Lá pelo final dos anos 80 do século passado numa
reunião de pauta do Jornalismo da Radio Band sugeri que fizéssemos uma série de
reportagens sobre a crise da saúde no Rio Grande do Sul. Mal acabei de externar
a ideia e fui aparteado por uma das editoras, a mais experiente:
- Pô, chefia, crise da saúde de novo?! Há mais de
dez anos a gente não fala em outra coisa.
Fui obrigado a reconhecer que ela tinha razão.
Passaram-se mais de 20 anos e a crise na saúde continua na ordem do dia, apesar
dos investimentos sempre crescentes no
setor e de o SUS ter se consolidado desde então. Até parece que a crise da a saúde tomou vacina contra a
solução dos seus recorrentes problemas.
Uso o exemplo da saúde para tergiversar sobre as
crises em geral, as que assolam nosso país em todas as instâncias de governo e
que contaminou o setor produtivo em geral. Desde que me conheço por gente ouço
falar em crise e nos seus efeitos perversos sobre o cotidiano de cada um de
nós. Mesmo assim temos sobrevivido e
ficamos à espera de uma nova crise, da volta por cima e dos altos e baixos que
virão depois.
Só o que está
mudando é que esse processo passou a ganhar uma abordagem diferenciada, de
algumas crises para cá. Agora, a discurseira é em torno de uma equação,
verdadeiro mantra, de que crise é igual a oportunidade. Afamados palestrantes, inclusive, não se
cansam de usar um argumento falacioso, afirmando que os caracteres que compõe a
palavra crise em chinês (me poupem de reproduzi-los) representam perigo e oportunidade. Essa versão já foi
derrubada por credenciados filólogos da
língua chinesa. É uma percepção popular
equivocada, esclarecem.
Ademais, vai explicar para o metalúrgico que perdeu
o emprego que ele não foi vítima da
crise, mas que precisa acreditar na chegada de um tempo de oportunidades. Vai
contar ao empresário que o consumo caiu, o juro está alto, falta capital de
giro e grana para novos investimentos, mas que isso é sinônimo de oportunidade,
não de crise. Vai explicar aos gregos que os alemães, ao cobrarem o que lhe
devem, estão sendo generosos, oferecendo
um mundo de oportunidades e não agudizando a crise do país.
Crise igual a oportunidade, essa autoajuda
motivacional de nada adianta quando fatores externos pressionam as vítimas da
crise, detonam suas bases de apoio, suspendem suas receitas, negam crédito e acabam com as bem aventuranças futuras. Isso é vida real e não
discurso artificioso.
Da mesa ao lado vem o questionamento: mas, e aí,
qual a solução? Chamem os universitários porque não me atrevo a tanto, apenas observo o cenário e fico bem
quietinho no meu canto, esperando a onda passar. Garanto que sobreviverei a
mais essa crise.
Nenhum comentário:
Postar um comentário