domingo, 25 de julho de 2010

É difícil resistir aos holofotes


Andy Warhol: 15 minutos de fama para todos


Os grandes casos policiais ou escândalos políticos, que ocupam a mídia de tempos em tempos, trazem para o nosso convívio diário algumas figuras singulares para não dizer esquisitas. No atual caso Bruno quem ocupou esse espaço foi o delegado Edson Moreira, da Polícia de Minas Gerais, um falastrão bossal que transformou suas coletivas em verdadeiros circos. O homem, abusando das caras e bocas, despeja opiniões e explicações sobre tudo, faz blague com os repórteres, julga e condena. Temo pela qualidade do inquérito que ele está realizando.

No caso Nardoni, o promotor Francisco Cembranelli conquistou o status de celebridade, quase ofuscando em projeção na mídia os réus do traumático episódio. O pessoal do Ministério Público, em geral, parece que descobriu as delicias da popularidade e tem buscado os holofotes mais do que seria conveniente para a atividade que desempenha. Os delegados da Polícia Federal não ficam atrás. Uma nova safra de federais engomadinhos tem freqüentado a mídia com extrema desenvoltura e muitas conclusões prévias.

A exceção é o delegado Protógenes Queiroz e é exceção não pelo comportamento, mas pelo figurino deselegante que contrasta com o de os seus companheiros da PF. Protógenes, com suas roupinhas descombinadas e fazendo o gênero intelectual, alçou-se a paladino da moralidade na Operação Satiagraha, que investiga crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro envolvendo o banqueiro Daniel Dantas. O juiz do caso, Fausto De Sanctis, também cortejou as luzes, mas com mais discrição.

Já o delegadinho tantas fez, que foi afastado da Polícia Federal e tornou-se réu em um processo que investiga o vazamento de informações da Satiagraha, contaminando todo o processo. Mas graças a súbita popularidade, Protógenes passou a ser figurinha carimbada em todas as manifestações anticorrupção e daí a se lançar candidato foi um passo. O sujeito vai disputar uma cadeira na Câmara Federal pelo PCdoB e até visivelmente já melhorou o figurino.

Suspeito da autenticidade desses agentes públicos e da honestidade de seus propósitos. È difícil resistir às câmaras e microfones, ao reconhecimento das pessoas nas ruas, à súbita distinção entre os demais mortais e são poucos os que tem estrutura e estatura para compreender o que existe de efêmero na condição de celebridade da hora. O certo é que todos estão em busca dos 15 minutos de fama prometidos por Andy Warhol. Estou esperando a minha vez, mas garanto que serei bem comportadinho quando ela chegar.

domingo, 18 de julho de 2010

A última edição

O JB nos tempos difíceis


Sou tão antigo que fui estagiário, no início da década de 70, do Diário de Noticias, o jornal dos Associados de Assis Chateaubriand em Porto Alegre. A redação ficava num prédio velho na Rua São Pedro e as mesas, cadeiras, máquinas de escrever e listas telefônicas eram itens muito disputados no final da tarde, quando começava o fechamento da edição. A briga pelas listas telefônicas se explica: as mesas eram muito altas e para chegar a altura da máquina de escrever havia necessidade de acrescer um suporte.

Estagiei na editoria de polícia, constituída do estagiário e um editor. Saia com o jipão azul para o Palácio da Polícia e voltava no fim da tarde com um repertório dos pequenos e grandes dramas da cidade. Certa tarde, afoito e deslumbrado como a maioria dos estagiários, decidi acompanhar até o último andar do prédio um grupo de jovens barbudinhos que acabava de chegar escoltado. No andar, funcionava o temido Dops e ao me apresentar e perguntar porque os jovens estavam detidos, levei um corridão e me fui escada abaixo tratar de assuntos menos perigosos. O que teria acontecido com os barbudinhos? Até hoje não sei que destino tiveram, mas ainda lembro aquelas fisionomias derrotadas à caminho provavelmente da tortura.

