domingo, 26 de julho de 2015

Tudo começou com dona Mimi

Dona Mimi e um curso nas lojas Guaspari. Olha o fogão Wallig ali

Sou do tempo em que programa de culinária era com a dona Mimi Moro (1894-1977), na antiga TV Piratini. O programa era Cozinhando com Dona Mimi,  em preto em branco, com uma equipe de produção  muito criativa para compensar as carências técnicas da época.  As panelas fumegando, por exemplo, eram focadas através de um espelho colocado acima do fogão, um Wallig, por certo. No fim do programa, a equipe devorava as guloseimas preparadas pela dona Mimi, num tempo em que as frituras não eram demonizadas como hoje.

Coube ao Anonymus Gourmet, que os seus contemporâneos jornalistas conhecem como Pinheirinho, dar continuidade à atividade gastronômica na televisão gaúcha, primeiro na RBS e agora no SBT. Eventualmente cruzo com ele no Calçadão de Ipanema, trocamos amabilidades e uma ou outra vez deixei registrada a minha inconformidade por ele rejeitar o potencial culinário da berinjela, no que recebo o convicto apoio da simpática esposa dele.

Contar com apenas uma atração gastronômica televisiva é quase nada diante do quadro que se constata hoje na grade de programação dos canais abertos ou pagos. A oferta de programas tem opções nacionais, de Ana Maria Braga à Carolina Ferraz, passando por Rita Lobo e Bela Gil, e internacionais, como a inglesa Lorraine Pascale e a neozelandesa Annabel, e mais um naipe masculino com uma comissão de frente, com e sem sotaque, formada por Rodrigo Hilbert (o maridão da Fernanda Lima), Claude Que Marravilha Troisgos, o padeiro Olivier Anquier e o inglês Jamie Oliver, que parece salivar quando apresenta suas comidinhas. Por fora corre o fenômeno food truck que começa a também ganhar espaço na TV.

O último levantamento indicava 67 programas no ar. Até reality show tem, o MasterChef que está na segunda edição, no qual os telespectadores podem acompanhar a transformação de um cozinheiro amador em um chef profissional.  É um dos carros chefes da programação da Band, que garante um premio de R$ 150 mil ao ganhador para ele abrir seu próprio negócio.  E o SBT investe num reality de confeitaria intitulado Bake Off Brasil – Mão na Massa, que reúne em horário nobre 12 competidores pelo título de melhor confeiteiro amador do país.

Se existe oferta é porque tem demanda – e patrocínios comerciais -,  o que explica a profusão de programas e até mesmo um canal dedicado exclusivamente à culinária, o ChefTV . Pode ser modismo, mas acredito que a gastronomia televisiva veio para ficar, uma vez  que reúne alguns ingredientes  presentes com muita força nestes tempos hedonistas: apresentadores que fazem o estilo de celebridades, ambientes  glamorosos, disputas nos reality shows e prazer envolvendo uma necessidade básica, a alimentação. E assim já disputa espaço nobre com as novelas e as coberturas esportivas.

Toda essa onda provocou a mais profunda mudança nos hábitos alimentares desde que o homem descobriu o fogo e passou a utilizá-lo no preparo da sua nutrição. Agora o prazer da comida passou da mesa para o fogão e deste para a TV, tornando mais verdadeira do que nunca a expressão popular “comer com os olhos”.  Dona Mimi Moro certamente não imaginaria tanto

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Em tempo de crise

Lá pelo final dos anos 80 do século passado numa reunião de pauta do Jornalismo da Radio Band sugeri que fizéssemos uma série de reportagens sobre a crise da saúde no Rio Grande do Sul. Mal acabei de externar a ideia e fui aparteado por uma das editoras, a mais experiente:

- Pô, chefia, crise da saúde de novo?! Há mais de dez anos a gente não fala em outra coisa.

