópolis, e “Viva a Várzea – histórias e personagens do futebol raiz”, com textos de 16 outros parceiros, lançado em junho.  A propósito, em seguida sai a convocação dos craques que participarão do “Viva a Várzea – segundo tempo” – com previsão de lançamento para abril do ano que vem. Se me permitem o clichê,  reina grande expectativa.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Sou Fogão desde pequeninho

*Publicado nesta data em Coletiva.net

No ano passado, quase nesta mesma data, publiquei aqui no Coletiva um texto dando conta da minha frustração com  a campanha do Botafogo no Campeonato Brasileiro. Depois de pontear boa parte da competição, numa confortável distância sobre os mais próximos perseguidores, o Fogão deixou escapar nas últimas rodadas um título que já estava na mão e que não era conquistado desde 1995. “Requiem para meu Botafogo”, titulei na ocasião. Agora renasce a esperança  de que os dias de glória do time que um dia teve Garrincha, Didi, Nilton Santos, Zagalo, Jairzinho  estejam de volta. É tempo de festejar com a heroica, ousada e incontestável  vitória na decisão da Copa Libertadores da América, na conquista deste título inédito e na expectativa que venha também o a taça da Campeonato Brasileiro, para compensar a frustração de  2023. E quem sabe, logo adiante, a tríplice Coroa, com o título mundial de Clubes, igualmente inédito,  resgatando de vez a aura de Glorioso, como também é conhecido pelos seus aficionados. Bem diferente daquela abertura e da  titulação do ano passado, recupero o mesmo texto publicado em 2015, agora de celebração para o meu Botafogo:

Em algum lugar do passado ouvi do técnico Ernesto Guedes sobre a situação do Botafogo:  “É uma torcida e um saco de uniforme”.  O exagero do técnico,  que recém havia dirigido o time carioca,  me incomodou muito, eu que sou botafoguense desde pequenino.  A verdade é que o simpático Fogão desafia os astros, a lógica, a realidade e, entre altos e baixos,  sobrevive e se renova.  Só que vivia um dos tantos momentos de baixa quando o Ernesto por lá passou. 

Minha paixão pelo Botafogo nasceu no dia em que ganhei de Natal um jogo de futebol de botão do tipo panelinha, com aquela estrela solitária aplicada sobre os botões.  Para o menino de 10 anos só uma bola poderia ser um presente melhor.  Era também o tempo em que o Botafogo rivalizava com o Santos  como grande time brasileiro e uma das bases da seleção canarinho, campeã do mundo em 1958 e 62. O Santos tinha o talento coroado de Pelé e o Botafogo a magia de irresponsável de Garrincha e mais meu ídolo  Nilton Santos,  além de Didi, Quarentinha, Zagalo, Amarildo e, antes, o grande Heleno de Freitas, e tantos outros craques que ficaram na história.  Ainda é o clube que mais forneceu jogadores para seleção brasileira em copas do Mundo. 

Mais tarde descobri que o Glorioso era o time preferido da maioria dos gaúchos que migravam para o Rio. Não consegui descobrir a razão dessa  preferencia de gremistas e colorados expatriados, mas ela é real e, se precisar, cito quantos exemplos forem necessários. Nos meus tempos de repórter esportivo descobri também que havia uma ativa torcida organizada do Botafogo em Porto Alegre.  Desconheço se ainda existe, mas em se tratando do Fogão, não duvido. 

Mantenho uma paixão à distância, quase platônica, pela Estrela Solitária, tanto assim que não me lembro de ter assistido a qualquer jogo da equipe em estádio.  A razão dessa idealização talvez esteja na percepção que o Botafogo transmite, nem popularesco como o Flamengo e o Vasco, nem metido a elitista como o Fluminense, mas afetando uma nobreza que o distingue dos seus pares cariocas. Este é o meu Botafogo, que acompanho desde que me conheço por gente.   É uma trajetória  de altos e baixos,  como a venda do patrimônio do estádio de General Severiano e da sede do Mourisco que representaram também  a perda de parte da identidade botafoguense,  as boas fases com os títulos nacionais (1968 e 95) e o recorde de invencibilidade (52 jogos entre 1977 e 78), a queda para a segunda divisão (que sina a minha!) e agora o retorno glorioso, como o cognome do clube, com três rodadas de antecedência. 

Por tudo isso, jamais vou perdoar Ernesto Guedes pela avaliação cruel e intempestiva do passado, porque, afinal, como no hino de Lamartine Babo, a estrela solitária me conduz!

 (Na quarta-feira o Botafogo enfrenta o Inter e, se vencer, pode confirmar o título do Brasileiro. Será muita alegria para um botafoguense gremista.)



segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Conspiração à brasileira

 *Publicado nesta data em Coletiva.net

Entre tantos personagens inesquecíveis, Chico Anysio tinha um que eu considerava impagável: Bento Carneiro, Vampiro Brasileiro, “aquele que vem do aquém, do além, adonde que véve os mortos”, apresentação pronunciada com sotaque caipira.  Um dos seus  bordões favoritos era  ¨Minha vingança será maligrina¨. 

Ao final dos quadros na TV, depois de muitas trapalhadas nas tentativas de assustar alguém, afirmava olhando para a câmera: “Bento Carneiro, vampiro brasileiro...pzztt”, seguido de uma cusparada.  Era um vampiro fracassado, com baixa autoestima.

Não sei porque me lembrei do Bento Carneiro ao conhecer os detalhes da movimentação dos militares envolvidos na tal Operação Punhal Verde e Amarelo, que queria impedir a posse de Lula e executar o presidente eleito, junto com o vice Alckimin e o Alexandre de Moraes. Bota amadorismo e inépcia nessa turma, sem torcida minha para que desse certo, mas apenas constatação. E mais: se os conspiradores faziam parte de um grupo de elite  do Exército (os Kids Pretos) fico imaginando como será o preparo do restante da força!  Assim, qualquer semelhança com o personagem de Chico Anysio não será mera coincidência.

Quando o táxi resolve ou atrapalha

As trapalhadas dos candidatos à golpistas ficaram evidentes num episódio prosaico: o aloprado de codinome Gana, que estava na campana para prender Alexandre de Moraes, não pôde cumprir a sua missão e nem se evadir a tempo... por não conseguir um taxi. Os outros Kids Pretos devem ter tido ganas de esganar o Gana, com o perdão pelo trocadilho. O sujeito nem plano B tinha para escapar! 

Como militar, ele deveria conhecer um pouco de história e saber de um caso em que, diferente da situação dele, os taxis foram decisivos numa batalha. Em 1914, as tropas francesas usaram centenas dos então carros de praça para terem como chegar ao front e impedir que as tropas alemãs invadissem Paris.

