*Publicado nesta data em coletiva.net
O tema do desapego já esteve presente
mais de uma vez nos meus escritos. Em trocas
de emprego - e foram muitas -
fazia um levantamento sentimental, doído mesmo, do que ficava para trás ou era
descartado, aí incluídos bens materiais e relações afetivas. Sou facilzinho de
me apegar.
Agora me vejo novamente diante de mais
uma situação de desapego, por conta da mudança de residência, 42 anos depois de
fincar os pés na morada da Osmar Meletti, no Espírito Santo. Os filhos
cresceram aqui e agora são os netos que preenchem os espaços de alegria e travessuras.
Não se joga fora uma história dessas, mas não vou apelar para o coitadismo, só
me permito um tantinho de melancolia e de desalento, quando o novo ciclo se inicia.
Pelo menos é um tempo de redescobertas.
No vasculhar de gavetas e armários,
achei um tênis novinho em folha, comprado numa promoção, fotos antigas
da família e de situações profissionais, manuais das Copas do Mundo, relatórios
e prestações de contas, matérias importantes de quando fui um aplicado
repórter, documentos que um dia julguei que iria precisar e até uma nota de 20
pesos uruguaios que nem imagino quanto vale na conversão.. Entretanto, perdi a
esperança de resgatar a minha coleção do Na Onda, o jornalzinho mimeografado
que editávamos nos anos 1960 no bairro Petrópolis e que, de alguma forma, foi a
origem da minha vocação jornalística. Pra falar a verdade, encontrei apenas uma
folha perdida do hebdomadário (o Google explica), da 17ª edição, lá pelos idos
de 1968.
O descarte começou há duas semanas e
nada é mais angustiante do que o desapego, a escolha do que segue com a
gente e do que vai para doação ou
reciclagem. Com dor no coração, quase derramando uma lágrima furtiva, mas
pressionado pela proximidade da mudança para uma morada menos espaçosa, fui
obrigado a me desfazer de algumas das minhas preciosidades, fruto de impulsos
consumistas, especialmente camisas azuis e livros empoeirados. Junto, foram
calças que já não conseguia abotoar na
cintura , casacos para todas as estações, suéteres que parece terem
encolhido, sapatos, sapatênis e chinelos
que, admito, nem lembrava mais da existência. Roupas, calçados e livros tiveram
destino apropriado: foram doados à pessoas ou instituições. Que façam bom uso.
Tive o cuidado de preservar alguns
itens de maior valor afetivo para o futuro Memorial Flávio Dutra, que
certamente a família, amorosa e reconhecida que é, vai criar quando eu me for.
O que ficou significa também um mergulho emocional no passado mais distante, no
reencontro com boletins escolares de notas apenas satisfatórias, cadernos, um
pra cada matéria, com uma caligrafia tão mais caprichada do que a atual, e
fotos, não muitas e todas em preto e branco, daqueles tempos
sonhadores e de menos responsabilidades. Cada item
resgatado remeteu a um recorte da vida, nem todos felizes, mas todos somando
experiência. O baú de memórias é isso, o depositário das experiências
acumuladas e aí o desprendimento é bem mais difícil. Por isso, acumulador
compulsivo de saudades, guardei mais recordações do que os espaços vão permitir.
Mesmo assim, não abri mão de levar minha coleção de mais de 100 canecas, iniciada
com uma peça de homenagem de ex-parceiras de trabalho. Haverá um merecido
cantinho para elas na nova morada.
O que me consola neste momento
melancólico é esta frase atribuída a um
grande escritor: “Afinal, se coisas boas se vão é para que coisas melhores
possam vir. Esqueça o passado, desapego é o segredo”. Voto com o relator, que
seria Fernando Pessoa. E se não for ele,
assino embaixo assim mesmo, para deixar de ser, com esse compromisso, o
acumulador obsessivo de já inúteis retalhos do passado
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