Fui obrigado a reconhecer que ela tinha razão. Passaram-se mais de 20 anos e a crise na saúde continua na ordem do dia, apesar dos investimentos sempre crescentes no  setor e de o SUS ter se consolidado desde então.  Até parece que  a crise da a saúde tomou vacina contra a solução dos seus recorrentes problemas.

Uso o exemplo da saúde para tergiversar sobre as crises em geral, as que assolam nosso país em todas as instâncias de governo e que contaminou o setor produtivo em geral. Desde que me conheço por gente ouço falar em crise e nos seus efeitos perversos sobre o cotidiano de cada um de nós.  Mesmo assim temos sobrevivido e ficamos à espera de uma nova crise, da volta por cima e dos altos e baixos que virão depois.

Só o que está mudando é que esse processo passou a ganhar uma abordagem diferenciada, de algumas crises para cá.  Agora,  a discurseira é em torno de uma equação, verdadeiro mantra, de que crise é igual a oportunidade.  Afamados palestrantes, inclusive, não se cansam de usar um argumento falacioso, afirmando que os caracteres que compõe a palavra  crise em chinês  (me poupem de reproduzi-los) representam  perigo e oportunidade. Essa versão já foi derrubada por credenciados filólogos da língua chinesa.  É uma percepção popular equivocada, esclarecem.

Ademais, vai explicar para o metalúrgico que perdeu o emprego que ele  não foi vítima da crise, mas que precisa acreditar na chegada de um tempo de oportunidades. Vai contar ao empresário que o consumo caiu, o juro está alto, falta capital de giro e grana para novos investimentos, mas que isso é sinônimo de oportunidade, não de crise. Vai explicar aos gregos que os alemães, ao cobrarem o que lhe devem,  estão sendo generosos, oferecendo um mundo de oportunidades e não agudizando a crise do país.

Crise igual a oportunidade, essa autoajuda motivacional de nada adianta quando fatores externos pressionam as vítimas da crise, detonam suas bases de apoio, suspendem suas receitas, negam crédito e acabam com as bem aventuranças futuras. Isso é vida real e não discurso artificioso.

Da mesa ao lado vem o questionamento: mas, e aí, qual a solução? Chamem os universitários porque  não me atrevo a tanto, apenas observo o cenário e fico bem quietinho no meu canto, esperando a onda passar. Garanto que sobreviverei a mais essa crise.


sábado, 11 de julho de 2015

A volta do Toniolo

                                                     Toniolo e Dione

O lançamento do curta metragem Sticker Connection reviveu a figura de um grande amigo da adolescência, hoje considerado verdadeira lenda vida.  Trata-se do Toniolo, Sérgio Toniolo, também conhecido como Aranha por todos os que frequentavam a Praça Tamandaré em Petrópolis ou o chamado Fim da Linha, onde era o terminal do bonde, após a Igreja São Sebastião e a loja das irmãs do Pedro Simon.

Agora o Toniolo está de volta, festejado no curta dirigido por Tiago Bortolini e produção da Zeppelin Filmes e que resgata as conexões  de Dione Martins,  criador daquele indiozinho que se vê por vários pontos da cidade, o Xadalu, com outros artistas do stricker (adesivo em inglês). Na verdade,  é uma arte de rua pós grafite – os artistas colam adesivos e cartazes nos espaços urbanos.  A tese, que eu acho correta, é de que o Toniolo seria um dos precursores mundiais, ora veja,  da tal manifestação artística. O jovem Dione e Tonilo, hoje com 70 anos, tornaram-se amigos e o polemico pichador de Porto Alegre topou participar do filme, que pode ser conferido no YouTube. 
                                                        O indiozinho Xadalu

O curta vai clarear também o que representa aquele indiozinho exibido em vários espaços de Porto Alegre e que tem aparecido em países como Inglaterra, Itália, Canadá, Estados Unidos e até na China.  A mim interessa menos essa explicação do que o revival do Aranha, que já frequentou o ViaDutra em duas postagens.  A primeira delas é Toniolo Vive, que me animei a reeditar, lembrando a convivência com o amigo e um episódio que mudou a vida dele.