Sem outros meios para transportar os soldados, todos os táxis disponíveis em Paris foram requisitados e pelo menos 600 deles participaram da primeira leva de tropas, que apoiou a contraofensiva das forças franco-británicas, naquela que ficou conhecida como a Primeira Batalha de Marne. Os taxistas foram devidamente indenizados, além da glória de terem participado do esforço de guerra, bem diferente da ação inglória do atrapalhado Gana.


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A indústria que mais cresce

 * Publicação nesta data em Coletiva.net

Os brasileiros passaram a viver uma nova era: a Era da Desconfiança. Pode ser também a Era da Enganação. Pensaram que estava falando do governo Lula? Nada disso. É que  está cada vez mais difícil reconhecer nas mensagens recebidas o que é falso ou verdadeiro. Diariamente recebo pelo menos cinco ofertas  e propostas que são puro logro, ou avisos tipo o de  mercadorias que não comprei, agora retidas no Correios e para as quais devo pagar uma taxa. E, ainda, contas que serão bloqueadas em bancos onde não tenho cadastro,  ou pagamentos atrasados para operadoras de celular e   serviços de streaming,  sempre atrás das minhas senhas que devem valer muito. Agora a novidade são as propostas de negócios com lucros milionários, disparadas do exterior.  Isso  sem contar os telefonemas de spam e de tentativas de golpes pelo celular.

Como têm ganhos de escala, acredito que a indústria da fraude é o setor econômico que mais cresce no país.  A verdadeira diversidade está na carteira de operações dos golpistas, tanto assim que dá pra estimar que é meio a meio entre as mensagens verdadeiras e as fraudulentas, com tendência a aumentar para o lado fake, graças – ou desgraçadamente – aos recursos facilitadores e enganadores da Inteligência Artificial.

O mais inacreditável é que grande número das tentativas de golpe, senão a maioria, partem de dentro dos presídios. comprovando que o poder público não está conseguindo coibir a entrada de celulares para os criminosos. 

Com isso, ninguém está livre de virar vítima dos golpista. Poderia listar uma infinidade de casos, envolvendo inclusive gente esclarecida, com formação superior, como o médico que saiu em desabalada carreira em direção ao banco para pagar o resgate da filha que estava nas mãos de “sequestradores”;  ou o jornalista que foi achacado e ameaçado pelo “pai” da “de menor” com a qual trocou nudes ou, ainda, o outro jornalista que pagou duas vezes uma dívida inexistente com o “banco”. Até o velho e prosaico golpe do bilhete foi reabilitado pelos espertalhões com a conivência das ingênuas ou ambiciosas vítimas, reabilitando um ditado, também antigo: “Todo dia sai na rua um otário e um esperto; se eles se encontram, sai negócio”.

Já o sistema bancário, que detesta concorrência, resolvei reagir, sem levar em conta os golpes oficializados que pratica contra os clientes, cobrando taxas descabidas para toda e qualquer operação. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) apelou para um recado do Fábio Que História é Essa, Porchat?, veiculado em rede nacional. Por aqui, o Sicredi adverte, em  chamadas no rádio, que ocorrem 76 tentativas de golpes digitais por minuto no Brasil. Isso representa 4.560 tentativas por hora ou 109.440 por dia. Digamos que apenas 1% delas seja bem sucedida, chegamos a 1.094 pessoas/dia ludibriadas pelos golpistas. Seriam mais de 32 mil ao mês. É muita gente envolvida e muita grana perdida.

O pessoal da Segurança Publica e da mídia publica com frequência orientações e alertas anti-golpes. São óbvios e inúteis,  porque, vale repetir, enquanto existirem espertos e otários querendo levar vantagem, a indústria das fraudes será a que mais cresce entre nós.  


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O cinismo do dia a dia

* Publicado nesta data em Coletiva;net

Quantas vezes você já passou por situações como essas, como agente ou vítima, nas relações pessoais e profissionais. A verdade é a seguinte: um pouco de falsidade não faz mal a ninguém e que chato seria o dia a dia sem isso. Ou como ouvi na mesa ao lado: "O sucesso dos meus amigos é o cinismo da minha satisfação..."

- Passa lá em casa pra gente tomar umas cevas. 

- Aparece lá na firma pra gente conversar.

- Fica tranquilo que estou avaliando com carinho tua proposta.,

- Temos que  marcar um jantar dia desses.

- Bah, tu parece que não envelhece nunca.

- Competência é que não te falta, mas...

- Gosto muito do que tu escreves.

- Que criança mais linda. Parecida contigo.

- Estava pensando justamente em te fazer essa sugestão.

- Não esquenta, está tudo sob controle.

- Mais um pouco eu conseguia, juro. 

- O problema não é contigo,  é comigo,

- Que lástima a gente não ter se conhecido antes.

- Pode deixar, vou te ligar depois para dar retorno.

- Sentimos muito tua falta no evento.

- É com grande satisfação que...

- Vamos criar uma comissão para resolver isso.

- Sou torcedor do meu time e não fico secando o tradicional adversário.

- Por mim tu já estavas contratado, mas o chefão está complicando.

- Fiz campanha para  outro candidato, mas estou torcendo para que o governo dê certo.

- Indireta pra ti? Nem estava pensando no teu novo corte de cabelo.

- Concordo plenamente contigo,  mas...

- Essa ideia ainda precisa amadurecer, temos que dar tempo ao tempo.

- Tenho certeza de que o pessoal da Coletiva.net aprecia muito quando escrevo estas frivolidades.


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A mídia engajada não nasceu hoje

 *Publicação nesta data em Coletiva.net

A mídia tem dado demonstrações diárias de que está voltando ao jornalismo raiz, quando a maioria dos veículos eram engajados politicamente. Especialmente os jornais que foram dominantes como fonte de informação antes do advento do rádio e da TV. defendiam claramente suas bandeiras como porta-vozes do agrupamento ou movimento político que representavam. O engajamento representava também o reconhecimento da Imprensa como um poderoso instrumento para conquistar corações e mentes dos cidadãos.

No tempo do império proliferaram os jornais pró ideais republicanos e abolicionistas, alguns com duras críticas a dom Pedro II. O Imperador, entretanto, era favorável à liberdade de imprensa, não apelava para a censura e até lia os jornais das províncias para saber o que pensavam dele. 

Na Provincia do Rio Grande, os Farrapos divulgavam  seus ideais  no jornal O Povo, sob a batuta do carbonário Luigi Rossetti.  Propugnavam que defendiam uma causa justa, acima de tudo em nome da liberdade, contra os retrógrados, sebastianistas e conservadores legalistas. Já os legalistas se consideravam como defensores da ordem e qualificavam os rebeldes como anarquistas e subversivos. Tese a ser aprofundada: a polarização na política e a imprensa engajada não nasceram hoje e esta seria consequência dos antagonismos que resistem até os tempos atuais.