Trabalhei por um mês no Diário e não vi a cor do dinheiro. Pudera, o jornal atrasava o pagamento dos funcionários por que pagaria um estagiário? Poucos anos depois dessa minha primeira experiência jornalística, o Diário tirou sua última edição. Foi um baque para mim – o primeiro estágio a gente nunca esquece - , embora o jornal estivesse decadente há bastante tempo. (Celito de Grandi fez um ótimo livro sobre a trajetória do jornal em “Diario de Notícias”, editado pela L&PM)

Mais tarde, já profissionalizado, trabalhei duas vezes na Folha da Tarde, a primeira como repórter e depois como um dos editores (redatores, na nomenclatura do jornal). O ambiente da Folha era ótimo, apesar da permanente disputa com a Folhinha (a Folha da Manhã) que nascera a partir da própria FT, levando alguns dos seus melhores talentos. A Folha da Tarde acabou sucumbindo na esteira da crise da Caldas Junior, mas bem antes já dava sinais de esgotamento do seu projeto em função de que não havia mais espaço para os jornais vespertinos.

A minha primeira experiência como editor foi no Jornal do Inter, um projeto independente da Coojornal. Andei cometendo textos também para a edição regional do Pasquim. Tanto um como o outro periódico não sobreviveram.

Que fique claro que não existe qualquer relação de causa e efeito entre a minha passagem por esses jornais e o posterior encerramento de suas atividades. Foi mera e infeliz coincidência, mas cada redação que se fecha macula o sonho e rebaixa a fé dos que fazem do Jornalismo sua vocação, mais do que uma profissão. Também não cabe aprofundar as causas, nestes tempos de internet, que levaram os jornais a perderem espaços e leitores, alguns deles para sempre.

Faço, porém, essas evocações, com um tanto de melancolia, ao receber a informação do fechamento de mais um grande jornal nacional, grandeza proposta até no nome – Jornal do Brasil. E me permito reproduzir o artigo de Ricardo Kotscho, que expressa bem o sentimento de perda que representa para todos nós o fim de uma era no jornalismo brasileiro.

Anunciada a morte do Jornal do Brasil

Só falta marcar a data da morte, aos 119 anos, do melhor jornal em que já trabalhei na vida, um símbolo da imprensa brasileira.

Ainda esta semana, Nelson Tanure, o atual dono da marca, vai anunciar o dia em que deixará de circular o Jornal do Brasil, um dos mais antigos, revolucionários e respeitados veículos já publicados no país. Fosse uma pessoa, era o caso de dizer como antigamente: trata-se de uma perda irreparável.

O necrológio já havia sido muito bem escrito pelo colega Carlos Brickmann, semana passada, em sua coluna no Observatório da Imprensa. Agora, quem anunciou oficialmente o desenlace, em sua edição desta terça-feira, por ironia do destino, foi justamente O Globo, outrora principal concorrente do Jornal do Brasil.

Trabalhei por três temporadas no JB, primeiro como seu correspondente na Europa, na década de 1970, e depois na sucursal paulsita, nos anos 80/90.

Para se ter uma idéia da fôrça e do prestígio deste jornal, quando fui contratado por Dorrit Harazim para ser seu correspondente na então Alemanha Ocidental, ela me alertou para a responsabilidade: “Você vai ser um dos nossos embaixadores na Europa”.

No elegante restaurante da diretoria, onde fui convidado a almoçar para ser apresentado aos meus novos chefes, estava todo mundo de terno e havia tantos copos e talheres à minha frente que não sabia nem por onde começar _ ainda mais depois da advertência da Dorrit, a chefe dos correspondente internacionais do jornal.

De roupa esporte, me senti um verdadeiro caipira sentado à mesa da rainha da Inglaterra. Meses depois, participaria com Dorrit de uma reunião dos correspondentes do JB na Europa, mais de dez na época, convocada para um grande hotel de Paris _ vejam que chique…

O JB nesta época ainda reunia a seleção brasileira da imprensa. Não havia limite de despesas para se fazer uma reportagem. O grande sonho de todo jornalista era trabalhar lá um dia. Tinha vários craques em cada editoria, e ouso afirmar que nunca mais se montou uma redação daquela qualidade.

Não vou me meter a elencar os nomes, como fez o robusto Carlinhos em sua coluna, “O circo da notícia”, porque eram tantas as estrelas que não vou me lembrar de todos os mestres com quem convivi. Basta lembrar, por exemplo, que fui colega de Walter Fontoura, Elio Gaspari e Zuenir Ventura.

