*Publicado nesta data em coletiva.net
Dos meus tipos
inesquecíveis, um dos mais interessantes é o apaixonado pelas garotas do tempo
das TVs. Nos conhecemos na juventude,
nos primórdios da tv em cores, início dos anos 1970. Creio que foi o colorido
da telinha, realçando as qualidades estéticas e o figurino mais caprichado das
moças a ganhar espaço nas programações, que mexeram com a sensibilidade do
amigo. Antes, é importante que se diga que se trata de um tipo comum, sem
características físicas ou intelectuais que o distinguissem, a não ser a
obsessão pelas garotas da TV.
As primeiras paixões, ele
fazia questão de destacar em cada encontro
com os amigos, eram direcionadas às âncoras e às jovens repórteres de
então, entre eles a saudosa Glória Maria, que já estava na lida, sim. Chegava a
dar longos suspiros quando falava sobre elas e certa vez confessou que ficava muito excitado só de ouvir a voz da Iris
Lettieri. dos aeroportos a voz mais
bela, quando ela era apresentadora do telejornal da extinta Rede Tupi. Fechava
os olhos e ficava sonhando intensas intimidades com a moça. Diferente de nós, à época fãs confessos das jovens atrizes das novelas,
como a Namoradinha do Brasil Regina Duarte ou das exuberantes e maduronas
estrelas do cinema italiano, Sofia Loren à frente, ou das belas americanas como Jane Fonda na
fase pré-ativista, ele priorizava o
naipe feminino pelo viés do jornalismo e não do entretenimento.
Até que descobriu os
encantos das moças do tempo, com seus gestos medidos em direção aos mapas,
donas do sol, dos ventos, das tempestades e dos raios. Sou capaz de lembrar o
dia em que interrompeu uma acalorada
discussão sobre o desempenho dos volantes da dupla Grenal, à época chamados de centromédios, para exclamar:
- Vocês não sabem da
última? O Jornal Nacional vai ter uma
mulher apresentando as condições do tempo. Imagina, uma mulher de corpo
inteiro, junto com o Chapelin e o Cid Moreira.
Era o ano de 1991 e ele
falava da Sandra Annenberg, chamada para ser a garota do tempo de São Paulo e
que logo assumiu a mesma função no JN, sendo a primeira mulher a ter um quadro
fixo no principal jornal do país (a pioneira dividiu até pouco tempo atrás a
ancoragem do Globo Repórter, com outra precursora, justamente Glória Maria).
- A função exige
renovação, por isso elas são conhecidas como “garotas do tempo”, - justifica o
amigo para a aparente perda de status na telinha da sua ex-idolatrada Sandra
Annemberg.
Ele já acompanhava as garotas do tempo em todas as emissoras, fazia
comparações entre uma e outra, ensaiava dicas que jamais chegariam a elas de
como poderiam melhorar e era implacável quando flagrava algum equívoco de suas
amadas:
- Bah, a fulana previu chuva no Amapá e hoje foi sol a pino lá. Assim
vai derrubar a credibilidade do segmento feminino meteorológico.
O tal segmento feminino meteorológico foi uma expressão que passou a
adotar em todas as suas intervenções, certamente para dar status às garotas do tempo,
termo, aliás, que já evitava usar porque entendia que minimizava a relevante
função delas.
Com o tempo, aqui com o sentido de duração dos fatos, o adorador das
garotas do tempo, tempo aqui como sinônimo de clima, tornou-se um expert nas
condições do tempo, aqui com o sentido de situações meteorológicas, acumulando
vastos conhecimentos sobre essa área. E passou a discorrer com naturalidade
sobre frentes frias, zona de convergência intertropical, vórtice ciclônico de
alto nível e outros quetais ,que só
estavam ao alcance dos verdadeiros meteorologistas. Chegava a ser consultado
pelos parceiros quando estavam interessados na previsão do tempo para
determinada viagem ou evento ao ar livre, tanto assim que acabou ganhando o
apelido de Cléo Kuhnzinho,
Só que a especialização e a demanda por consultas cada vez mais
frequentes parecem ter subido à cabeça do previsor do tempo amoroso, que já não
exaltava mais suas musas televisivas,
- A verdade é que sei mais do que elas, que se limitam a ler o
teleprompter, redigido por um especialista.
Mais ainda, passou a implicar com o tipo físico ( “um bando de
magrelas”) e o figurino das moças (“parecem roupinhas compradas em brechós”) e
a perda de espaço para garotos do tempo:
- Era só o que faltava: deixaram o empoderamento masculino se impor na
previsão do tempo! Larguei o produto nacional. Agora estou me dedicando à
garota do tempo da Televisa.
Para quem, como nós, seus companheiros de mesa, desconheciam a nova
paixão do meteorologista fake, ele se apressou a traçar o perfil da mexicana,
com o mesmo entusiasmo, quase êxtase, de quando anunciou, anos atrás, o
surgimento das precursoras garotas do tempo na TV nacional.
- Não falei pra vocês? O manancial agora está no exterior. Tem garotas
do tempo que aparecem em trajes sumários ou mesmo desnudas, como a minha nova
ídala, Yanet Garcia, da rede mexicana Monterrey Televisión, sempre com vestidos
justos e curtos, que salientam seu calipígio. E que calipígio!
Por via das dúvidas e para cotejar com a representação tupiniquim, fui
conferir a beldade do tempo asteca e realmente ela eleva a temperatura da
audiência cada vez que aparece. O problema é que a moça pode estar anunciando a
possibilidade de mais um terremoto no México que o pessoal presta mais atenção
na forma da apresentadora do que no
conteúdo meteorológico dela.
- Aqui o que temos é o Cleo Kuhm com aquela voz de taquara rachada ou o magrelo do
tempo da RBS TV. Não dá pra competir. – exalta-se o neo apreciador de moças do
tempo estrangeiras.
Depois dessa, na mesa ao lado de nacionalistas de raiz, concluímos que estava na hora de voltar a falar em futebol e do excesso de volantes nos nossos clubes.
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