domingo, 21 de junho de 2015

Mulheres que amaram demais - o Vulto

Meu bom amigo Gunther foi  surpreendido outro dia quando chegava para apanhar seu flamante SUV numa garagem do Centro. De um canto escuro emergiu uma criatura que, primeiro, provocou um susto enorme e em seguida uma atitude defensiva contra o intruso potencialmente perigoso.  Não  era para tanto. O vulto era uma amiga que se candidatava a ser mais do que amiga. Nas mãos, carregava duas sacolas com pinhões.  A cena não deixava de ser insólita: de um lado Gunther todo em alerta e do outro o Vulto, agora como nome próprio,  com as duas sacolas e aquela prosaica carga silvestre. De repente,  num gesto desastrado dela, os pinhões acabaram se esparramando pelo chão.

Naquele momento a dupla se deu conta da presença de Cinthia, colega e caroneira de Gunther.  Tão assustada quanto o moço, ela ficou sem ação:  não sabia se fugava para o veículo, se juntava os pinhões ou se cumprimentava o Vulto, que conhecia de outras investidas.  Optou por ficar estática, aguardando o desenrolar dos acontecimentos, enquanto a outra  não conseguia esconder o constrangimento com a presença dela.

Gunther acabou conduzindo as duas no SUV, mas teve o cuidado de entregar o Vulto primeiro, claramente para escapar de nova investida.  No trajeto a conversa girou em torno dos pinhões desgarrados, que devem ser metáfora de alguma coisa, a qual Cinthia, que a tudo assistiu, não soube explicar.  Mais difícil  é explicar  a paixão de o Vulto por Gunther, os telefonemas em horários tardios ou cedo demais, os encontros forçados e tudo o mais numa relação condenada à frustração.  Senhora bem ajeitada nos seus 40 e tanto, casada  e com filhos crescidos,  discretamente elegante e, ainda,  com feições que lembram Celly Campello* quando mais jovem, ela não deveria dedicar-se com tanto afinco à Gunther, um hedonista militante.  Mas o Vulto não desiste...

Esse prosaico episódio  nada tem de edificante ou inspirador, nem encerra uma lição a ser seguida. Na real é apenas mais uma ocorrência da série Mulheres que Amaram Demais.  Vale como expressão do esforço dessas mulheres para revelar toda a sua paixão, às vezes incontrolável.  Nem Glória Perez descreveria melhor a situação em seus folhetins televisivos.  Mesmo assim,  as mulheres que amaram e amam demais tem o meu respeito. É preciso coragem, iniciativa, determinação, despir-se  de qualquer recato, para cercar permanentemente o alvo de sua paixão e nem sempre ter a devida correspondência.  Neste caso, passam a ser mulheres que sofrem  demais .Por isso,  merecem mais ainda meu sincero e solidário respeito.


* Celly Campello, precursora do rock no Brasil. "Estúpido Cupido" foi seu primeiro e maior sucesso. Faleceu em 2003, aos 60 anos.

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