O que mais me fascinava no Jornal do Brasil era o ameno ambiente de trabalho e a absoluta independência editorial. Para se ter uma idéia, a dona era uma condessa, a condessa Pereira Carneiro, e o diretor, um lorde, o seu genro Nascimento Brito.

Nunca os vi de perto e jamais recebi uma “ordem da diretoria” para fazer ou deixar de fazer determinada matéria. Mais tarde, as coisas mudariam, e o jornal entraria numa crise financeira e editorias que o levaria à decadência até ser arrendado para o empresário Nelson Tanure, em 2001. Começava ali a sua agonia. Em 2009, Tanure já havia levado à morte outro grande jornal, a Gazeta Mercantil.

Teria mil histórias a contar sobre o meu trabalho no JB, que não cabem num blog, mas podem ser encontradas no meu livro de memórias “Do Golpe ao Planalto _ Uma vida de repórter”, da Companhia das Letras.

Ao ver a notícia do falecimento esta manhã, fiquei muito triste. Foi como se estivessem apagando da paisagem e levando embora para sempre o lugar onde passei a melhor fase da minha já longa vida profissional.

Restavam lá trabalhando apenas 60 jornalistas, a circulação vinha minguando abaixo dos 20 mil exemplares, o jornal já tinha encolhido de tamanho e muitos dos seus antigos craques hoje podem ser encontrados nas páginas de O Globo. A imprensa brasileira deveria decretar três dias de luto.
* Por Ricado Kotscho em seu blog.

sábado, 10 de julho de 2010

Paul, Larissa e uma tese machista

Paul, personagem da Copa 2010


Há algo de errado no reino do futebol. A constatação decorre da supremacia na mídia de personagens extra campo em detrimento dos craques que tem sido maltratados pela Jabulani na Copa da África. A própria Jabulani foi erigida em personagem da Copa pelas ciladas que pregou nos jogadores, enquanto a Vuvuzela ganhou espaço nobre na galeria de ícones pela sua estridente chatice.

Mas a grande celebridade desta Copa, mais do que o holandês Robben ou o espanhol Xavi, foi o polvo Paul. Debaixo d’agua , provocado a escolher a seleção vencedora a cada jogo, o estranho bicho tem acertado todas. Para a decisão, apostou na Espanha. O polvo profeta vive na Alemanha e provavelmente nunca visitará a África do Sul, apesar da súbita celeridade, assim como aquela moça paraguaia que, desde Assunção, conseguiu generosos espaços na mídia graças as suas formas insinuantes e à promessa de se desnudar em praça pública caso a seleção do seu país chegasse ao título mundial. Como os valentes paraguaios ficaram no meio do caminho tivemos que nos contentar apenas com um ensaio sensual da Larissa Riquelme. O bispo Lugo já está de olho.

E tem ainda as musas da reportagem que incendiariam a imaginação dos rapazes na África, a maioria na secura de mais de um mês. Falam maravilhas de uma morenaça costa-ricense e uma não menos atraente italiana teria sido responsável pela falha do zagueiro da seleção,seu namorado, mais preocupado com a presença da moça atrás do gol do que com os atacantes adversários. A Ótima Bernardes é fichinha perto desse time de jornalistas estrangeiras.

Foi-se o tempo em que as copas eram referenciadas por jogadores destaque, como a Copa de Pelé , de Garrincha, ou de Cruiff e Beckembauer, de Maradona e Platini, de Romário e Ronaldo, ou ainda, a Copa de Zidane. A ameaça que paira sobre todos os que gostam de futebol é que 2010 seja lembrada como a Copa do molusco Paul.

A verdade é que mesmo os treinadores ganharam mais destaque que os jogadores, tanto assim que tem direito a uma câmera exclusiva durante as partidas. É o caso de Maradona, porque é Maradona, de Dunga por seu figurino, do alemão Joahim Löw por sua elegância (embora tenha perdido pontos ao ser flagrado degustando uma meleca), do espanhol Del Bosque por sua sisudez, pra citar os mais visados.

