*Publicação nesta data em coletiva.net
Novíssimo Ano,
Durante sua vigência peço encarecidamente:
livrai-me dos chatos. Repito o pedido: livrai-me dos chatos. Faça uma forcinha
e mantenha longe de mim também os mordedores em geral e os pedintes de favores
que não estão ao meu alcance. Se possível, afaste os hipocondríacos, com
suas doenças e seus remédios para todos os males. Quero distância,
igualmente, dos baixos astrais, dos angustiados, dos obsessivos, porque tenho
medo de contrair uma deprê. Dá um jeito para que fiquem bem longe aqueles que
gostam de tudo bem explicadinho e dos que não sabem explicar nada.
Não permita que encontre velhos conhecidos sem lembrar o nome e seja brindado
com um “lembra aquela vez? “ ou, o que é pior, “Lembra de mim?”. E aqueles que,
cinicamente, garantem que continuo “muito bem”. Me ajuda, meu boníssimo Ano
Novíssimo, para que aqueles outros que querem “apenas dois minutos” do meu
tempo não cruzem comigo, porque são malas disfarçadas e já apelei por isso lá
em cima. E também os que conversam pegando meu braço com tanta força que deixam
marcas e, ainda, os que me tomam por idiota, perguntando se eu estou entendendo
o que eles estão falando. Mais um pedidinho: não compactue com os que me cobram
posições que não tomei, injustiças que não cometi e prejuízos que não causei. E
mais unzinho: mande para longe os duvidosos de caráter, os falcatruas, os
descompromissados e os sugadores de energia. Coloque em fuga, por especial
gentileza, os arrogantes, os prepotentes, os invejosos e todos da mesma índole.
Rogo para que não me falte inspiração para novas
crônicas, nem leitores para elas e para os próximos livros. Que não me falte também ânimo e energia para
as caminhadas matinais e que meu caminho seja pontuado por moças saudáveis e
caldáveis, para reforçar meu ânimo e minha energia. Salve-me daqueles programas
que tem tudo para virar indiada, mas se a indiada for inevitável que, pelo
menos, a bebida e os acepipes sejam honestos. Aí sou capaz de aguentar até
cantoria desafinada, mas não os bebuns inconvenientes, mesmo que no passado
tenha sido um deles.
Apelo ainda para que o celular toque menos e que, de preferência, não seja telemarketing. Novissimo Ano, dá uma
geral nos facebooks da vida e lime todos os donos da verdade. Aproveita e faz o
seguinte: devolve pros autores todas as mensagens de autoajuda, as correntes picaretas,
as armadilhas golpistas, as piadas de mau gosto e as ofertas imperdíveis que
infestam meu computador. Com um pouquinho de boa vontade, veja se é possível
devolver também todos os convites para fazer parte de novas redes sociais
porque não agüento mais tanta interação.
Com sua ajuda, Novíssimo Ano, espero ouvir menos “veja bem”, “olha só”, “pois,
então”, “o que acontece”, “tá ligado?” e
todas as expressões do gênero. Acrescenta ai “todes”, “bora”, “empatia”, “uma pegada”, “resiliência”,
“no tocante”, “isso daí”, nada a ver uma
com a outra, mas é questão de ojeriza, que também pode entrar na lista. Enrolão,
basta eu.
Por generosidade, salve-me das filas, as dos bancos e dos supermercados, e
todas as outras onde corra o risco de ser interpelado por desconhecidos que me
tiram para confessionário e interrompem minhas ruminações. Não admita, por
compaixão, que a guria bonita me pergunte a idade antes de distribuir a senha,
se não der para escapar da maldita fila. Ah, um apelo todo especial: me livra
das burocracias, tanto as públicas como as privadas, pois elas me dão
urticária.
Não deixe faltar uma boa carne na minha mesa, saladas variadas, cerveja gelada,
um tinto encorpado para as noites de inverno e um demi-sec para bem celebrar. E
se não for pedir muito, que eu reencontre aquele doce de abóbora, de comer
ajoelhado, que recebi de presente. Ah, e aquela berinjela à milanesa, a carne
de panela com batatas e uma caixa de Bis só pra mim. Se não for contraditório,
aproxime de mim essas tentações. E que sempre possa dividir a boa mesa com
companhias agradáveis, brindando os bons momentos da vida que não são muito e,
assim, precisam ser valorizados. Por isso, proteja minhas confrarias para que
não fiquem mais desfalcadas.
Conceda-me, de vez em quando, jogar um pouco de conversa fora, curtir mais a
minha gente, vagabundear sem culpa, experimentar o novo e, por que não?,
me entregar a alguma extravagância. Vamos combinar que não é pedir demais.
Em contrapartida, caríssimo Ano Novíssimo, prometo me exercitar mais, comer
menos fritura, moderar na bebida, ouvir mais e falar menos, ser menos irônico e
debochado, lembrar o aniversário de casamento e outras datas da família, parar
de deseducar os netos e não desejar a mulher do próximo, nem a do distante,
porque outros pecados não os cometo. A não ser que um pouco de rabugice seja
pecado, dos veniais, mas até isso pretendo corrigir. Nesses termos peço sua
compreensão e deferimento, caríssimo, boníssimo e novíssimo Ano.
*Reeditada do original de 2010, mas
valendo.
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