 (...) Agora, posso revelar: eu convivi com o Toniolo. Eu e todo o bairro Petrópolis. Chamava-se Sérgio Toniolo, mas nós o conhecíamos por Aranha, apelido que pegou, acho eu, pela forma como caminhava, desengonçado como um aracnídeo. O nosso Aranha era filho de uma tradicional família do bairro e irmão mais velho do Silvio, um craque varzeano, mas diferente do mano, meio campista dos bons, nosso personagem era um futebolista apenas mediano. Porém, tinha rasgos de jogador moderno, eis que era um lateral apoiador, quase um ala do futebol atual: recebia a bola, avançava em direção ao ataque, mas nunca mais voltava, deixando todo o seu setor vulnerável aos contra-ataques. Como tinha fama de brigar bem, embora dificilmente se exaltasse, a gente pegava leve com ele, até porque era bom papo e gente do bem.

Um dia Aranha fez concurso para a Polícia e passou. Foi lotado numa delegacia qualquer como inspetor ou investigador e tudo indicava que teria uma carreira promissora a serviço da segurança dos cidadãos. Mas o Aranha era do tipo invocado, que não levava desaforo para casa. E certa noite, depois de um churrasco da turma na casa de meus pais, saiu o Aranha a pernear, como de hábito, pela avenida Protásio Alves, até que foi abordado por uma dupla de PMs que fazia a ronda no bairro. Os brigadianos provavelmente desconfiaram do Aranha a vaguear solito àquela hora da noite. E ele era realmente uma figura, digamos, estranha. Andava rente as paredes, parecendo que escapava, sorrateiro, de perseguidores imaginários. Nesse cenário, acontece a abordagem dos brigadianos. Os perseguidores imaginários materializavam-se, na cabeça do Aranha, em forma de uma dupla fardada. É importante esclarecer que existia na época uma rixa muito forte entre Brigada Militar e Polícia Civil, porque recém fora extinta a Guarda Civil e a BM assumiu todas as funções de policiamento ostensivo. Ao interpelarem o Aranha, os PMs certamente desconheciam que estavam diante de um representante da corporação civil. Estabeleceu-se então um diálogo que reproduzimos agora, numa versão livre e ligeiramente dramatizada:

- Os documentos, cidadão.
- Que documentos? Documentos pra que?
- Vamos, mostra logo os documentos.
- Não vou mostrar.
- Que que tu tá fazendo a essa hora da noite na rua?
- Não te interessa.
- Então nós vamos te prender. Vai te explicar na delegacia.
- Vem, então, Pé-de-Porco.

Pé de Porco era ofensa grave aos integrantes da briosa BM. Diante do desacato, o primeiro brigadiano avançou em direção ao Aranha, que se safou com agilidade e sacou do seu 38 (ou seria um 32?). De arma em punho, desafiou os PMs:

- Vem agora, vem, que eu vou furar vocês.

A versão mais difundida do caso dá conta que um dos brigadianos, cônscio do cumprimento do dever, não se intimidou e partiu pra cima do Aranha. Ouviu-se então um tiro que ecoou na noite petropolitana. O Aranha havia disparado seu 38 (ou 32) em direção ao brigadiano, quase à queima roupa. Antes do desfecho do entrevero, é preciso explicar um detalhe fundamental. Na época, o fardamento da Brigada incluía um cinturão largo, com uma grande fivela de metal. Pois, para sorte do Aranha e do PM foi na fivela que a bala ricocheteou. Os brigadianos não revidaram, até porque o que estava na cobertura, certo de que seu parceiro fora mortalmente atingido, foi socorrê-lo, permitindo que o atirador se escafedesse na escuridão.

Dez minutos depois, quem bate a porta do solar dos Dutra, na rua Ivo Corseuil? O Aranha, muito nervoso e gaguejante:

- Acho que matei um brigadiano lá na perto do Colégio Santa Inês. Preciso me esconder porque os Porcos vem atrás de mim.