No RS, a polarização se acentuou   a partir da última década do século 19. O historiador Nestor Ericsen no livro  O Sesquicentenário da Imprensa Rio-Grandense  (Sulina, 1977). registra que, na época, a imprensa gaúcha caracterizava-se pelas fortes tendências políticas, influindo diretamente na opinião pública local, de acordo com os interesses partidários. Havia jornais pró-maragatos e pró-pica-paus, como eram conhecidos os adeptos dos principais partidos políticos gaúchos que se digladiaram pela imprensa e em sangrentas batalhas nas revoluções de 1893 e 1923. 

Lider dos pica-paus e presidente do Estado, Júlio de Castilhos e seus partidários do Partido Republicano Riograndense/PRP, fundaram o jornal A Federação, que se tornou o porta-voz oficial das posições do governo. A sede do jornal. em estilo eclético, características da arquitetura positivista, foi inaugurada em 1922 e hoje o bem conservado prédio da esquina das ruas Caldas Junior e Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre, abriga o Museu de Comunicação Hipólito da Costa, homenagem ao patrono da imprensa brasileira.

Na frente do Museu está instalado o Correio do Povo., que, ao surgir em 1895  tentou romper com a polarização reinante, apresentando-se como “Independente, nobre e forte (...) que não é órgão de nenhuma facção partidária”, conforme o primeiro editorial, assinado pelo seu diretor, Caldas Junior.  

A Federação chegou a competir com o Correio do Povo, autointitulando-se o jornal de maior circulação no Estado. Circulação interrompida em 1932, com o advento do Estado Novo, que aboliu os partidos e decretou fechamento de vários jornais. Entre eles estava também O Estado do Rio Grande, órgão oficial do Partido Libertador/PL, de Raul Pilla. Criado em 1929, o jornal do PL na opinião do professor Antonio Hohlfeldt foi “o último jornal que se pode classificar como político-partidário, em sentido estrito”.

Corte no tempo e no espaço, chegamos aos anos 1940/50 e a dois casos notórios de jornais engajados em âmbito nacional. Primeiro com a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, que, nasceu em 1949 com a cara do dono:  combativa, corajosa, panfletária, como porta-voz da União Democrática Nacional/UDN, contrária ao governo de Getúlio Vargas. O atentado da rua Toneleros, em 1954, que visava calar Lacerda, mas acabou vitimando o major Rubenz Vaz, da FAB,  levou, na sequência, ao suicídio do presidente, episódios marcantes na história do país com a participação da Tribuna.

Para fazer frente à imprensa oposicionista, Vargas incentivara a criação em 1951 da Última Hora, de Samuel Wainer, que, nas palavras de seu fundador, era “um jornal de oposição à classe dirigente e a favor de um governo”. O governo de Vargas, é claro. Inovando em termos técnicos e gráficos, a Última Hora teve edições em várias capitais, entre as quais Porto Alegre, sendo sucedida pela Zero Hora, após o golpe de 1964, mas sem o vigor combativo do jornal de Wainer. 

Leonel Brizola deve ter se inspirado em Vargas e  também investiu num veículo impresso para asfaltar sua candidatura à Prefeitura de Porto Alegre. E criou o Clarin, que circulou por um ano, de fevereiro de 1955 a fevereiro de 56. O Clarin era ligado ao  partido de Brizola, o Partido Trabalhista Brasileiro/PTB, mas apresentava informações gerais, formou jornalistas de respeito e competia com a Folha da Tarde, pois era vespertino. 

Hoje o cenário da mídia é de uma profusão de portais. blogs e influencers , alinhados à direita e à esquerda, assumindo cada vez mais espaços antes dominados pela chamada mídia tradicional. Esta oscila ao sabor das conveniências e das benesses, em forma de gordos patrocínios do governo da hora. Registre-se também a opção preferencial pela opinião, customizadas em cada veículo e em detrimento da informação, já que as notícias são tão perecíveis, tão iguais no tratamento recebido que quase viram comodities. Bancadas de comentaristas se revezam nas programações ao vivo, opinando sobre tudo e sobre todos, muitas vezes com várias participações sobre variados temas da hora, revelando uma admirável capacidade de se reinventar. 

E é nos comentários que se sobressaem muitos profissionais alinhados com essa ou aquela ideologia, as vezes de forma indisfarçável, sob as blindagem de “é a minha opinião” e para além da orientação editorial da empresa. Nas redações, em anos eleitorais cresce o alinhamento de repórteres e editores infiltrados à serviço de causas que vão contra os ditames do bom jornalismo.

Um caso à parte é o da imprensa esportiva. Houve um tempo em que, pelo menos aqui no RS, era pecado mortal o cronista esportivo ser identificado com este ou aquele clube. Hoje, comentaristas e repórteres, nem todos com formação jornalística, mas plenamente identificados com o Grêmio ou o Inter, são badalados como atrações pelas emissoras dedicadas à cobertura esportiva.

Após esse levantamento histórico, sem qualquer pretensão acadêmica,  me permito humildemente a duas conclusões: é da natureza da imprensa o engajamento, em boas causas ou nem tanto; e prefiro a imprensa declaradamente engajada, porque sei com quem estou tratando, do que os falsos  isentos, que mudam de posição de acordo com as circunstâncias. 

*Texto incluído no livro ENTRE UM GOLE E OUTRO, O RETORNO, que terá sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre dia 11/11, às 18 h.


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Entre um Gole e Outro , o retorno

* Publicado em Coletiva.net nesta data

A primeira leitura - assim como o primeiro gole - desce suave. A partir de então o prazer vai se renovando a cada página. Um bom livro, como uma boa bebida, depende de uma série de fatores (gosto, intensidade, sabor) mas o resultado quase sempre se vê depois. E, nesse caso, é possível garantir: não há ressaca.

Peraí, esse início é igual ao do texto de lançamento do ano passado? Verdade! E o motivo se explica pelo fato de que o primeiro livro deixou aquela vontade de mais um gole, de mais um prazer. Taí: a sede do leitor será agora saciada com Entre um Gole e Outro - Conversas de Boteco 2.

Nesse novo coquetel literário, os ingredientes aumentaram e a qualidade final – como se parecesse impossível – ficou ainda melhor. Um novo autor entrou, outro novo autor é apresentado (já indicando futuras colaborações) e, no geral, tudo aumentou, em tamanho e em qualidade.

Como nas boas bebidas, essa mesma qualidade precisa ser constante. E esse livro-engarrafado mantém isso. Os Alemers, como ficaram conhecidos os 13 guerreiros que toda semana se reúnem em um tradicional boteco do Menino Deus, estão ainda mais ousados, audaciosos e afiados. Num mix criativo, a obra contempla análises políticas, culturais, assuntos da cidade, memória afetiva e tantos outros temas capazes de alegrar (e até emocionar) o leitor.

Leia sem moderação, saboreie o retrogosto da palavra e venha brindar conosco no próximo dia 31 de outubro, a partir das 18h e até o último gole, no Bar do Alexandre (Rua Saldanha Marinho, 120, esquina Gonçalves Dias - Menino Deus), a adega-literária onde os treze personagens se abrigam semanalmente há mais de seis anos.

