* Publicado originalmente no Coletiva.net, em 23/05/2018
Claudio Coutinho era capitão do exército e foi preparador físico na
vitoriosa campanha do tricampeonato da Seleção Brasileira no México, em 1970.
Depois, assumiu como treinador da Seleção em 78, na Argentina, quando cometeu a
sandice de deixar Falcão de fora, em detrimento do brucutu Chicão. Essa opção
contribuiu para que o Brasil ficasse fora das finais, se bem que até hoje
permanecem as suspeitas de que os peruanos arreglaram para os argentinos
decidirem o título.
Maracutaias e equívocos a parte, Coutinho (gaúcho
de Dom Pedrito) deixou sua marca no futebol brasileiro, nem tanto pelo estilo
europeu que defendia, mas pela terminologia que passou a empregar e que
contribuiu para renovar o futebolês. Exemplo
é o overlaping, ou ponto futuro, que descrevia o procedimento em que o jogador
combinava o lance com um companheiro, já se posicionando para receber a bola
mais à frente. Introduziu também o conceito de polivalência, baseado no futebol
total da Holanda da Copa de 74, em que cada jogador se desdobrava em mais de
uma função em campo.
Coutinho estava adiante do seu tempo, mas foi ridicularizado pela mídia
conservadora daquela época e não teve o devido reconhecimento ao falecer,
precocemente, aos 42 anos, quando praticava pesca submarina.
Atuei por mais de 25 anos nas editorias de Esportes e acompanhei de
perto a evolução do futebol nesse período e as mudanças na linguagem da chamada
crônica esportiva. O rádio, por lidar com a emoção da instantaneidade,
continuou grandiloquente. A imprensa escrita, porém, modernizou em muito seus
conteúdos nas matérias de esportes, desapegando-se da terminologia inglesa que
impregnava, especialmente, a cobertura do futebol com seus corner, match, team,
goal e outros tantos. A TV, por seu lado, conseguiu livrar-se da influência do
rádio e o primado da imagem é que condiciona a linguagem, misto de emoção e
fala mais elaborada.
Hoje o futebolês alterna
modernidade e singularidades. Nas posições dos jogadores talvez tenham ocorrido
as maiores mudanças, dos originais ingleses beck, center half, center foward, para
volantes, armadores, alas, passando antes pelos centromédios, laterais, meias,
com apelo à polivalência na escolha das posições, como Coutinho pregava.
O Coutinho do futebol moderno incorporou no gaúcho
Tite, com seu palavreado que beira a discurseira da autoajuda e conceitos
como treinabilidade, flutuação, potenciar individualidades e
outros termos que lembram os programas de gestão. Já os jogadores adoram
afirmar que estão focados e os jovens repórteres
abusam do termo desconforto, que substituiu o que
se conhecia por lesão. O time quando passa a jogar bem encaixou, com?os setores bem conectados. Até a segurança privada nos estádios,
isto é, nas arenas, trocou de nome: agora atendem
por stewards (guardiões em tradução livre), o que, de
certa forma, representa um retorno aos termos ingleses originais.
No caso das singularidades nada supera o cascudo e seu sinônimo, rodado, jargões usados para identificar os jogadores
experientes, enquanto o brucutu, referido
antes, é ofensa reservada aos jogadores desqualificados tecnicamente.
Até aqui resgatei parte de um texto de três anos atrás, porque acredito
que continua atual e porque a Copa da Rússia está próxima. Acrescento que o que
chama atenção neste momento é exatamente a desatenção, quase geral, à Seleção
Brasileira. O tal de 'clima de Copa' ainda não se fez presente na população,
diferentemente de edições anteriores, quando, a esta altura, estávamos todos
imbuídos do 'já ganhou'. Até mesmo a convocação final para a Copa, sempre
motivo de muitas polêmicas, só aqui gerou mais controvérsias, porque o assunto
grenalizou com a presença na lista de Tite de ex-colorados e a ausência de mais
gremistas.
A constatação
mais simplória é de que o desencanto do brasileiro com tudo o que represente
poder chegou ao futebol - a seleção é a pátria de chuteiras, dizia Nelson
Rodrigues. Prefiro acreditar que este desencanto, que leva à apatia do
torcedor, tem mais a ver com o vexame na Copa de 2014, especialmente o trágico
7 x 1 para os alemães, combinados à revelação de toda a roubalheira nas obras
dos estádios e à corrupção dos cartolas da CBF. Em parte, Tite recuperou nossa
confiança na Seleção, mesmo que, por questões ideológicas, setores à esquerda
torçam, sem constrangimento, contra tudo o que seja verde e amarelo. Já eu
aposto que, quando a bola rolar, a conexão torcida-seleção vai se dar. Isso,
aliás, me lembra o enredo do filme Fé de Etarras (disponível
na Netflix), em que terroristas bascos, enquanto aguardam uma nova missão ao
mesmo tempo em que se desenrolava a Copa da África, acabam por deixar de lado
sua histórica luta conta o governo de Madri e passam a torcer fervorosamente
pela seleção espanhola na final diante da Holanda. Que a ficção de Fé de Etarras sirva de exemplo por aqui, com a
certeza de que o Brasil não vai mudar, nem pra mais nem pra menos, com vitória
ou derrota da Seleção.
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