E reproduziu o sucedido, que serve de base para essa narrativa. Em seguida, despediu-se e sumiu na noite de Petrópolis. O conflito com os brigadianos resultou em inquérito, o Toniolo foi punido, ficou afastado do serviço por um bom tempo e se desencantou com a atividade policial. Desde então ficou mais arredio do que nunca. Acredita-se que foi esse episódio e seus desdobramentos na carreira, que contribuíram decisivamente para que o Aranha se transformasse de agente da lei em transgressor da lei. Particularmente, nunca mais ouvi falar do bom Aranha.


Por isso, acho que esta na hora, antes que se perca nos descaminhos da memória, de resgatar a figura do Toniolo, elevando-a a dimensão de um Elvis, de uma Elis. A legião de admiradores deste pioneiro deve ficar marcada, não mais com pichações e sim com elegantes e coloridos grafites, para que todos os espaços disponíveis exclamem – “Toniolo Vive!”. De fato.

O texto "Toniolo Vive" foi publicado originalmente em outubro de 2009.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Consulta ao Carpinejar

Sou fã de carteirinha do Fabricio Carpinejar, que conheci como assessor de imprensa da Unisinos quando não era tão famoso. Gosto do estilo, das tiradas bem humoradas, do jogo de palavras de suas crônicas no rádio e no jornal. Carpinejar especializou-se em analisar e expressar as relações humanas, as ligações familiares e os conflitos e bem aventuranças dos que se amam.  Ele deve ter muita experiência nessas questões uma vez que, pelo que se sabe, coleciona “relacionamentos sérios” em sequencia, para usar uma expressão do Facebook.

Mas o que está fazendo o Carpinejar no ViaDutra? É que fui desafiado a escrever sobre mulheres que amam de menos em contraposição a dois textos que cometi relatando casos de mulheres que amaram demais (*). É impressionante o que tem de gente que adora enticar com um blogueiro despretensioso. Mas vamos lá.

A rigor, assumindo a logica do Carpinejar, não acredito em mulheres que amam de menos. Quem ama de menos, não ama. Tolera o outro, se satisfaz com pouco e vai levando a vida, sem grandes emoções, porque o sal da vida na relação a dois está no conflito e na reconciliação, na entrega e no desapego, nas idas e vindas. O tédio não é o combustível que vai energizar a relação.

A provocadora Jaque, entretanto, tem outra visão.  Para ela, as mulheres que amam de menos ou que parecem amar de menos são aquelas que não grudam no objeto de seu amor, convivem em harmonia sem sentimento de posse, zelam pela relação para que o outro entenda que esta de olho nele,  mas não são doentiamente ciumentas. Será que interpretei corretamente, hein Jaque?

Pensando bem, deve existir uma terceira via, que não seja tão radical emocionalmente, nem que pareça descomprometida amorosamente. Mulheres que amem demais, mas que sejam  espaçosas de menos.


Acho que vou precisar consultar o Carpinejar para desenhar melhor esse perfil de meio termo.

* A pedido de Jaqueline Selistre

sábado, 4 de julho de 2015

Novas aventuras do Gunther

Nosso amigo Gunther é um solteirão convicto, mas gosta de um enrosco como poucos. Só que seus amigos começam a se preocupar com sua solteirice, ele que está a beira dos 40 anos e ainda mora com os pais.  Por isso tratam de prospectar possíveis pretendentes a acabar com o celibato dele e, tal como cupidos modernos, promovem  encontro  entre as partes.

Nem sempre a coisa funciona a contento.  Na última tentativa,  Gunther teve um encontro tórrido com uma fisioterapeuta apresentada por um casal de amigos. O tórrido no caso vale até o banco traseiro do carro e a subida no elevador que conduzia à cobertura da moça, num prédio bem situado em bairro nobre da Capital.

Ao chegaram ao apartamento, ela propôs:

- Vou te apresentar meus filhinhos.