Vai aí mais uma dose?

 

Roubartilhei o texto promocional, de autoria do Marcio Pinheiro, para chamar a atenção para o lançamento do segundo volume do livro Entre um Gole e Outro, na próxima quinta-feira. Participam da empreitada os jornalistas Carlos Wagner, Elton Werb, Horst Knak, Luiz Reni Marques, Marcelo Villas-boas, Márcio Pinheiro, Marco Poli, Marcos Martinelli, Mário de Santi, Ricardo Kadão Chaves, Sérgio Schueler, além deste que vos fala. No ano passado, na sessão de autógrafos do primeiro volume, gastamos esferográficas  e quase tivemos câimbras nas mãos de tanto autógrafos que foram dados. Agora esperamos, pelo menos, repetir o mesmo sucesso, porque o livro está tão bom como o primeiro, ou até melhor. Não nos deixem sós.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Eleições, ontem e hoje, parte 2

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Já não se fazem mais campanhas e coberturas eleitorais como antigamente. Sim, sou um saudosista dos dois processos em tempos pretéritos e nem faz tanto tempo assim. Já participei de várias campanhas eleitorais, como profissional ou voluntário, e inúmeras coberturas, especialmente quando atuava em rádio. Neste caso, a primeira foi em 1978, pela Rádio Guaíba, que montou uma grande estrutura e mobilizou uma enorme equipe sob o comando de Antonio Brito, que anos mais tarde se elegeria governador do Estado. A principal disputa foi para o  Senado entre Pedro Simon (MDB) x Mário Ramos, Mariano da Rocha e Gay da Fonseca (Arena). Simon superou os três. Ainda vigorava o regime militar, e os governadores eram escolhidos indiretamente.  

Foram muitas eleições e coberturas desde então. O pessoal do esporte sempre era chamado a integrar e reforçar a equipe envolvida nas transmissões que varavam os dias e as noites para registrar os votos, urna a urna em todo o Estado. E lá estava eu, lépido e faceiro,  normalmente coordenando a cobertura do interior.  A movimentação durava de cinco dias até uma semana, à espera de fechar a última urna, pois as emissoras promoviam a contagem paralela dos votos, concorrendo com a Justiça Eleitoral e sempre anunciavam os vencedores com antecedência. E sempre, também, se vangloriavam de que a margem de erro em relação aos números oficiais era ínfima, o que, de alguma forma, era a gratificação pelo investimento na contratação de dezenas de pessoas para receberem as informações – por telefone – das zonas eleitorais. A concorrências entre as emissoras, Gaúcha  Guaíba principalmente, era  tão ou mais acirrada que os enfrentamentos eleitorais da época.

A disputa pelo anúncio do primeiro voto era feroz e lembro que nas eleições  de 1982 o saudoso Edison Moiano, da Guaíba, que acompanhava  em Canoas a abertura de uma das primeiras urnas, transmitiu  do ginásio onde ocorria a apuração:  “Atenção, saiu o primeiro voto no Estado. É para Alceu Collares!” .  Foi uma vibração incontida na Central de Eleições da então Caldas Junior e aquela “vitória” diante da concorrência serviu de emulação para toda a cobertura.  Indagado mais tarde como conseguira o furo, o esperto Moiano teria confessado que viu de relance o voto que seria de Collares caindo da urna para a contagem e decidiu antecipar o tal primeiro voto.  “E, afinal, um voto para Collares teria que ter naquela urna”, justificou.

Volto bem mais no tempo para lembrar que minha iniciação política começou muito cedo, lá pelos 10 anos, quando meu pai instalava perto de casa, no bairro Petrópolis, uma banquinha para distribuirmos material de meu tio que disputava uma cadeira na Câmara Federal - foi um dos mais votados e mais tarde elegeu-se  senador e depois virou biônico.  Éramos muito politizados a escadinha de oito irmãos, tanto assim  que na disputa pelo governo do Estado , em 1958, meu irmão Telmo instalou em casa um comitê para  o Brizola e minha irmã Silvia um para o Peracchi, com farto material de campanha que buscavam nos comitês de verdade.  Os dois não tinham mais de 15 anos!

Consta que, na época, eu teria me atritado e até chegado as vias de fato com um primo querido, que apareceu lá em casa em uma Kombi totalmente adesivada com material de um candidato que não era o de preferência da minha família. Não lembro do episódio e, como sempre fui um devoto juramentado da paz e da harmonia, afirmo que a tal briga não ocorreu.

Fake news a parte, hoje, graças a votação eletrônica, poucas horas após o fechamento das urnas já se sabe o resultado da eleição. As raras  emoções das jornadas eleitorais ficam por conta dos casos em que a decisão passa para o segundo turno ou de situações peculiares, como o candidato que venceu por um voto no município de Gentil, a disputa  entre dois irmãos em Capão da Canoa ou em que cidade o eleito conquistou o maior índice.  Sim, sou um saudosista das campanhas e coberturas eleitorais de antigamente.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Eleições, ontem e hoje

 *Publicado nesta data em Coletiva.net

No Brasil, ao invés de promovermos uma reforma política pra valer,  aperfeiçoa-se tão somente o processo de votação. Mesmo que os bolsonaristas e o ditador venezuelano lancem desconfianças sobre a urna eletrônica, o sistema brasileiro é moderno, funciona e é confiável. Os mais antigos vão lembrar das maracutaias dos tempos da votação em cédula de papel. Muito voto em branco foi preenchido por escrutinadores desonestos  à serviço de determinada candidatura e, na sequência,  os mapas de totalização eram fraudados.  Compra de votos, então, era comum, se bem que essa prática voltou a ser denunciada aqui no RS e em outros estados, na atual eleição municipal, inclusive com a participação do crime organizado.

Em passado não muito distante, o caso mais notório de tentativa de trapacear no processo eleitoral envolveu Leonel Brizola na disputa para o governo do Rio em 1982. O episódio ficou conhecido como Caso Proconsult, a empresa contratada pelo TRE para a totalização dos votos, depois acusada de manipular os resultados para favorecer o candidato do então PDS, Moreira Franco. Brizola botou a boca no trombone e com isso conseguiu sustar a fraude e garantir sua eleição, naquele que foi o primeiro pleito direto para escolher governadores, já nos estertores da ditadura militar. Detalhe importante: o voto à época era em cédula de papel.

Hoje, uma grande e custosa estrutura da Justiça Eleitoral (orçamento de R$ 11,8 bilhões em 2024) atua para garantir a lisura dos pleitos, impondo uma série de vedações às candidaturas.  Mesmo assim, as manipulações eleitorais  não foram totalmente eliminadas e surgem de outras formas, além das fake news e uso da IA.  Os fundos partidário e eleitoral (R$ 6 bilhões no total, ou mais de 22 mil Minha Casa, Minha Vida) garantem o financiamento das campanhas, ou seja, o dinheiro público, o nosso dinheiro, fazem a festa dos partidos. A legislação sobre a aplicação do fundos é clara, mas quem não cumpriu as regras pode ganhar perdão   e, assim, a fraude eleitoral, pelo uso irregular dos recursos, é oficializada.