O que antes era uma cobertura jornalística focada principalmente no futebol, hoje está mais para o conteúdo das revistas Contigo e Caras. Estão faltando craques para pautar a mídia ou ampliou-se a abrangência do material produzido, com um viés de frivolidade?

Claro que tenho uma tese a respeito. E uma tese provocativa. O crescente interesse das mulheres pelo mundo do futebol, inclusive na reportagem esportiva, é que determinou essa guinada. Nesse contexto, os esquemas táticos, a luta travada em campo, a tensão inerente à disputa, a jogada coletiva ou o virtuosismo do craque, a celebração da vitória e a indignação pela derrota, valores do universo masculino do futebol, foram acrescidos de outros nem tão esportivos – as coxas dos jogadores, os tórax bem delineados pelas camisetas justas, o estilo dos penteados, as barbas que se ficam bem em uns e não em outros, as sobrancelhas depiladas e outros detalhes estéticos que só as mulheres percebem. Foram instituídas listas dos mais bonitos e nem os austeros árbitros escaparam.

O belo ressurge no futebol, mas com outro olhar e expresso de outra forma que não a virilidade machista. Daí para a frivolidade foi um passo.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Teses e mais teses

A melhor análise sobre a atual Copa do Mundo ouvi, via Rádio Gaúcha, do cineasta José Pedro Goulart. Além de talentoso diretor de comerciais e filmes, Zé Pedro é gremista fanático, o que não contamina suas observações, sempre muito lúcidas, mesmo quando envolvem seu clube do coração. Pois bem, ouvi o Zé Pedro afirmar que a seleção brasileira se germanizou, enquanto a seleção alemã se abrasileirou.

Interpretei a observação a partir da forma de jogar das duas seleções nesta Copa: o Brasil apostando no coletivo, no jogo duro, sem muito espaço para as brilhaturas pessoais, tanto assim que quem apareceu como grande talento individual foi um zagueiro, Lúcio, enquanto os craques Kaká e Robinho ficaram aquém da fama e dos seus potenciais. Já a Alemanha apresentou um futebol leve, bonito de se ver em que despontam individualidades como o centroavante matador Klose e as revelações Muller e Özil.

A explicação para essa aparente contradição pode estar na globalização do futebol, que atingiu dimensões que outros setores da economia ainda buscam. É incalculável o número de jogadores brasileiros atuando em todos os quadrantes do mundo, sendo que os mais qualificados estão no futebol europeu. O Brasil, como potência futebolística, em termos de desenvolvimento econômico ainda não é páreo para os países do Euro, por isso tornou-se um grande fornecedor de craques para os principais clubes europeus e até mesmo para algumas seleções, vide os três brasileiros de Portugal e o afro-brasileiro-alemão Cacau.

O intercâmbio técnico por certo ocorre nos clubes e é inevitável que os brasileiros no exterior passem a assimilar hábitos, esquemas, táticas, métodos e posicionamentos adotados pelos europeus que, por sua vez, com tantos companheiros latinos, acabem adquirindo um certo jeito abrasileirado de jogar. Os resultados da Copa até agora indicam que os europeus e notadamente os alemães, levaram vantagem no troca-troca.

Por falar nisso, considerava a Alemanha favoritíssima para conquistar o título, até a derrota para a seleção de outro país, a Espanha, que recebe muitos craques brasileiros. A Espanha é a queridinha da vez, mas continuo torcendo pela Holanda. Sou o mais novo holandiano desde pequeninho.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Boca santa!

Que que eu tinha que escrever que só temia a Holanda nesta Copa? Não deu outra: fomos solenemente encaçapados. Adeus, hexa. Agora o País inteiro vai se dedicar a outro esporte preferido dos brasileiros: apontar culpados pela eliminação. Foi o mau humor do Dunga que contagiou a seleção? Foi o destempero do Felipe Melo? Foi o pífio desempenho do Kaká? Ou foi a afonia do agourento Galvão Bueno que deu azar?

Neste momento, pelo menos 180 milhões de brasileiros discutem a questão. E certamente existem pelo menos 180 milhões de teses, vale dizer, 180 milhões de culpados. No local onde assisti ao jogo, meus parceiros culparam uma manta amarela que ganhei de brinde e usei pela primeira vez. Quase fui linchado por causa da inocente mantinha, quando na verdade, o meu sentimento foi de que o azar emanou das pipocas e amendoins, acepipes que substituíram o pão de queijo da vitoriosa jornada contra o Chile.