Gunter confessa que tremeu nas bases.  “Bah, não esperava por um kit completo, com filhos e tudo o mais”, pensou.

Foi então que ao abrir a porta para outra peça eis que surgem oito gatos, de variadas raças e nomes mimosos, tipo Cherry ou Honey.  Os bichanos eram muito sociáveis e logo pularam no colo de Gunther, que ficou sem ação. Pior, vestia apenas a cueca e os gatos começaram a incomodar, soltando pelos e arranhando a pele sensível do nosso amigo. Não satisfeitos,  dois  deles avançaram sobre a jaqueta que repousava numa cadeira e passaram a afiar suas unhas no tecido da peça de grife famosa.

- A jaqueta custou uma nota e os gatos tanto fizeram que ficou inutilizada. E a querida apenas dizia:? “Não são uns amores?”, lamentou mais tarde o solteirão, quase arrependido.

Quase, porque terminada a fuzarca com os gatos, o casal deu sequencia ao que haviam começado no carro e no elevador.  Foi  uma noitada e tanto,  mas na manhã seguinte Gunther acordou necessitado de ir com urgência ao WC.  A moça se ofereceu para ir junto e juntos tomarem banho, quem sabe empreendendo um segundo tempo.

Gunther conseguiu demovê-la do compartilhamento, mas não contava com o fato de o banheiro ter vista panorâmica para o quarto e ele não queria ser visto no seu momento escatológico. Ao tentar cobrir a grande vidraça com toalhas percebeu uma movimentação estranha na banheira.  E foi assim que conheceu os outros membros da família, duas tartarugas se esbaldando na água.  Os quelônios, bem criados,  atendiam pelos nomes de Gina e Jerry.  “O Jerry é pra rimar com o Cherry”, explicou a anfitriã, mas nada acrescentou sobre a Gina.

Resumo da ópera:  Gunther ficou sem banho por não querer dividir sua intimidades com as tartarugas. E decidiu também ficar sem a parceira, com uma explicação a partir de seus conhecimentos de advogado de carteirinha  da OAB: havia cometido um erro de pessoa.


-  Pensei que ela fosse fisioterapeuta, mas descobri que a vocação dela é pra veterinária ou dona de pet shop.  E aí não há jaqueta nem privacidade que resista.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Resgatando Diógenes, o Cinico

Confrade de minhas relações costuma julgar as pessoas nas dimensões física e  jurídica.  A física diz respeito aos atributos pessoais - caráter, personalidade, atitudes – e a jurídica ao desempenho profissional – competência, entregas, relacionamento,  comprometimento.  Assim, não é raro se referir a outra pessoa no condicional:

- Na física é uma rica de uma pessoa, mas, na jurídica, um baita incompetente.

Também é recorrente a sentença inversa:

- Na jurídica é um grande profissional, mas, na física um péssimo caráter.

Nesta minha jornada mais que  sexagenária   sou tentado a concordar com o confrade, eis que tenho convivido com gente de todas as espécies.  Conheço perfis, especialmente entre as chamadas pessoas públicas, que induzem a  grandes enganos com suas atitudes.  Fina flor da meiguice para efeito externo,  nas internas são verdadeiros déspotas.  E parece haver uma relação direta entre a ascensão do sujeito e a incivilidade: quanto mais poderosos, mais autocráticos. Os piores são aqueles que recebem um carguinho e acham que são deuses.

- Dá-lhe o látego e conhecerás o tirano, dizia, algo solene,  um diretor de rádio que conheci no passado, ele mesmo um especialista em disseminar o terror entre os seus colaboradores.