Com isso, aumenta ainda mais o descrédito na política e nos políticos, o que pode ser apontado como a causa de duas anomalias presentes na atual eleição: a alta abstenção e o surgimento de figuras como Pablo Marçal, fazendo o tipo “contra tudo isso que está aí’.

Evidente que existem outras motivações para os dois casos, mas deixo para a colega de página, a cientista social  Elis Radmann, do Instituto Pesquisas de Opinião, avaliar as incidências  com muito mais propriedade do que este bissexto analista.

O  que me desconsola, por um lado, é que Porto Alegre, pela segunda eleição consecutiva, seja a capital campeoníssima em não comparecimento dos eleitores e me conforta, por outro lado, que não tenha surgido aqui nenhum clone do Pablo Marçal buscando espaço na campanha majoritária. Porém, pouco ou nada a comemorar.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Cancelamento reverso

*Publicado nesta  data em Coletiva.net

Woke é um termo da moda surgido na comunidade afro-americana e que originalmente significava estar alerta para a injustiça racial. Depois, tornou-se sinônimo de políticas  liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a ecologia, o direito ao aborto,  entre outros ativismos.  O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra  afrodescendentes. Dessa vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado com significado mais amplo, chegando mundialmente, com suas bandeiras de luta, a todos os segmentos.

Agora, entretanto, constata-se um forte movimento anti-woke em grandes empresas e manifestações culturais. Gigantes como Ford, Microsoft, Google e Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp começam a abandonar as políticas de diversidade. Por aqui, a  John Deere, com sede em Illinois (EUA) e fábrica em Horizontina,  já anunciou   distanciamento de medidas de inclusão e diversidade  Ganha força nos Estados Unidos o abandono da agenda ESG (Environmental, Social and Governance)  sigla que se traduz pela prática da sustentabilidade no universo corporativo,

Na indústria cultural as reações não são diferentes. As produções de Hollywood, por exemplo, enfrentam uma crise evidente ao priorizar narrativas alinhadas com temas woke., afastando-se daquilo que a média do público busca nos filmes, ou seja, boas histórias e personagens envolventes. Resultado: queda no interesse dos espectadores e no retorno dos bilionários investimentos. Com isso, empresas como a Disney, sempre elogiada por sua adesão à cultura woke, já começam a rever sua estratégia e focar no entretenimento para toda a família.

Matéria da BBC News (“O que é 'woke' e por que termo gera batalha cultural e política nos EUA?”) é esclarecedora sobre a questão: “Os críticos da cultura ‘woke’ questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam ser ‘policiais da linguagem’ — sobretudo em expressões e ideias consideradas misóginas, homofóbicas ou racistas”.  E acrescenta: “Um método que vem gerando muito mal estar é o ‘cancelamento’,  o boicote social e profissional, normalmente realizado por meio das redes sociais, contra indivíduos que cometeram ou disseram algo que, para eles, é intolerável”.

Só para ilustrar,  numa redação jornalística de Porto Alegre um colunista usou o termo “frescura” em conversa com outro colega, foi denunciado ao setor de Compliance por alguém que ouviu o palavra, teve que se explicar  e acabou recebendo uma advertência . Esse extremismo, primo irmão do politicamente correto, é que está fragilizando o que deveria ser uma prática saudável,  de defesa de boas causas, de tolerância e aceitação do contraditório, mesmo que não haja convergência de posições.  

A resposta dos críticos é uma espécie de cancelamento reverso à cultura woke. Só que essa  resposta no mundo empresarial é determinada mais pela perspectiva de prejuízos nos negócios, do que por ideologia ou crença em valores. Assim como os bancos e o comércio varejista.do Brasil, que clamam por medidas para restringir  as apostas nas bets, não porque estejam preocupados com as finanças dos despossuídos, mas porque a fezinha que eles fazem estaria drenando, em escala,  recursos que seriam das  operações bancárias ou do consumo. Esse pessoal detesta concorrência, ainda mais quando ameaça os lucros deles.

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Livros, livros

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Pode ser só impressão minha, mas acredito que nunca se escreveu e se publicou tantos livros como agora, pelo menos por aqui. Tenho frequentado ou agendado pelo menos uma sessão de autógrafos por semana nos últimos tempos. As mais recentes e  presenciais foram do Márcio Pinheiro e seu excepcional “O que não tem censura nem nunca terá – Chico Buarque e a repressão artística durante a ditadura militar”, a do Eduardo Krause, com a reedição de suas crônicas de Ipanema em “A Vaca Nua; do ex-vice prefeito Gustavo Paim, uma oportuna reflexão em “A crise da democracia na era das redes sociais”;  e mais um belo trabalho do fotógrafo Eurico Salis, “Terra Gaúcha – gerações”, com textos de Anilson Costa.

Fiquei devendo e espero me recuperar na Feira do Livro de Porto Alegre, em  outra série de lançamentos,  como de  “A Profreflor,”  o segundo livro de crônicas de Vitor Bertini;  o “Aluno da Tempestade”,  em que Daniel Scola conta sua luta para vencer o câncer:  o livro de poesias “Pequenos Tangos – males do amor”, do ex-patrono da Feira, o prolifico Dilan Camargo;  e o biográfico ‘Breno Caldas: a imprensa e a lenda”, de Tibério Vargas Ramos. A propósito, um spoiler (com o perdão do anglicismo): a obra que  retrata o apogeu, a glória e a falência do império Caldas Junior será o tema do evento que a Associação Riograndense de Imprensa, ARI,  promoverá durante a Feira, dia 17 de novembro.

Já tenho outras agendas obrigatórias na Feira, só aguardando a confirmação das datas. entre elas a sessão de autógrafos do volume dois de” Entre um Gole e Outro – Conversa de Boteco”, reunindo textos dos jornalistas que se encontram todas as quintas-feiras – tô nessa -, faça chuva ou faça sol, no bar do Alemão, também conhecido como Boteco do Alexandre.  Será imperdível também  o lançamento do volume dois de “Entrevistas Póstumas”, que, como no ano passado, marca a presença da  ARI,  na Feira do Livro. São  16 “entrevistas” com autores gaúchos já falecidos, claro, incluindo, entre outros, Jayme Caetano Braum, Lupicínio Rodrigues, Dyonélio Machado, Lila Ripoll, José Lutzenberger, David Coimbra,  Carlos Reverbel, Ibsen Pinheiro.

Igualmente vai para minha agenda na Feira o livro do jornalista Luiz Fernando Aquino “O Campeão da Vida, a história de Régis Junior “,  promissor zagueiro do Caxias que teve sua carreira interrompida após a agressão por um adversário em campo. A sessão de autógrafos será no dia 16 de novembro. Reina grande expectativa também para o lançamento no dia 24 de outubro e sessão de autógrafos  na Feira no dia 12 de novembro. de ”Ruy Carlos Ostermann, um encontro com o professor”,   trabalho de fôlego de Carlos Guimaraes sobre a trajetória do grande comentarista esportivo, que completou 90 anos dia 25.