Humildemente me atrevo a teorizar que no jogo contra a Holanda o vilão brasileiro foi o condicionamento. O time estava muito condicionado à vitória, aos escores de vantagem e foi só o adversário equilibrar o jogo com aquele gol espírita, que a nossa seleção se desestabilizou. Não havia experiência anterior na Copa de enfrentamento de igual para igual. E o Brasil sucumbiu mais por seu mérito – a fixação em estar em vantagem – do que pelos seus defeitos. É o meu pitaco, minha contribuição ao grande debate nacional do momento. A ironia em tudo isso é que o setor mais qualificado e elogiado do time brasileiro, a defesa, falhou nos dois gols dos holandeses. Julio César, Lúcio e Juan, especialmente os três, não mereciam esse triste desfecho.

A verdade é que investimos uma enorme energia na torcida pela seleção, mesmo que o time de Dunga não fosse de entusiasmar. Agora precisamos administrar a ressaca. Ou como diria o mestre Drummond, na memorável crônica "Perder, Ganhar, Viver", após a eliminação brasileira na Copa de 82, em circunstâncias muito semelhantes: “A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos. E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?”

domingo, 27 de junho de 2010

Fronteiras e a violência na África


Denis Mukwege hoje no Fronteiras

O Fronteiras do Pensamento apresenta nesta segunda-feira (19h30, Salão de Atos da Ufrgs) a conferência do médico congolês Denis Mukwege. Admito que sabia muito pouco do trabalho humanitário de Mukwege nos confins do Congo e foi oportuno o depoimento do médico gaúcho Milton Paulo de Oliveira no caderno Cultura da Zero Hora de sábado, 26. O testemunho de quem participou de missão promovida pela ONG Smile Train (Trem do Sorriso) em Bukavu no Congo é de emocionar, não apenas pelas dificuldades enfrentadas para tratar crianças com a deformação conhecida por lábio leporino numa das regiões mais pobres do mundo, mas também pelo conhecimento que travou com Mukwege.

Com formação em ginecologia e obstetrícia na França, o congolês poderia ter escapado para o exterior diante da violência decorrente dos conflitos internos no seu país, que resultaram, nos últimos 10 anos, em mais de 6 milhões de mortos e milhares de mulheres violadas e torturadas. Mas preferiu ficar e ajudar às vítimas das atrocidades dos infindáveis conflitos armados, especialmente mulheres e crianças.

Hoje, Mukwege dirige o Hospital de Panzi, onde realiza cirurgias reparatórias em vitimas de violência e torturas sexuais, criando ainda uma comunidade para as mulheres e meninas que se curaram no seu hospital e que passam a tê-lo como sua única referência familiar na busca da reintegração social,já que seus outros parentes foram dizimados pela guerra.

“Apesar da guerra, das atrocidades, das mais variadas violações dos direitos humanos no seu país, Mukwege tem o amor como única arma para manter intacta a fé na humanidade, enquanto continua a fazer seu trabalho de maneira incondicional e implacável”, testemunha o médico gaúcho. Graças a isso, Mukwege foi indicado para o Premio Nobel da Paz em 2009 (conferido a Barak Obama) após ter ganho em 2008 os prêmios das Nações Unidas de Direitos Humanos, Olof Palme (Suécia) e Africano do Ano.

O tema do Fronteiras será, portanto, pesado, mas é importante enfrentar e refletir sobre essa realidade perversa, que faz dos mais frágeis suas maiores vítimas, em pleno século 21.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A Holanda vem aí



Holanda 1974, a Laranja Mecânica e Holanda 2010, perigo à vista


Pelo que tenho visto desta Copa, só temo a Holanda. Desde 1974, quando Cruyff comandou a Laranja Mecânica, os holandeses vem apresentando altos e baixos em copas do mundo. Foram vices em 74 e 78 (perdendo o título para os anfitriões), não se classificaram em 82, 86 e 2002, foram eliminadas em fases iniciais em 90, 94 e 2006.

