*Publicado nesta data em coletiva.net
Passei
recentemente cinco dias turistando em Buenos Aires, o que não me autoriza a
fazer análises mais profundas sobre a atual - duradoura? - crise econômica dos
hermanos. Permite, porém, alguns registros confiáveis, por conta das
observações feitas e das entrevistas informais com os nativos com os quais
convivi.
Um exemplo
dos desdobramentos da crítica situação econômica é que está em desuso o
histórico e clássico golpe dos motoristas de táxi, que aproveitavam o troco para
passar notas falsas. A moeda local está com cotação tão baixa que não compensa
produzir dinheiro falso. Seria o único ponto positivo gerado pela crise, que
elevou a inflação mensal do país a três dígitos.
Para se ter
uma ideia, um Real pode ser trocado por mais de 90 Pesos no Câmbio blue
(o paralelo) e tem loja que aceita até por 100 pesos. A recomendação é que as
compras sejam feitas em effettivo, ou seja, em dinheiro, e fica aquele
constrangimento cada vez em que se paga uma conta, em restaurantes, por
exemplo, deixando sobre a mesa um monte de notas. Nos pagamentos com cartão
isso não ocorre, mas há uma perda de pelo menos 10%.
A Argentina
já foi um paraíso para compras de quem tem moeda mais forte do que o Peso, mas
agora só os produtos produzidos no país é que mantém os preços convidativos.
Estamos falando do vinho, dos doces de leite, das roupas de couro e de cashmere
e não muito mais para atrair os turistas. O que precisa de insumos
importados para ser produzido está caro para os argentinos e para os turistas. É difícil também encontrar um outlet que
valha a pena. Mas o transporte público, incluindo táxis e aplicativos,
continuam com custos lá embaixo. Dá para passear de táxi, Uber e Cabify por boa
parte de Buenos Aires pelo equivalente a 8, 9,10 reais, e a passagem do Subte (
o Metro), ida e volta pra qualquer destino, fica por cerca de 1,5 reais. Os
restaurantes e a hospedagem também têm custos convidativos para os brasileiros.
Ouvi de um
veterano taxista a queixa contra a passividade do povo diante da situação do
país e de um experimentado guia turístico que as crises econômicas são tão
antigas e tão frequentes que o povo já estaria anestesiado e se vira como
pode. Sempre tão vibrantes nas conquistas esportivas, entretanto, assisti
a apenas uma manifestação reivindicativa de trabalhadores, com não mais de uma
centena de participantes.
Buenos Aires
continua sendo uma cidade segura, sem registro de assaltos violentos. A
recomendação de sempre é atenção aos batedores de carteira. O mesmo não se pode
dizer das regões periféricas à capital, onde os assaltantes de moto agem à luz
do dia e sair à noite é uma temeridade. Constatei, ainda, que apesar do
desemprego crescente, Buenos Aires tem menos pedintes nas sinaleiras e gente
dormindo nas ruas do que em Porto Alegre.
Diante da
crise, os argentinos cultuam cada vez mais aos seus ícones, atuais e do
passado, talvez para manter um mínimo de autoestima a um povo que sempre se
mostrou muito altivo. Se o presente é instável e o futuro incerto, vale se
apegar aos personagens que representam os bons tempos ou o melhor da nação.
Por toda a parte surgem imagens de Messi, Papa Francisco, Maradona,
aqui e ali Darin, nessa ordem de importância e, depois, vultos do passado, como
Peron, Evita, e o campeoníssimo piloto Juan Fangio.
Na política o
desencanto é total com as opções que disputarão as eleições presidenciais deste
ano. Tanto assim que o atual presidente Alberto Fernandes não concorrerá, assim
como seu antecessor, Maurício Macri. A vice Cristina Kirchner também fugiu da
raia. Os cartazes nas ruas fazem a propaganda dos principais candidatos, com
destaque para os aspirantes à prefeitura da Capital. Pela situação, disputa a
presidência o atual ministro da Economia, Sérgio Massa. Já a Centro Direita,
sem Macri, tem dois pré-candidatos: Horácio Larreta, prefeito de Buenos Aires e
Patrícia Bullrich, ex-ministra de Segurança. A escolha se dará nas prévias,
obrigatória para todas as coligações, em 11 de agosto, com os primeiro e
segundo turnos da eleição em 22 de outubro e 19 de novembro. Até lá talvez
alguma candidatura empolgue, o que não ocorre hoje.
Apesar de
tudo, me encanta Buenos Aires, com a efervescência nas ruas, seus cafés e
restaurantes, sua carne e vinho inigualáveis, os teatros da Avenida Corrientes
todos com espetáculos programados, as livrarias El Ateneu cheias de gente e até
os pockets shows de tango nas ruas e seus veteranos dançarinos, e a
saturada La Boca dão vida à cidade, que voy a volver tan pronto como sea
possível.
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