Tenho que dar um jeito de conseguir duas preciosidades lançadas na 18ª Feira Literária de Viamão, (ah, as feiras do livro!):  “Lutz – As Visões e as Previsões de José Lutzenberger”, projeto coordenado por José Barrionuevo, com textos de Peninha Bueno e Lilian Dreyer, e o “Editor Sem Rosto”, do Elmar Bones, o Bicudo, sobre o legado de Luigi Rossetti, o jornalista italiano à serviço da Revolução Farroupilha. Do Diego Farina, que já andou frequentando a família Dutra, vou atrás de “O Mar Enquanto”, título instigante para seu livro de poesias, que não sei se estará na Praça da Alfândega.

Aguardo informações sobre o lançamento de “Reunião Dançante”, de Zurba Fagundes ou Cesar Garibotti (ele que explique porque  os dois nomes) , obra que tive o prazer de ler numa primeira versão e, depois, o orgulho de ser um dos prefaciadores do livro, que tem como sub título “memórias de um tempo em que não se comia  ninguém”. 

É nessa hora e diante desse quadro alentador que faço questão de recordar o que apregoava o poeta Castro Alves:  “Bendito o que semeia livros/livros  à mancheia/ e manda o povo pensar!” . Por outro lado, já determinei ao meu departamento financeiro  para reservar recursos para os investimentos literários que farei na Feira. Pelo visto, não serão modestos. E, antes que esqueça, a 70º edição da nossa Feira do Livro vai de 1º a 20 de novembro.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Reflexões nada relevantes sobre o processo eleitoral

*Publicação nesta data em Coletiva.net

- Impressionante o que muda a legislação eleitoral, sem que melhore a prática da Política.

- A campanha eleitoral da capital paulista é um mau exemplo disso.

- Alguns partidos me lembram aquele programa "Pequenas Empresas, Grandes Negócios"...
- De novo, temos uma safra ruim de jingles de campanha.
- Se bem que jingle não garante vitória na eleição.
- As velas de propaganda são um novo recurso nas campanhas eleitorais.
- Pro meu gosto, acho legal o colorido nos canteiros das avenidas.
- Só que as vezes penso ter visto candidatos chamados de Borracharia, Pizza a Lenha, Estética, Buffet Livre, Lavagem Automática...
- Outra moda: candidatos anunciando mandatos coletivos. Que confusão deve ser.
- Sou do tempo em que coletivos eram os veículos de transporte público.
- Sem espaço nos programas eleitorais e contando com poucos segundos nos comerciais avulsos, mais do que nunca os candidatos a vereador têm que buscar votos no corpo-a-corpo.
- Vantagem para quem já é conhecido ou já tem mandato.

- E tem candidato a vereador que se não fossem algumas rimas fáceis, não teriam o que dizer.
- Ditado reciclado: mais ansioso que candidato durante a apuração dos votos.
- Pesquisa eleitoral boa é a que tem margem de acerto e não margem de erro.
- E por que todas as pesquisas têm margem de confiança de 95%? É um número cabalístico?
-  Este índice de 95% está mais para desconfiança do eleitor com as pesquisas.

- Qual o instituto que vai errar menos nas pesquisas? Reina grande expectativa.
- Questão interessante: em quem votam os juízes eleitorais?
- Governabilidade, quantas patifarias são cometidas em teu nome.

 

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Viagens, viajantes e gastronomia

* Publicado nesta data em coletiva.net.

Tenho um certo fascínio por estes programas de tv sobre viagens e turismo. Existem até canais com uma grade totalmente dedicada ao tema, entre eles o Modo Viagem na tv por assinatura. O que me chama a atenção nessas atrações é que invariavelmente dedicam boa parte do tempo da produção à culinária do local visitado. Até parece que o programa é feito por esfomeados. É só conferir, por exemplo, o “Ruas pelo Mundo”, do  viajante  profissional Rodrigo Ruas, que também aproveita as incursões, enquanto degusta uma iguaria nativa qualquer,  para gravar em paralelo outro programa,  “O Mundo é uma Passagem”, com Anne Bueno, a mulher dele. E ela também aprecia uma boa comilança.

O Globo Repórter, que apelidei de Globo CVC Repórter devido a quantidade de viagens empreendidas pela inesquecível Glória Maria, igualmente reservava sempre um segmento do programa a uma mesa farta servida à repórter, seja numa tenda de beduínos no deserto, seja numa cidade de nome e culinária estranhos, lá no círculo ártico. Glória fazia caras e bocas diante do rango oferecido e, invariavelmente, acrescentava um “que delicia!”.

 Em certos casos, a gastronomia se sobrepunha às obrigatórias visitas à locais históricos, às paisagens tidas como de tirar o fôlego, ou às manifestações culturais dos povos visitados. De repente, uma indescritível aurora boreal é sucedida pela degustação de um prato com gosmentos moluscos.

A minha fascinação e eventuais implicâncias por tais programas talvez se deva ao fato de que sou um viajante muito ocasional – fiz minha primeira viagem à Europa só aos 60 anos -  e  sem qualquer propensão a experimentos culinários.  Quase tive engulhos quando assisti num extinto Manhatan Connection, ao apresentador Pedro Andrade descrever os tipos de comidas exóticas que tinha provado – e gostado! ,– nas viagens para seu programa solo, “Pedro Pelo Mundo”.

As viagens televisivas servem para mexer com a imaginação e as papilas gustativas de quem não pode sair mundo a fora, e aí  me incluo na categoria Invejoso Assumido.  Como já revelei,  sou um viajante de modestos roteiros e  absolutamente conservador à mesa, por isso já defini minhas preferências culinárias fora de casa: no Brasil, a inigualável à la minuta e, no exterior, a sempre presente comida italiana, pizzas e massas. Não tem erro, nem programa de viagem na TV que mude meu cardápio.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Ilustres quem

*Publicado nesta data em Coletiva.net.

A curiosidade do repórter que um dia fui renasce sempre que  ouço nos boletins radiofônicos alguns nomes de locais reportados. Exemplo: quem foi Hugo Cantergiani, que empresta seu nome ao movimentado, inclusive com assalto cinematográfico, aeroporto de Caxias do Sul? E Cezar Antonio Bettanin, muito citado como via de acesso à Expointer? Mais: quem era José Mauro Ceratti  Lopes.  que designa um posto de saúde na Restinga, sempre disponível nos fins de semana? Três “gringos”, como se observa

Nada melhor do que uma consulta ao Google para matar a curiosidade sobre eles.