Em 94, convém recordar, a Holanda foi eliminada pelo Brasil nas quartas-de-final, num jogo duríssimo em Dallas, em que o juiz acabou dando uma mãozinha para o time do Parreira ao não marcar um pênalti – pra mim muito claro – para o adversário. Quatro anos depois, na França, enfrentamos novamente os holandeses num jogo dramático pelas semifinais: empate em 1 x 1 no tempo normal e vitória brasileira nos pênaltis, graças a duas defesas de Taffarel.

Lembro bem que depois do jogo de 94 assisti no centro de Dallas à movimentação dos torcedores holandeses, inconfundíveis com seus trajes e perucas laranjas, felizes da vida e confraternizando com brasileiros e brasileiras, apesar da derrota. A noitada foi de muita cerveja e cantoria, mas não registrei nenhuma confusão. Fiquei encantado com o comportamento dos holandeses e mais ainda com suas torcedoras, as mais belas daquela Copa.

Estive recentemente em Amsterdan, por breves horas, e pude constatar novamente o espírito festeiro dos holandeses. (Sim, vi as mulheres em oferta nas vitrines e dei uma conferida, a prudente distância, nos estabelecimentos que dispõem de um variado cardápio de canabis sativa, a nossa popular maconha. Mas passei ao largo de uma e de outra tentação. Minha praia não é por aí.)

Voltando ao futebol, observo que o retrospecto da Holanda em copas do mundo indica crescimento e boas colocações após uma fase sucessiva de baixa. Agora a fase parece ser de preocupante alta do futebol holandês, e preocupa mais considerando-se que o time laranja pode ser o adversário do Brasil nas quartas-de-final, se passarmos pelo Chile e eles pela Eslováquia.

Como em 94 e 98, vai ser dureza, mas acredito que passando pela Holanda o caminho ficará asfaltado até a final. Porém, se os deuses do futebol estiverem contra nós, vou me bandear para a torcida da Holanda, só para prestigiar as belas moças vestidas de laranja. Só que continuo levando fé no time do Dunga, apesar do futebol que não chega a entusiasmar. E que, depois, venha a Argentina. Enquanto isso, oremos!

domingo, 20 de junho de 2010

As lições de Invictus


Em boa hora chega às locadora o DVD de Invictus. A Copa na África do Sul coloca em evidência a história narrada com a competência e o talento de Clint Eastwood. Uma rápida sinopse do filme: eleito presidente, Nelson Mandela (Morgan Freeman) tinha consciência que a África do Sul continuava sendo um país racista e economicamente dividido, em decorrência do apartheid. A proximidade da Copa do Mundo de Rúgbi, pela primeira vez realizada no país, fez com que Mandela resolvesse usar o esporte para unir a população. Para tanto chama para uma reunião Francois Pienaar (Matt Damon), capitão da equipe sul-africana, e o incentiva para que a desacreditada seleção nacional seja campeã, o que de fato ocorre.

Invictus é uma ode ao perdão e à reconciliação, mas, sobretudo, à grandeza. A grandeza que se expressa na direção de Eastwood que produziu mais um épico, embora Invictus não seja o seu melhor filme. Grandeza também na interpretação de Morgan Freeman. Só ele poderia interpretar, em todas as suas dimensões, o gigante Mandela. Um Mandela, marcado por 27 anos de cárcere, mas que não hesitou em enfrentar as resistências dos mais próximos para atingir um grande objetivo: unir seu povo por meio do esporte.

Não é a primeira vez que a força do esporte é utilizada como instrumento de coesão social. Mas, diferente da nossa experiência com o "Brasil Prá Frente", ou "Ninguém segura este país", da era Médici, que visava validar uma ditadura, Mandela assumiu claramente o rúgbi como um meio para chegar ao objetivo maior de reconstituir uma nação. A grandeza de uma nação está diretamente vinculada à grandeza de intenções e dos sonhos de seus líderes e essa é a principal lição que fica de Invictus.