O látego, para  quem não sabe, é o  chicote usado pelo  verdugo para flagelar suas vitimas. As vitimas são todos aqueles obrigados a conviver com os opressores de plantão, porque o sujeito mal avaliado na jurídica, mas de boa índole ainda passa, porém,  o contrario não é verdade. Do jeito que vai, daqui a pouco seremos  obrigados a imitar Diógenes,  que saia as ruas na Grécia antiga  carregando uma lamparina e alegando que estava a procurar um homem honesto e íntegro.  Detalhe: o filosofo era conhecido como Diógenes, o Cínico, o que deve significar alguma coisa sobre o caráter dele.
                                                            Diógenes, puro cinismo

Na verdade,  Diógenes procurava a virtude de uma vida simples e natural,  dessa simplicidade e espontaneidade  de que são feitas as pessoas  do bem, que prescindem do látego porque são integras na física e na jurídica. Se me pedirem nomes dos outros, nem com látego revelo.


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domingo, 21 de junho de 2015

Mulheres que amaram demais - o Vulto

Meu bom amigo Gunther foi  surpreendido outro dia quando chegava para apanhar seu flamante SUV numa garagem do Centro. De um canto escuro emergiu uma criatura que, primeiro, provocou um susto enorme e em seguida uma atitude defensiva contra o intruso potencialmente perigoso.  Não  era para tanto. O vulto era uma amiga que se candidatava a ser mais do que amiga. Nas mãos, carregava duas sacolas com pinhões.  A cena não deixava de ser insólita: de um lado Gunther todo em alerta e do outro o Vulto, agora como nome próprio,  com as duas sacolas e aquela prosaica carga silvestre. De repente,  num gesto desastrado dela, os pinhões acabaram se esparramando pelo chão.

Naquele momento a dupla se deu conta da presença de Cinthia, colega e caroneira de Gunther.  Tão assustada quanto o moço, ela ficou sem ação:  não sabia se fugava para o veículo, se juntava os pinhões ou se cumprimentava o Vulto, que conhecia de outras investidas.  Optou por ficar estática, aguardando o desenrolar dos acontecimentos, enquanto a outra  não conseguia esconder o constrangimento com a presença dela.

Gunther acabou conduzindo as duas no SUV, mas teve o cuidado de entregar o Vulto primeiro, claramente para escapar de nova investida.  No trajeto a conversa girou em torno dos pinhões desgarrados, que devem ser metáfora de alguma coisa, a qual Cinthia, que a tudo assistiu, não soube explicar.  Mais difícil  é explicar  a paixão de o Vulto por Gunther, os telefonemas em horários tardios ou cedo demais, os encontros forçados e tudo o mais numa relação condenada à frustração.  Senhora bem ajeitada nos seus 40 e tanto, casada  e com filhos crescidos,  discretamente elegante e, ainda,  com feições que lembram Celly Campello* quando mais jovem, ela não deveria dedicar-se com tanto afinco à Gunther, um hedonista militante.  Mas o Vulto não desiste...

Esse prosaico episódio  nada tem de edificante ou inspirador, nem encerra uma lição a ser seguida. Na real é apenas mais uma ocorrência da série Mulheres que Amaram Demais.  Vale como expressão do esforço dessas mulheres para revelar toda a sua paixão, às vezes incontrolável.  Nem Glória Perez descreveria melhor a situação em seus folhetins televisivos.  Mesmo assim,  as mulheres que amaram e amam demais tem o meu respeito. É preciso coragem, iniciativa, determinação, despir-se  de qualquer recato, para cercar permanentemente o alvo de sua paixão e nem sempre ter a devida correspondência.  Neste caso, passam a ser mulheres que sofrem  demais .Por isso,  merecem mais ainda meu sincero e solidário respeito.


* Celly Campello, precursora do rock no Brasil. "Estúpido Cupido" foi seu primeiro e maior sucesso. Faleceu em 2003, aos 60 anos.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Mulheres que amaram demais

As campanhas eleitorais não produzem  apenas o efeito eventual e  nefasto de escolher  gestores públicos incompetentes e/ou corruptos, mas também o de ensejar parcerias amorosas que se revelarão desastrosas para uma das partes ou mesmo as duas. Foi o que aconteceu com minha amiga Luzia que se enamorou do Alemão durante uma campanha majoritária da qual também participei.  Eu seria capaz de jurar que era amor eterno tal o arreganho entre eles.