De todos os nominados, tive algum tipo de relação com o empresário Cézar Antonio Bettanin, precursor da indústria de plásticos no RS. Empreendedor e visionário. fundou o grupo de empresas que leva seu sobrenome, instalado em Esteio, na vizinhança do Parque Assis Brasil, o que justificaria a homenagem. Meu irmão Telmo foi de vendedor à diretor na Bettanin, reportando-se diretamente ao seu Cézar, como era conhecido. Ambos já são falecidos. A avenida com o nome de Cezar Antonio Bettanin foi inaugurada em 2014 e hoje facilita o acesso ao Parque.

Hugo Cantergiani teve uma vida breve, mas que pode ser caracterizada como intensa. Nascido em Caxias, fez carreira na Aeronáutica no Rio de Janeiro e, entre seus feitos, está o de ter escrito “Brasil” com fumaça no céu carioca, recebendo elogios do então presidente Getúlio Vargas. Cantergiani morreu aos 39 anos em um acidente aéreo, durante um voo de instrução em 1937, que vitimou também o aluno César Vasconcellos. Em 1964, por unanimidade, a Câmara de Vereadores de Caxias do Sul aprovou o nome dele para batizar o aeroporto regional da cidade.

Médico formado na Universidade Católica de Pelotas e mestre em Educação pela UFRGS,  José Mauro Ceratti Lopes destacou-se pela contribuição para o desenvolvimento da especialidade de médico da família e da comunidade. Autor de obras de referência sobre a especialidade, ganhou o Prêmio Jabuti 2013 de Melhor Livro Ciências da Saúde com o Tratado de Medicina de Família e Comunidade. Implantou o Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição, onde atuou por mais de 35 anos. A primeira Clinica da Família de Porto Alegre foi inaugurada na Restinga com o nome de José Mauro Ceratti Lopes em 2018.

Todos, portanto, mais do que merecedores das homenagens que hoje devem orgulhar seus familiares. 

Já eu fico pensando se quero legar aos meus pósteros o eventual tributo que alguma autoridade generosa deseje prestar a minha honrada memória quando eu me for. Até já escrevi a respeito, preocupado em não poder antever o futuro e impedir que a Travessa Flávio Dutra, ou algo do gênero, passe a figurar nas páginas do Diário Gaúcho com menções pouco elogiosas. Chamadas do tipo “Traficantes tomam conta do Beco Flávio Dutra”, ou “Prostituição infesta praça Flávio Dutra”, ou ainda “Ruela Flávio Dutra virou foco de lixo”,  ou a pior  - “Ninguém aguenta o mau cheiro da Flávio Dutra”.  Vou me remexer na cova.  O que me conforta é que ainda vai demorar muito até eu virar homenageado.

 

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Recomendações aos eleitores e a Dialética Erística

* Publicação nesta data em Coletiva.net

Ano de eleição é ano de escolhas, que vão influir no nosso dia a dia para o bem ou para o mal. Por isso, me atrevo a fazer essas recomendações aos eleitores menos afeitos às artimanhas da política. Não vá atrás do candidato que diz ‘Vem Comigo”. Você pode entrar numa fria. Preste atenção no que conclama “Você me conhece”, porque é um ilustre desconhecido.  Desconfie dos que são “contra a velha política”, porque estão prenhes de vontade de fazer parte dela. Não leve a sério os que usam em vão o santo nome do “povo”  e relativize quem diz que defende ardorosamente o “estado democrático de direito”, porque pode estar diante de um autoritário raiz. Nas eleições, mais vale o que parece do que aquilo que é falado.

Dito isso, confesso que tenho uma inveja danada desse pessoal mais apetrechado intelectualmente que consegue definir pessoas e situações com uma frase, uma tirada. O saudoso  ex-deputado Ibsen Pinheiro, um frasista talentoso, falava de um dos seus tipos inesquecíveis,  o Banal Solene, exemplificando com  um colega de parlamento e conhecido homem de comunicação, como ele. O sujeito usava citações do tipo “os rios correm inexoravelmente para o mar”, uma lição que qualquer  criança do nível fundamental já sabe, mas que dita com a devida formalidade e acompanhada de um advérbio, ganhava uma conotação de ineditismo e frase de efeito.  

Em tempo de campanha eleitoral, faço essa introdução sobre os ardis que a maior ferramenta que possuímos, a palavra, pode mostrar, a propósito de um livro que encontrei num balaio na  Feira do Livro de Porto Alegre. O título já  diz  tudo:  “38 estratégias para  vencer qualquer debate’, com o subtítulo  “A arte de ter razão”. Trata-se  de uma preciosidade, com métodos  e truques no uso das palavras na argumentação,  escrito por Arthur Schopenhauer, filósofo alemão que viveu entre 1788 e 1860. Mais de dois séculos depois, a obra se mantém atual como nunca e poderia servir de manual para qualquer  campanha eleitoral moderna, ou como afirma o linguista alemão Karl Otto Erdmann (1858-1931) na apresentação do livro “ (...) até mesmo em discussões  acadêmicas nos deparamos hoje com os mesmos truques utilizados há séculos”, muitos deles remontando aos  escritos de  Aristóteles (384 AC - 322 AC),  sempre citado pelo autor.  Partindo desses escritos, Schopenhauer desenvolve sua Dialética Erística, a arte de discutir de modo a ter razão.

Aqui vão algumas das estratégias elencadas pelo filósofo alemão. São aparentemente simples, mas diretamente eficazes para vencer debates.

Estratégia 9: “Disfarce seu objetivo final”, de forma que o oponente não saiba aonde você quer chegar e não possa se precaver.

Estratégia 20: “Não arrisque num jogo ganho”, se as premissas foram aceitas pelo oponente, não buscar nova confirmação, mas apresentá-las como verdades absolutas.

Estratégia 28: “Ganhe a simpatia da audiência e ridicularize o adversário”, aplicável especialmente quando pessoas  cultas discutem diante de uma plateia leiga.

Algumas estratégias são auto explicáveis como as de numero 29 –“ Não se importe em fugir do assunto se estiver a ponto de perder” – ou a 36 -  “Confunda e assuste o oponente com palavras complicadas.”

A cada uma das estratégias corresponderia  um exemplo no atual momento politico brasileiro ou em episódios  recentes, como a 32, que os editores do livro no Brasil (Faro Editorial) escolheram para ilustração. O enunciado é “ Cole um sentido ruim na proposta do outro”  e o exemplo é o ataque do então candidato  Bolsonaro, com a ideia do Kit  Gay, à campanha do Ministério da Educação para  combater a homofobia. A pregação amedrontou a população mais  conservadora e desinformada e, como resultado, conseguiu que vários políticos deixassem de apoiar o projeto.