Extra filme, algumas constatações. O rúgbi, mistura de futebol e futebol americano, é um jogo muito estranho. É um tal de agarra, agarra chatissimo, sem contar que a bola oval, jogada com as mãos, só pode ser passada para trás. Menos mal que na época retratada pelo filme as detestáveis vuvuzelas ainda não haviam invadido os estádios sul-africanos. Por fim, a reflexão que não quer calar: já pensaram se o Mandela dependesse da seleção do Parreira para unir o povo? Coitada da África do Sul.

Cala a boca Faustão

O pior desta Copa do Mundo é aturar o Faustão em todos os intervalos.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

No mundo da Copa

Nasci em ano de Copa do Mundo, em 1950. Portanto, diferente do que dizem alguns dos meus detratores, não assisti aos jogos daquela Copa. Na verdade, só tive consciência do que era a competição em 1958 quando, numa manhã fria de julho, ouvi pelo rádio, na narração compassada de Mendes Ribeiro, a vitória do Brasil sobre a Suécia na final.

“Pelê, Pelê”, gritava o Mendes Ribeiro, trocando os acentos. Não sei se era bossa do narrador ou desconhecimento do verdadeiro apelido daquele que viria a ser o Rei do Futebol. O som do velho rádio valvulado era instável, vinha e fugia, de repente se expandia para logo depois ficar quase inaudível. Aquilo era magia pura para o garoto de 8 anos. Como era possível o som chegar desde a longínqua Suécia até minha casa na rua Bagé, em Porto Alegre e ser capturado pelo aparelho estrategicamente instalado na sala? Só anos mais tarde vim a comprender como funcionava a transmissão via SSB (single side band), o sistema que o mago engenheiro Homero Carlos Simon pôs a funcionar e que catapultou a recém inaugurada Rádio Guaíba à condição de principal emissora dos gaúchos. (No Google devem ter explicações técnicas melhores do que as que eu poderia fornecer).

O advento das transmissões via satélite, a partir da década de 70, acabou com a jornada épica que eram até então as coberturas de Copas do Mundo, tanto por TV como por rádio. Na TV, só em 1970, na Copa do México, tivemos transmissões diretas, ao vivo, mas ainda sem cores. Até então, assistir aos principais jogos só em VT que nem sempre eram fidedignos em relação às transmissões de rádio. Ficávamos desconcertados porque aquele pênalti inquestionável para o Brasil, denunciado no rádio, não era bem assim na exibição da TV. Alguma coisa estava errada. Os narradores e comentaristas certamente exageravam no conceito de que o rádio é o teatro da mente e não poucas vezes apelaram para a ficção em nome do patriotismo. Mas o rádio tinha credibilidade, por isso acreditava mais no que era narrado do que no que no era visto depois.

A partir de 1974, com a Copa ao vivo e a cores direto da Alemanha, participei de todas as coberturas dos mundiais de futebol, sempre na retaguarda, até 1994, quando fui escalado pela Rádio Gaúcha para coordenar a equipe da RBS em Dallas. Passei longos 52 dias em Dallas, uma cidade inóspita, cuja maior atração é o depósito de livros de onde Lee Oswald teria disparado o tiro mortal no presidente Kennedy. Teria tantas histórias para contar daquela experiência única, mas vou poupá-los de reminiscências saudosistas. O que eu observei na verdade, foi uma copa sem brilho, inclusive em relação ao futebol brasileiro, que conquistou o tetra com uma equipe pouco mais do que aplicada, onde despontavam a liderança de Dunga e o talento de Romário.

Depois de 94, virei telespectador de copas do mundo e confesso já não curto os jogos com o mesmo entusiasmo. Acho que todos estes anos ligadíssimo provocaram uma saturação. A overdose está cobrando tributo. O efeito colateral é que assisto à Copa de sangue doce, feliz a cada vitória brasileira, mas sem depressão em caso de fracasso.

Ajo, talvez, à semelhança da seleção do Dunga: nada de emoções extremadas, nada de grandes surpresas. Mas diferente de mim, um mero telespectador, a seleção tem uma missão a cumprir e aposto minhas fichas como o Brasil, com este time mediano ao estilo de Dunga, vai chegar lá, repetindo 94. Se isso acontecer, minha gente, mudo de atitude, vou explodir de alegria, estourar foguetes e sou capaz até de sair gritando “Brasiiiilllll”. Não me cobrem coerência nessa hora.