Nosso candidato venceu bem a eleição e depois fiquei longo tempo sem contato com Luzia. O reencontro se deu na mesa ao lado, num dos eventos que tenho frequentado.  Indiscreto como só eu, pergunto como estava a relação com o Alemão, imaginando-a tão bem sucedida como o resultado eleitoral do candidato.

- Aquele traste? Tu não imaginas do que ele foi capaz!

Já estava me arrependendo da provocação, quando a moça passou a relatar sua desdita, vivida intensamente com o Alemão,

- Fiz coisas que jamais imaginei enquanto estivemos juntos. Viajei até o Rio de van, me hospedei em hotéis de quinta categoria na beira da estrada, tomei banho em banheiro de posto de gasolina. Cheguei ao fundo do poço quando passei a frequentar a casa dele numa vila na Região Metropolitana. 

Fiquei  sinceramente penalizado com o desabafo, mas evitei cortar a conversa porque ela estava funcionando como uma catarse.  E  Luzia, moça prendada e bem colocada no ranking das caldáveis, prosseguiu:

- Ele morava numa peça nos fundos de uma casa na tal vila. Não era a casa dos fundos, mas só um puxadinho.  Pergunta se tinha cama?  Não, não  tinha. Era um colchão no chão. Mas aquele colchão serviu por um bom tempo, até que...

Houve uma pausa, senti que Luzia hesitava talvez lembrando alguns bons momentos proporcionados por aquele colchão do puxadinho e quase deixei escapar um  “conta logo”, mas me contive, até que ela arrematou:

- Apesar de toda a minha entrega, de todas as minhas demonstrações de amor, o traste cretino me corneava e depois me deu o fora. Ele me deu o fora! Eu devia ter ouvido o meu pai que dizia que o sem vergonha  não prestava pra mim. Me deixei enganar por aquele xalalá dele, de que a gente formava um lindo par...

Fiquei comovido com a história e meu olhar transmitiu toda minha solidariedade à jovem enganada, enquanto Liliane, amiga comum que compartilhava aquele momento confessional, aproveitou ela para fazer uma revelação.

- Já passei por situações semelhantes quando namorei um músico. O cara até tinha bom nível, mas estava sempre sem grana eu é que bancava a comida após os shows. Ele adorava um X-bacon.

Tenho minhas dúvidas se um sujeito que aprecia X-bacon pode ser enquadrado na categoria de bom nível, mas enfim, assim é o amor. Ah, o amor ! Quantas barbaridades são cometidas sob o teu manto! Quem nunca?


sexta-feira, 12 de junho de 2015

O dia que está faltando


* Reeditado a partir de uma postagem de 06/08/2010

Confesso que não tenho muito saco para essas datas comemorativas, tipo Dia das Mães, dos Pais e Dia da Criança. A partir do momento em que se tornaram mais um evento comercial do que um tributo aos homenageados, tais comemorações perderam sua dimensão afetiva. Suspeito mesmo que haja muita falsidade nas manifestações nessas datas, E nada contra o comércio, que precisa fazer a roda da economia girar, mas não abro mão de decidir se participo ou não da festa e com quê entusiasmo será minha adesão. 

Até porque novas datas comemorativas estão surgindo, todas com grande apelo emocional e sendo estimuladas pelo setor produtivo. O Dia dos Namorados já está consolidado, fazendo a alegria das floriculturas, dos restaurantes e dos motéis. O Dia da Mulher vai na mesma direção e já há quem advogue a criação do Dia do Homem, uma vez que outras opções já estão contempladas no Dia do Orgulho Gay.