O rol de dissimulações e pragmatismo do livro de Schopenhauer se encerra com esta pérola na estratégia 38: “Como último recurso parta para o ataque pessoal”, bem assim, no melhor estilo Pablo Marçal, em São Paulo, deixando de lado o assunto em discussão (porque ali o jogo está perdido) para atacar de forma ofensiva e rude o adversário como última esperança de vencer o confronto. O autor ressalta que se trata de um truque muito apreciado, pois pode e costuma ser usado por qualquer um, por isso assume como única regra segura contrária aquela que Aristóteles (sempre ele) apresentou no último capítulo dos Tópicos:  não discuta com o primeiro que aparecer, mas só com quem tem conhecimento suficiente para não dizer coisas absurdas, que dispute com argumentos e não com afirmações de força e que valorizem a verdade.

Pelo visto, Schopenhauer e Aristóteles não tinham nada de banais, nem de solenes.

 

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Frases, frases 2

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Para a campanha eleitoral que já começou sugiro aos nobres candidatos que se inspirem nas lições dos grandes pensadores e dos especialistas em política e ação governamental. Aqui vão alguns exemplos, com a devida vênia da nossa maior especialista e companheira deste espaço, Elis Radman:

“O melhor programa econômico de governo é não atrapalhar aqueles que produzem, investem, poupam, empregam, trabalham e consomem”

Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá

“A corrupção é o cupim da República”

Ulysses Guimarães

“Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam”.

Platão

“Errar é humano. Culpar outra pessoa é política”.

Hubert H. Humphrey

“Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”.

Magalhães Pinto

“A ocasião faz o aliado”.

Antônio Carlos Magalhães

“A política é uma coisa séria demais para ser deixada nas mãos dos políticos”.

Charles de Gaulle

“Que continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem”.

Bertolt Brecht

“O povo é a bola de pingue-pongue entre direita e esquerda”.

Luna Di Primo

“O primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta”.

Maquiavel

“Governar é fazer acreditar”.

Maquiavel

“Os homens têm menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor é mantido por vínculos de gratidão que se rompem quando deixam de ser necessários, já que os homens são egoístas; mas o temor é mantido pelo medo do castigo, que nunca falha”.

Maquiavel 

“As injúrias devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, saboreando-as menos, ofendam menos: e os benefícios devem ser feitos pouco a pouco, a fim de que sejam mais bem saboreados.”

Maquiavel

“Se você pensa que existe uma fórmula pronta, igual a uma receita de bolo, para conduzir uma campanha eleitoral e ganhar a eleição, é bom estar preparado; seu adversário será vitorioso. Pois vence o que melhor se adapta às mudanças do percurso”.

Sivall Simões

“Em política, o pior cego é o que só vê as obras, os fatos. Os eleitores decidem seu voto em base à imagem que têm dos candidatos, mais do que o que fizeram ou o que prometem fazer”.

Cesar Maia

“Em campanha eleitoral é zero de voluntarismo. Não dá pra errar. É checar, rechecar e chechecar”.

Marcos Martinelli

“Confie, mas cheque”.

Ronaldo Reagan

“A visão do governo sobre economia pode ser resumida em frases curtas: se a coisa se move, taxe-a; se continuar em movimento, regule-a; se ela parar de se mover, subsidie-a.”

Ronald Reagan

 

 

domingo, 25 de agosto de 2024

REFLEXÕES AGOSTINAS DOMINICAIS

1. Grêmio e Inter ainda tem objetivos pela frente: 1. Escapar do rebaixamento: 2. Ficar na frente do outro na tabela: 3. Vencer o Grenal do returno.

1.1. Só que o mais importante objetivo deve ser começar a planejar 2025.

2. Ditado reciclado: Mais incompetente que gremista decidindo por pênaltis

3.Tem mulheres que parecem tombadas pelo Patrimônio Histórico: são intocáveis!

3.1. Durante a pandemia tivemos também as entocadas...

4. Está cada vez mais difícil distinguir nas redes sociais o que é "recado" do que é posicionamento...

5.São tantas as críticas à ação do governo federal que já estou achando que o Ministério da Reconstrução foi um tiro no pé.

5.1 Está mais para Ministério da Desconstrução de um potencial candidato ao governo do estado.

6. Pra mostrar que não se intimida com as pressões, o Xandão ainda manda prender os maios desavisados.

7. Pensando bem, acho que vou deletar esta postagem. Vai que o homem...

8. Bau de Bobagens: Se existe o Procurador-Geral deve existir também o Descobridor-Geral, ou não?!

8.1.E por que não o Escondedor-Geral?

9. Reflexão bíblica: o pescador era o apóstolo Pedro, mas traíra era o Judas...

10. Quando ouço "as últimas notícias" sempre penso que o mundo vai acabar em seguida...

11. Ditado reciclado 2:  Mais melequento que pão de alho industrializado.

12. Tô torcendo para que chegue logo o tempo de trocar o vinho pela cerveja.

13. Merchan da casa: amanhã em coletiva.net., a coluna semanal deste reflexivo: Frases, Frases 2

 

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Frases, frases

*Publicado nesta data em coletiva.net

A citação de uma frase histórica ou mesmo pouco conhecida, mas de efeito, é uma bengala usual para os discurseiros e vale também para  candidatos a cargos eletivos na campanha que está começando.  Encerrar a verborragia com aquela citação de autor renomado, então, é certeza de palmas ao final e, quem sabe, de  alguns votinhos a mais. Não me incluo nesses casos, ao contrário, não sou candidato a nada e a perspectiva de ser escalado para qualquer tipo de pronunciamento, nas ocasiões em que desempenhei funções públicas, acabavam com minha estabilidade emocional. O que não significa que não tenha uma coleção de frases preferidas, que eventualmente uso ou indico. Como estas:

-  “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. (Nelson Rodrigues).

"O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade", (Umberto Eco)

- “Nunca discuta com um estúpido, isso fará com que você desça ao nível dele; ele o derrotará pela experiência” (Mark Twain)

- “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana, mas em relação ao universo ainda não tenho certeza absoluta”. (Albert Einstein)

- “O otimista é um tolo, o pessimista um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”. (Ariano Suassuna.)

- “Quem me pede para contar toda a verdade já está me exigindo uma mentira". ( Millor Fernandes)

- “A história é escrita pelos vencedores”. (George Orwell)

- “Você não consegue fazer uma revolução com luvas de seda”. (Joseph Stalin)

- "No futuro, todas as pessoas serão famosas por pelo menos 15 minutos”. (Andy Warhol)

- “Só sei que de nada sei”. (Sócrates)

- “O que não me mata me torna mais forte”. (Nietzsche)

- “A imaginação é mais importante que o conhecimento”. (Albert Einstein)

- “Viva como se fosse morrer amanhã. Aprenda como se fosse viver para sempre”.

(Mahatma Gandhi)

- “Navegar é preciso, viver não é preciso”. (Atribuída a Fernando Pessoa, mas originalmente do general romano Pompeu).

- “Jornal é prestígio. Televisão é popularidade. Rádio é prazer. O rádio fala. Mas também ouve": (Mauro Betting)

- “Aceito críticas, mas prefiro elogios” (Flávio Dutra)