segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Cancelamento reverso

*Publicado nesta  data em Coletiva.net

Woke é um termo da moda surgido na comunidade afro-americana e que originalmente significava estar alerta para a injustiça racial. Depois, tornou-se sinônimo de políticas  liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a ecologia, o direito ao aborto,  entre outros ativismos.  O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra  afrodescendentes. Dessa vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado com significado mais amplo, chegando mundialmente, com suas bandeiras de luta, a todos os segmentos.

Agora, entretanto, constata-se um forte movimento anti-woke em grandes empresas e manifestações culturais. Gigantes como Ford, Microsoft, Google e Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp começam a abandonar as políticas de diversidade. Por aqui, a  John Deere, com sede em Illinois (EUA) e fábrica em Horizontina,  já anunciou   distanciamento de medidas de inclusão e diversidade  Ganha força nos Estados Unidos o abandono da agenda ESG (Environmental, Social and Governance)  sigla que se traduz pela prática da sustentabilidade no universo corporativo,

Na indústria cultural as reações não são diferentes. As produções de Hollywood, por exemplo, enfrentam uma crise evidente ao priorizar narrativas alinhadas com temas woke., afastando-se daquilo que a média do público busca nos filmes, ou seja, boas histórias e personagens envolventes. Resultado: queda no interesse dos espectadores e no retorno dos bilionários investimentos. Com isso, empresas como a Disney, sempre elogiada por sua adesão à cultura woke, já começam a rever sua estratégia e focar no entretenimento para toda a família.

Matéria da BBC News (“O que é 'woke' e por que termo gera batalha cultural e política nos EUA?”) é esclarecedora sobre a questão: “Os críticos da cultura ‘woke’ questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam ser ‘policiais da linguagem’ — sobretudo em expressões e ideias consideradas misóginas, homofóbicas ou racistas”.  E acrescenta: “Um método que vem gerando muito mal estar é o ‘cancelamento’,  o boicote social e profissional, normalmente realizado por meio das redes sociais, contra indivíduos que cometeram ou disseram algo que, para eles, é intolerável”.

Só para ilustrar,  numa redação jornalística de Porto Alegre um colunista usou o termo “frescura” em conversa com outro colega, foi denunciado ao setor de Compliance por alguém que ouviu o palavra, teve que se explicar  e acabou recebendo uma advertência . Esse extremismo, primo irmão do politicamente correto, é que está fragilizando o que deveria ser uma prática saudável,  de defesa de boas causas, de tolerância e aceitação do contraditório, mesmo que não haja convergência de posições.  

A resposta dos críticos é uma espécie de cancelamento reverso à cultura woke. Só que essa  resposta no mundo empresarial é determinada mais pela perspectiva de prejuízos nos negócios, do que por ideologia ou crença em valores. Assim como os bancos e o comércio varejista.do Brasil, que clamam por medidas para restringir  as apostas nas bets, não porque estejam preocupados com as finanças dos despossuídos, mas porque a fezinha que eles fazem estaria drenando, em escala,  recursos que seriam das  operações bancárias ou do consumo. Esse pessoal detesta concorrência, ainda mais quando ameaça os lucros deles.

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