Há um forte movimento para implantar o Dia do Amigo que, por enquanto, se resume ao envio de mensagens piegas via redes sociais entre aqueles que se julgam amigos do peito. Está pintando com força o Dia dos Avós e a meritória homenagem está se transformando em obrigação de comprar presentes para os vovozinhos. Menos mal que posso ser beneficiário dessa obrigação, com a Maria Clara, a Rafaela e os futuros netos. Já inventaram também o Dia do Beijo, comemorado a 13 de abril sem que se saiba de qualquer relação entre a data e o motivo da celebração.

É preciso tomar cuidado com os exageros. Conheço o caso de marmanjos que até hoje recebem presentes pelo Dia da Criança. Observo também um esforço, inclusive de escolas, para introduzir entre nós o Halloween, o Dia das Bruxas, uma tradição anglo-saxônica que nada tem a ver com a nossa cultura. Só vou aderir se puder mandar um buquê de espinhos para algumas bruxas que me atormentam no dia a dia.

E tem ainda essa forçação de barra para instituir o Dia da Sogra. Com todo o respeito à categoria, que nos legou nossas amadas parceiras, a figura da sogra ainda é estigmatizada e temo que, ao invés de homenagens, as respeitáveis senhoras sejam objeto de agravos de parte de genros e noras ingratos. Isso sem contar que podem surgir ideias como a criação do Dia dos Ex que pode englobar um naipe diversificado de figuras: ex-marido, ex-mulher, ex-sogra, ex-patrão, ex-amigo. Aliás, ex é o que mais tem e até por isso mereceria a homenagem. Sem presentes, é claro.


sábado, 6 de junho de 2015

A manchete do dia seguinte

Aos 6.5 tenho cuidados redobrados ao atravessar as ruas e avenidas mais movimentadas. Meu grande temor é o vexame da manchete do dia seguinte, algo do tipo “Sexagenário atropelado por ciclista”.  Parece que o termo sexagenário está em desuso na nossa imprensa e aí o editor maldoso vai apelar para uma solução mais vexatória, se o acidente ocorrer num bairro mais distante do Centro Histórico: “Carroça atropela idoso na Aberta dos Morros”.  Convém lembrar que Aberta dos Morros é um dos tantos bairros que aparecem nas minhas correspondências e, independente dos nomes, por aqui ainda circulam carroças. E aí mora o perigo.

A preocupação que me leva a fazer essa advertência tem a ver também com o pessoal que costuma pular a cerca: cuidado com a manchete do dia seguinte.  Vai que o marido descornado resolva, como de dizia antigamente, lavar a honra e o faça com um 38 carregado de balas.  Aposto que a manchete do dia seguinte vai falar em “crime passional”.  Se você tiver a sorte de escapar vivo ainda vai ter que dar muita explicação porque a humilhação já estará espraiada.  Entretanto, podia  ser pior caso o lavador da honra fosse você e bem pior ainda se fracassasse na vindita.  A manchete do dia seguinte só poderia ser essa:  “Traído, vingativo e ruim de pontaria”.

Penso que é inevitável  associar essas divagações àquelas homenagens que podem se eternizar e sobre as quais não teremos nenhum controle no futuro. Acredito mesmo que, se pudessem escolher, Rubem Berta e Mário Quintana, por exemplo, evitariam batizar com seus afamados nomes duas comunidades de Porto Alegre onde campeia a violência, com todo o respeito às famílias lá residentes que também são vítimas da bandidagem local.


Fico imaginando -  até já escrevi sobre isso - se algum puxa saco resolver  me homenagear quando eu partir dessa para outra dimensão e batizar aquele beco perdido no cafundó do judas de Travessa Flávio Dutra e vale também para outros espaços públicos. Já estou até vendo as manchetes e títulos dos tabloides populares: “Traficantes tomam conta do Beco Flávio Dutra”,  ou “Prostituição infesta praça Flávio Dutra”,   ou a pior  - “Ninguém aguenta mais o mau cheiro da Flávio Dutra”.  Certamente vou me remexer na cova.  O que me conforta é que ainda vai demorar muito até eu merecer uma placa em logradouro público!